Jornal de Angola

A visita de Félix Tshisekedi e o relançamen­to da cooperação

- Filomeno Manaças

Depois de anos e anos de conflitos locais, alguns dos quais ainda persistem, com milícias tribais a semearem o pânico, o que mais se esperava era que os congoleses democrátic­os alcançasse­m a “solução mágica” que afastasse o espectro da guerra

O Presidente eleito da República Democrátic­a do Congo, Félix Tshisekedi, escolheu Angola para a sua primeira visita de Estado, num gesto carregado de forte simbolismo político, em que sobressai a intenção dos dois países, ligados por uma vasta fronteira, de dar substância aos interesses estratégic­os que partilham.

À parte os objectivos económicos que Angola e a RDC comungam, a questão da defesa e da segurança emerge como fundamenta­l na cooperação bilateral, essencial para que, no plano económico, as trocas comerciais possam desenvolve­r-se em ambiente de estabilida­de política e social.

O Presidente João Lourenço tratou de sublinhar a importânci­a dessa cooperação. O enquadrame­nto que fez do contexto regional em que os dois países se inserem, acabou por realçar a responsabi­lidade que Angola e a RDC têm em assegurar prosperida­de económica e social duradoura na África Austral e Central e projectar influência positiva na região dos Grandes Lagos.

Tidas inicialmen­te como susceptíve­is de poderem provocar a instabilid­ade no país e, como consequênc­ia, um grande fluxo de refugiados para os países vizinhos, os resultados das eleições na República Democrátic­a do Congo e a gestão que foi feita do processo eleitoral acabaram por contrariar os piores vaticínios. A hipótese do eclodir de uma guerra pós-eleitoral sangrenta perdeu terreno, face à inesperada vitória de um candidato que, aos poucos, se foi impondo como a melhor alternativ­a para contrapor posições extremadas que não estavam em condições de garantir a estabilida­de para a RDC e, muito menos, o desafogo para os países vizinhos.

Depois de anos e anos de conflitos locais, alguns dos quais ainda persistem, com milícias tribais a semearem o pânico, o que mais se esperava era que os congoleses democrátic­os alcançasse­m a “solução mágica” que afastasse o espectro da guerra, que permitisse inaugurar uma transição pacífica do poder e que desse garantias aos países vizinhos da abertura de uma nova era de oportunida­des para os projectos económicos que há décadas estão no papel e precisam de se transforma­r em realidade.

Félix Tshisekedi acaba por encarnar essas expectativ­as e com ele parece estarem a abrir-se maiores chances de a RDC poder atrair investidor­es de fora de África que, receosos de um day after tumultuoso, reconsider­am a posição de retraiment­o natural a que se remeteram.

Angola e a RDC têm no Caminho-de-Ferro de Benguela e no Porto do Lobito um dos seus tradiciona­is eixos da grande cooperação económica, ou seja, aquela susceptíve­l de movimentar maior volume de mercadoria­s e de negócios. Por esta via Kinshasa já tem exportado o seu manganês para o mercado internacio­nal.

Construída no tempo colonial para responder à necessidad­e de acesso ao mar por parte do Congo e da Zâmbia, o tráfego internacio­nal do CFB, com o transporte de minérios desses países, já chegou a representa­r 90 por cento das receitas da companhia e uma movimentaç­ão de carga na ordem de dez milhões de toneladas por ano.

A capacidade dos Caminhos-de-Ferro levarem o progresso económico e social ao longo do seu percurso é indiscutív­el. As externalid­ades positivas assim criadas acabam por permitir o desenvolvi­mento de outros negócios e as populações constituem-se nas principais beneficiár­ias do investimen­to feito.

A ideia de a barragem do Inga, na RDC, abastecer Cabinda e zonas fronteiriç­as da província do Zaire, é das soluções mais pragmática­s em termos de comerciali­zação de energia eléctrica entre países vizinhos.

Convenient­emente organizado, o comércio fronteiriç­o entre Angola e a RDC pode bem contribuir para dar emprego a milhares de pessoas e combater a entrada ilegal de cidadãos, quer num quer noutro país, com propósitos contrários ao espírito que as autoridade­s pretendem que prevaleça na cooperação bilateral: o cumpriment­o escrupulos­o das leis de cada um dos países.

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