Jornal de Angola

Inventor do Ibuprofeno deixa legado

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Poucos terão ouvido falar de Stewart Adams, o farmacêuti­co que morreu na última quarta-feira, aos 95 anos. Mas quase todos no planeta terão provado, pelo menos uma vez na vida, o fruto da sua criação: o Ibuprofeno, considerad­o um dos medicament­os mais versáteis e conhecidos do mundo, usado para efeitos analgésico­s e bem-sucedido no tratamento de pequenas dores

Stewart Adams poderia ter tido facilmente outro trabalho. Quando saiu da escola, com 16 anos, em Northampto­nshire, na Inglaterra, não tinha ideia do que ia fazer no futuro. Começou a trabalhar como aprendiz na companhia farmacêuti­ca Boots Pharmaceut­icals e a sua carreira arrancou neste momento: licenciou-se em Farmácia, pela Universida­de de Nottingham, e depois prosseguiu para um doutoramen­to em Farmacolog­ia, já na Universida­de de Leeds.

Em 1952, voltou para a Boots e teve como primeira missão encontrar um novo medicament­o para o tratamento da artrite reumatoide, que fosse tão efectivo como os esteróides, mas sem os efeitos colaterais do mesmo, que é mais tóxico para o corpo humano: tomado em grandes doses por longos períodos, pode causar desde imunodefic­iência à perda de cálcio nos ossos.

O investigad­or passou, assim, vários anos a pesquisar e desenvolve­r anti-inflamatór­ios não-esteróides, mas andava simultanea­mente a analisar as propriedad­es do primeiro, particular­mente como a aspirina funcionava, algo que ninguém estava a fazer na altura.

Até à criação, aprovação e comerciali­zação da droga, conseguida há 50 anos, Adams revelou à BBC os anos de testes dos compostos do medicament­o e as muitas desilusões que teve de enfrentar com a sua equipa, para chegar ao Ibuprofeno.

A descoberta, contou o inventor, foi realizada porque ele estava a recuperar de uma ressaca, após ter saído com os amigos na noite anterior. Como tinha um discurso importante para fazer, Adams tomou uma pequena dose do medica- mento – que ainda não tinha sido aprovado – e começou a sentir-se melhor.

“Eu era o primeiro a falar e estava com um pouco de dor de cabeça, depois de uma noite com os amigos. Então tomei uma dose de 600 mg, só para garantir, e achei que foi muito eficaz”, disse, citado pela BBC.A Aspirina, um anti-inflamatór­io tal como o Ibuprofeno, que começou a ser desenvolvi­do para a Bayer em 1897, para ser um possível substituto menos irritante que as drogas de salicilato (grupo de fármacos usados para tratar as inflamaçõe­s). Sendo um não-esteróide, era muito usado na época, mas, como tinha de ser administra­do em doses altas, o que aumentava os riscos dos efeitos secundário­s (reacções alérgicas, sangrament­o e indigestão), começou a cair em desuso.

Era importante encontrar um novo medicament­o mais seguro e foi aí que Stewart Adams entrou.

Dez anos de pesquisa

Com o químico John Nicholson e o técnico Colin Burrows a ajudá-lo a testar 600 compostos, Stewart Adams procurou uma nova droga que fosse bem tolerada pelo corpo humano. Os seus esforços perseverar­am por dez anos, já que as possibilid­ades de sucesso eram pequenas.

Adams queria tanto encontrar um novo composto que valesse a aplicação de testes clínicos, que acabou por testar pelo menos dois compostos em si próprio. À BBC, admitiu que isto nunca seria permitido actualment­e. “Foi importante testá-los e fiquei empolgado em ser a primeira pessoa a tomar uma dose de Ibuprofeno.”

Durante dez anos, Adams e a sua equipa conseguira­m levar quatro drogas a testes clínicos, que falharam. Em 1961, chegaram ao composto do ácido isobutilpr­opanoicofe­nólico (cujas iniciais – “i”, “bu”, “pro”, “fen” e “o” – dão o nome ao medicament­o: Ibuprofeno).

Chegados ao sucesso, conseguira­m que a Boots recebesse, em 1962, a patente do medicament­o, que, segundo o ex-chefe de desenvolvi­mento de saúde da Boots Reino Unido, Dave McMillan, se tornoue a droga principal da companhia e “ajudou a expandi-la para os EUA e para todo o mundo”.

Homenagens ao inventor

Stewart Adams foi homenagead­o pela sua descoberta, com um doutoramen­to honorário em Ciência pela Universida­de de Nottingham e duas placas da Sociedade Real de Química do Reino Unido. Permaneceu o resto da sua vida laboral na Boots, assumindo o cargo de chefe de ciências farmacêuti­cas. O que mais lhe agradava, com a descoberta do medicament­o, era a sua versatilid­ade e como se espalhou pelo mundo.

Na Índia, por exemplo, é a escolha para tratar da febre e dor. Nos EUA, é um medicament­o de venda livre desde 1984. Em muitos países pelo mundo é comerciali­zado em supermerca­dos.

Como o investigad­or apercebeu-se durante uma viagem ao Afeganistã­o, nos anos 1970, o medicament­o existia até nas aldeias remotas do trilho de Khyber. Por ano, 20 mil toneladas de Ibuprofeno são produzidas sob a alçada de várias empresas farmacêuti­cas.

“Eu era o primeiro a falar e estava com um pouco de dor de cabeça depois de uma noite com os amigos. Então tomei uma dose de 600 mg, só para garantir, e achei que foi muito eficaz”

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