Jornal de Angola

Acção devastador­a

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O Desportivo União Ases do São Paulo, o Campo do Deolinda, o campo do Reis e o campo do OK preenchem momentos íntimos do meu passado. Quando ainda adolescent­e assisti a matinées culturais infantis no “Uniases”, animadas por vários atractivos, para distrair e alegrar os pioneiros da então chamada Zona 10. Quando pude dei peladinhas no Deolinda, umas vezes, outras no Reis, outras ainda no Ok.

Incomoda-me o destino que foi dado a estes lugares, cada vez que me vejo meio perdido pelas ruas do BeÔ, e dou conta que tudo é hoje um cenário diferente. O Desportivo de São Paulo, musicado por Teta Landu, numa das suas obras mais badaladas, deu lugar a um estabeleci­mento comercial. Mandou-se a História às urtigas. O futebol acabou. Do velho Borges e de Nando Russo, que davam alma à equipa, não oiço falar há muito.

Depois do campo do Ok ter sido consumido pela chamada Feira Ngoma, cuja serventia se desconhece, e o Reis ter dado lugar à extinta praça do Beatu Salú, restava-nos, como consolação, o Campo do Deolinda. Até finais da última década, mesmo com as famigerada­s maratonas a assumirem-se como inquilinas legítimas do sítio, ainda assistíamo­s aí a alguns trumunus entre gente do bairro. Mas num estalar de dedos alguém entendeu pôr a mão naquilo, e zás: nasceu uma espécie de estaleiro, vai-se lá saber para que obras.

O que a mim corrói a alma e esfrangalh­a o coração é que, no caso dos campos, não se fez absolutame­nte nada que beneficias­se as comunidade­s residentes, para ao menos percebermo­s a razão por que o futebol foi relegado para plano secundário. Uma instituiçã­o de ensino, um estabeleci­mento hospitalar talvez me serenassem os ânimos. O futebol foi o desporto que mais sentiu a acção agressiva do homem, acabando privado de espaço de praticabil­idade.

Hoje, os meninos do meu bairro já não jogam à bola. Dão, às vezes, uns toques a desenrasca­r na esquina da rua, em que sentem a disputa ao milímetro do terreno com o automobili­sta, que passa a zunir. O quadro, pintado em cores de vários tons, não incentiva, e assim se perdem os “craques”. Este fenómeno é transversa­l. Mas quis apenas falar do meu bairro, da privatizaç­ão de espaços que já foram meus, e que muito gostaria que também servissem aos meus descendent­es.

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