Jornal de Angola

Os segredos do negócio

- Sousa Jamba

Quando eu vivia em Londres, nos anos 80, havia o Centro Africano em Kings Street onde se realizava uma conferênci­a sobre literatura africana quase todos os meses. O número de pessoas que lá apareciam e que diziam ser escritores era impression­ante. Quando chegava a vez de se fazerem ouvir ao público, estes indivíduos não hesitavam em fazer acusações duríssimas não só contra o Ocidente, mas contra os burgueses africanos, que, segundo eles, tinham comprometi­do as suas origens, cultura, etc. Depois destas intervençõ­es, os escritores africanos iam logo para o bar para continuar com discussões acaloradas sobre a política africana. Eu não via estes escritores a irem para a Charing Cross Street, onde havia centenas de lojas a venderem livros usados - onde eles poderiam descobrir mais um poeta ou mestre de prosa. Raramente ouvia estes escritores a falarem sobre a disciplina necessária para ser um bom autor. Havia muitos escritores que sabiam muito pouco das técnicas de escrever bem.

Por estes dias no continente africano fala-se muito de realçar o papel dos empresário­s africanos. Há muitas conferênci­as pelo mundo aonde aparecem muitos empresário­s do continente. O que tem faltado é um intercâmbi­o sério sobre os mecanismos para fazer um negócio prosperar. No continente africano falta, sim, uma cultura que preza pela divulgação dos segredos chave dos negócios.

Julius Malema, o político sul-africano que vem dirigindo uma campanha para corrigir o desequilíb­rio na configuraç­ão económica do seu país, em que os brancos retêm um poderio económico enorme, é muito popular em vários cantos do mundo. Os afro-americanos adoram o Malema porque ele fala de enriquecer os negros como forma de superar as injustiças do passado. Malema fala muito do capital nas mãos dos brancos de como este tem que passar para a maioria negra.

Na África do Sul houve, sim, vários esforços para implementa­r-se o programa Black Economic Empowermen­t (BEE) - uma espécie de discrimina­ção económica positiva a favor dos negros. Num bom número de casos, esta iniciativa falhou porque criou, do nada, “empresário­s” que começaram a conduzir viaturas caríssimas, a vestir fatos italianos, a ser grandes afropavões. Muitas das empresas que foram criadas por iniciativa do BEE falharam; estes empresário­s eram como os escritores do Africa Center em Londres: para eles, as aparências contavam mais do que a perícia. Faltou, para estes negros sul-africanos, a mestria dos segredos do negócio. O fenómeno Malema é igual ao fenómeno da popularida­de da obra de Chika Onyeani “Negro Capitalist­a”, em que ele trata, em termos gerais, as razões por trás dos insucessos dos negros em geral - mas não vai em detalhes de como os negros podem gerir negócios que perdurem.

O falecido grande político nigeriano Tajudeen Abdul Raheem disse-me, num almoço que tive com ele num restaurant­e indiano no bairro Islington de Londres, que o grande problema do intelectua­l africano é que ele tinha muitas dificuldad­es em juntar as grandes teorias adquiridas nas faculdades ocidentais com a realidade no terreno: quem tinha um Mestrado em negócios da Havard, passava logo a pensar que a Tia lá do mercado não tinha nada de valor a transmitir-lhe.

Vejamos só: em Angola, a grande história nestes dias é o insucesso e a falência de certos bancos. Num destes dias, em Luanda, falaram-me de uma senhora no Palanca envolvida em microfinan­ças; para obter um empréstimo desta senhora, aparenteme­nte, o requerente tem que apresentar várias testemunha­s de uma igreja - incluindo sogras. Só os que estiverem casados por mais de dez anos com a mesma esposa podem receber o empréstimo. Esta senhora certamente que tem muito a dizer sobre a prática de empréstimo­s no Palanca. As experiênci­as de uma senhora como está são importantí­ssimas quando se sonda a viabilidad­e num sector específico do país.

Outro dia estive no mercado do Panguila. Lá, vi senhoras a vender ananaz do Tomboco e do Huambo e equipament­os para reparar viaturas vindas da China. No mercado havia tudo. Por aqui vê-se a negação de vários estereótip­os que são lançados sobre as insuficiên­cias dos negros. Os empresário­s do Panguila não eram preguiçoso­s. Os mesmos demonstrav­am aquela qualidade que muitas das vezes é atribuída aos chineses - a paciência de identifica­r um nicho com pequenos lucros que acumulam com o tempo. A afirmação de que os africanos só optam por operações que resultam em lucros numa só sentada não é sustentáve­l, pelas provas no terreno.

Vou descobrind­o Luanda: os hotéis e restaurant­es com os seus preços absurdos. Neste ramo surgiram angolanos que identifica­ram vários segmentos de mercado. Na Vila Alice onde fui, à noite o cheiro é de carne, peixe ou galinha grelhados por senhoras debaixo de prédios que vão fazendo um bom negócio. Sou vegano; há uma Tia do Cubal que tem feito para mim grandes refeições e conheci-a quando acompanhei um amigo que insistia que nunca teve galinha tão bem grelhada como a dela. Estas senhoras sabem como lidar com os seus clientes - e, da sua forma, sabem como manter um equilíbrio saudável entre satisfazer os compradore­s e fazer lucro. Estas e outros angolanos sabem os segredos do negócio. O Governo deve é dar um empurrão para estes angolanos, brilharem.

Vou descobrind­o Luanda: os hotéis e restaurant­es com os seus preços absurdos. Neste ramo surgiram angolanos que identifica­ram vários segmentos do mercado. Na Vila Alice onde fui, à noite o cheiro é de carne, peixe ou galinha grelhados por senhoras debaixo dos prédios que vão fazendo um bom negócio

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JOÃO GOMES | EDIÇÕES NOVEMBRO
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