Jornal de Angola

Prender pode não ser (sempre) a solução

- Adebayo Vunge

A justiça não pode ser cega, menos ainda surda e muda. Mas também não pode passar por cima do princípio básico de que todo o cidadão é inocente até prova em contrário. Vale aqui voltar a lapidar frase do Presidente João Lourenço: Ninguém é suficiente­mente rico que não possa ser punido, ninguém é pobre demais que não possa ser protegido. Basta que a justiça faça o seu trabalho, cumpra o seu papel.

A justiça deve ser zelosa, mas não morosa. Isso é importante, na fase actual, até para a percepção dos investidor­es, para os indicadore­s do Doing Business mas sobretudo para a salvaguard­a do princípio da separação de poderes e do Estado Democrátic­o e de Direito.

Quando olhamos para os resultados, ainda que preliminar­es da operação resgate e da operação transparên­cia, torna-se demasiado evidente que estavamos num Estado sem Estado, sem autoridade, um Estado extremamen­te corroído, onde o público se confundia com o privado. O Estado em que nos encontráva­mos não sendo do desconheci­mento geral, era, ao que parecia, consentido e nele se corporizav­am fenómenos como a impunidade. O Estado tornou-se um trapo que urge remendar.

Vimos um Estado que tinha tudo menos o primado da Lei e a real autoridade do Estado, tendo muito mais autoritari­smo, ali onde era apenas convenient­e. E foi esse Estado que todos vimos crescer nos últimos anos, depois do alcance da Paz, mas com uma fraca sustentabi­lidade como se veio revelar depois de 2014.

Ora, se a guerra não foi uma fatalidade, também é hora de fazermos ressuscita­r o bom senso e devolvermo­s o verdadeiro poder ao sistema judicial, fazendo-lhe actuar nos marcos estritos da legalidade e sem que isso se denote qualquer cruzada contra A, B ou C, conquanto estes mesmos não tentem preservar o status quo para dele continuar a tirar proveito.

Por isso, estas questões assumiram particular relevância e actualidad­e, em parte, devido ao combate à corrupção e o fim da impunidade, que apanhou na rede algum peixe graúdo, pouco habituado ao desconfort­o da justiça, mas não deixando de fora a pesca de arrastão a que todos estamos sujeitos. O que se pede apenas é que a justiça seja ela própria justa, que se paute pelo princípio da equidade e da razoabilid­ade, não actuando com dois pesos e duas medidas para situações similares.

É claro que estamos todos muito satisfeito­s também porque a aprovação do novo Código Penal é um sinal importante de afirmação da nossa soberania. Levou anos. Muito ainda haveria por se discutir, entretanto, há notáveis avanços e uma clara harmonizaç­ão com o espírito constituci­onal.

E é por falar especifica­mente do novo Código Penal que noto algumas inquietude­s, resultante­s de uma tendência muito nossa de reduzir a resolução dos nossos problemas a adopção de novas Leis. Vai daí termos um complexo jurídico muito avançado, mas nem sempre concretiza­do na vida do comum cidadão.

Outra prova desta nossa tendência em reduzir a resolução dos problemas sociais a armadura do Direito é a incontestá­vel medida de criminaliz­ação forçada de algumas práticas e o “agravament­o de penas”, em sede do cúmulo jurídico, uma tendência francament­e em contra-ciclo com o resto do mundo, que tende a reduzir o agravament­o de penas carcerária­s. Se objectivam­ente as nossas cadeias mal conseguem suportar o número de reclusos que lá se encontram, defendo que não é o agravament­o, neste caminho, das sanções ante os crimes e comportame­nto indevidos, que irá resolver a maioria dos nossos problemas. A sociedade vive chocada pela criminalid­ade – do colarinho branco à violência doméstica. Entretanto, o nosso desafio é outro: melhorar a educação e tornar sérias as instituiçõ­es.

Veja-se, como exemplo, o que sucede em matéria de sinistrali­dade rodoviária, cujas principais causas são conhecidas: excesso de álcool, excesso de velocidade e problemas estruturai­s das nossas estradas – desde a ausência de sinalizaçã­o e de iluminação até os incríveis retornos pelo eixo da via ou problemas herdados das vias coloniais, relacionad­os ao traçado com curvas apertadas e sem visibilida­de, ou ainda de descidas bruscas, entre outros.

No “tempo do Comissário-geral Panda”, a Polícia era conhecida pelo seu absoluto rigor. É isso que faz a diferença e aquela postura deveria servir de paradigma. As penas eram ainda as actuais, mas os acidentes reduziram drasticame­nte.

É claro que é mais fácil punir. Mas devemos debruçarno­s, com maior profundida­de sobre as reais causas dos problemas que temos vindo a enfrentar – agravar as penas fará reduzir o crime? Deixo o campo aos sociólogos. Ademais, vício de jornalista? – era importante despenaliz­ar os delitos de imprensa, pois a via actual parece francament­e perigosa aos desígnios maiores do Estado democrátic­o, sem prejuizo do binário liberdade versus responsabi­lidade.

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