FMI: o nosso alfaiate do Panamá
Certamente que a maior parte dos leitores já viu o filme americano “O Alfaiate do Panamá” e a situação económica nacional actual remete-nos à alguma analogia cinematográfica, pois em peça, filme real algum um alfaiate foi tão importante, ao ponto de este ter o poder de decidir o que dar a vestir aos seus supostos clientes.
Reconhecemos que estamos em apuros e precisamos emagrecer no que o Estado gasta, precisamos de cortar gorduras para estarmos em melhor forma física para correr mais rápido, ganhar músculo e resistência para aguentarmos a corrida de fundo que é o desenvolvimento económico, pois este sim (ao invés do crescimento económico) é que se mede no caixa das empresas e nos bolsos das famílias.
Além do que foi dito acima, precisamos de emagrecer porque arranjamos um alfaiate habituado a costurar com muito pouco material, que vai fazer roupas mais apertadas para vestirmos, com muito menos tecido e costuras, vai economizar nos botões, fechos, nos rolos de linha e nas horas de mão de obra.
Este mesmo costureiro já fez e faz roupas para muitos outros países, dos últimos que nos lembramos a Grécia, Portugal, Irlanda e Argentina, países de todo diferentes do nosso, com mais desenvolvimento económico, melhores e mais robustos sistemas estatísticos, portanto com melhor previsão e estimação econométrica.
Mas, paradoxalmente, pelo tempo que o nosso alfaiate anda por estas lides, o alfaiate falhou e falhou sempre da mesma maneira, fez roupas extremamente apertadas ao ponto de sufocar a circulação sanguínea daquelas economias que precisavam de elasticidade.
Fez cortes a mais, usou muito pouca linha e fez roupas muito justas, falhou nas previsões e nos tamanhos, porque com aquelas roupas não é possível andar, muito menos correr para o crescimento económico e, como nós, todos aqueles que vestem as roupas deste alfaiate têm noção que existem partes das peças de roupa que precisam de mais tecido para haver margem de manobra.
No caso dos países europeus, as medidas do alfaiate foram mal calculadas e mal executadas, os cortes na despesa orçamental, que o nosso alfaiate prefere chamar ajustamento orçamental, foram excessivos e os efeitos foram previstos de forma errada.
Com a agravante de as medidas contra cíclicas, aquelas que devem compensar a redução brutal da despesa pública, como subsídio de desemprego e outras para ajudar a repor o poder de compra das famílias e das empresas, não terem sido levadas a cabo.
As medidas, além de serem excessivamente recessivas, baseadas no corte quase cego da despesa pública, agravam a situação económica das famílias e das empresas, o que faz com que estes agentes tenham menos rendimentos (porque não é criado nenhum estabilizador, como subsídios de desemprego e outros) e, por consequência, o consumo é reduzido e as empresas vendem menos, o que faz decrescer o Produto Interno Bruto (PIB).
Certamente os mais atentos já entenderam que o costureiro exige que se corte para que as receitas fiscais sejam maiores ou, pelo menos, iguais às despesas, para evitar os défices e assim mais endividamento. Como vimos acima, o alfaiate manda cortar e não incentiva o crescimento, resultado: serão sempre necessárias mais medidas recessivas, mais cortes e mais sofrimento para as famílias e empresas.
Pois, tal como explica o relatório publicado em Junho de 2016, pelo Gabinete de Avaliação Independente do Fundo Monetário Internacional (FMI), são apontadas múltiplas falhas às intervenções na Grécia, na Irlanda e em Portugal. O relatório tem na base o facto de a Comissão Europeia já ter metas do défice em percentagem do PIB e o FMI utilizar metas nominais.
Ao indexar o défice fiscal ao PIB, há uma espécie de pescadinha de rabo na boca, pois como o PIB diminui, o défice em função do PIB aumenta, e são necessárias mais medidas de consolidação, “exacerbando a contracção”. “Esta abordagem é autodestrutiva, tal como é o caso de um cão a perseguir a própria cauda”, refere o relatório.
Claramente, é visível um verdadeiro desalinhamento entre o FMI (o nosso costureiro) e os seus parceiros supranacionais, pois crescimento se consegue com crescimento e nunca com cortes cegos. E se foi uma actuação muito mal conseguida na Europa, em que há investimento privado e o Estado não é o principal comprador e empregador da economia, imaginemos em Angola.
Angola é indubitavelmente um país em que o Estado é o principal comprador do sector privado, o tecido empresarial privado é insipiente e nada competitivo, a carência de infra-estruturas é gritante e só podem ser efectivadas com investimento público. Cortar a despesa pública, de acordo com modelos importados da Europa, sem colocar em andamento os estabilizadores contra cíclicos, é sim suicídio.
A redução da despesa pública já está em curso, as privatizações já são uma realidade, está às portas a redução dos subsídios aos combustíveis, água e energia eléctrica, estas medidas devem ter como estabilizadores/compensadores, dentre várias medidas e com a ajuda do FMI, a disponibilização de linhas de crédito em divisas com juros simpáticos para o empresariado privado, e infalivelmente o FMI deve trabalhar com o Executivo para efectivar o subsídio de desemprego nacional.
Em Angola o alfaiate é bem-vindo, desde que não seja ele próprio a dizer que medidas se deve usar para costurar, porque quem irá vestir as roupas somos nós. Temos de ter a capacidade de dizer ao alfaiate até que ponto não aguentamos mais. Devemos ainda relembrar ao alfaiate que as medidas que ele usou para costurar em Portugal, Irlanda ou Argentina não devem ser iguais às nossas.
Entendemos que temos sim tecido e gorduras a mais, que precisamos ser mais rigorosos e devemos aportar mais qualidade e responsabilidade com a despesa pública, aí sim, o FMI pode ajudar o nosso Executivo. Apenas a nossa proactividade irá garantir que o FMI não cometa os mesmos erros, que infelizmente já são sua marca registada. Assim sendo, temos de ser rápidos e precisos, porque, pelo que observamos, ninguém gosta de ter o FMI instalado na sua garagem por muito tempo.