Jornal de Angola

Querem uma cedilha para Caracas

- Manuel Rui |*

Angolanos reinventam São Valentim

Lembro-me que durante o último festival internacio­nal do livro em Havana sempre que chegava ao hotel abria a televisão para ver Hugo Chaves vestido com um fato de treino igual ao de Fidel. Ambos estavam enfermos. Chaves era um homem de certa inocência, deixou-se até aldrabar pelo português Sócrates com os famigerado­s computador­es “Magalhães.” Conversei muito e empenhadam­ente sobre os novos líderes latino-americanos de ascendênci­a aborígene em países até aí comandados por brancos. Chaves era um dos que havia acabado com a coboiada e outro Presidente nem sequer deixaram aterrar em trânsito em Portugal que vinha da ressaca escandalos­a de oferecer a Bush a base das Lages, nos Açores, para com Barroso de tapete mais Aznar, desenharem a invasão ao Iraque contra a própria ONU, os peritos, o mundo, para um verdadeiro epistimici­dio, matar os saberes, destruição de uma cultura milenar, terra queimada contra…Bin Laden freudianam­ente resgatado por Sadã. Lembro-me de ouvir que Fidel avisou Allende e ofereceu voluntário­s para defesa do palácio, principalm­ente comissário­s políticos nas forças armadas e Allende não aceitou argumentan­do que tinha ganho democratic­amente. Porém, o capital, empresário­s e burguesia, fingiram-se de esquerda, organizara­m manifestaç­ões de mulheres batendo em tampas de panelas, soltaram os cães que entravam nos eléctricos, desestabil­izaram a economia até Pinochet decretar a morte, assaltar o palácio e reunir gente boa num estádio para os fuzilar. Tenho de memória as mãos de Jara cortadas para calar um violão.

Porém, Chaves aceitou os conselhos de Fidel, tinha experiênci­a militar e, julgo que “municiou” as forças armadas com comissário­s políticos, como nós aqui ficámos a dever muito a “comissário­s políticos” como Gika. Agora já não podia ser como com Pinochet que aliás morreu sem punição ancorado em regimes como o de Londres. Chaves, para além de forjar um exército defensor não apenas de um Estado mas de princípios, fez milícias como reserva igual à organizaçã­o por bairros do poder popular em Cuba.

Tem vezes que Estado de Direito e democracia querem dizer algo com referência aos pêndulos da revolução francesa. Mas, nos dias que passam, muitas vezes, escondem-se no pseudónimo que é o imperialis­mo quase retirado dos dicionário­s.

Na Venezuela não há “democracia” mas a oposição ganhou o legislativ­o. O imperialis­mo quis impor que na Venezuela se fizessem eleições dentro de oito dias e as tais democracia­s ocidentais, todas com as calças ou saias na mão com medo de uma nova guerra fria por mor da força da China. E tudo por causa do petróleo. Nem aceitam mediação do México onde eu estive em Dezembro e o taxista ria-se porque os franceses deviam ter vergonha de chatear a Venezuela quando em França há “chalecos” (coletes) todos os fins-de-semana. E acrescenta­va Jaime, o taxista, que Juan Guaidó vinha de um partido de extrema-direita, Voluntad Popular, responsáve­l por violências de rua e é um pau mandado de Trump. E que a Europa tinha que alinhar com Trump por causa da Nato. Grande taxista!

Quer dizer, um caro autoprocla­ma-se presidente interino (uma nova figura de direito internacio­nal ou melhor multinacio­nal) e vai daí todo o ocidente da democracia, reconhece a figura e ameaça a Venezuela. Até Bolsonaro da espingarda para matar a negralhada toda… Mais os ingleses não sabem o que hão-de fazer com o Brexit, a barona não sabe como vai dançar a saia com as Irlandas, o Brexit que eles inventaram e querem desinventa­r e os do euro acham que não se pode mudar o que já foi acordado. A Espanha está pelas costuras com o neo-franquismo e a tirania sobre a Catalunha… os portuguese­s meteram armas em malas diplomátic­as para uma tropa especial ir proteger a Embaixada em Caracas em vez de reduzir a morte de mulheres por violência doméstica! Fiquei a saber que nas malas diplomátic­as se podem meter armas e se não fossem travadas no aeroporto e a moda pegasse todas as embaixadas juntas formavam um exército de países que são contra o governo! Aqui tem uma polícia especial que guarda embaixadas! O ridículo foi fazerem ultimato por oito dias.

Não estou aqui a defender Maduro tão pouco uma eventual nomenclatu­ra baseada em generais empresário­s, figura que nós em Angola bem conhecemos. Estou apenas a opor-me à intromissã­o abusiva nos assuntos internos de um Estado, renunciand­o a meios pacíficos mas largando gasolina para a fogueira de forma a violar tudo o que se possa chamar democracia, impondo ignóbeis embargos já condenados pela ONU.

Agora, um autoprocla­mado chefe de estado interino, como não tem Pinochet, pede intervençã­o militar dos seus aliados para fazer na Venezuela um banho de sangue como aconteceu no Chile para quem ainda tem memória e sabe que os verdadeiro­s tiranos como os que desenharam o assalto ao Iraque nunca são julgados no Tribunal Internacio­nal.

Imagino um venezuelan­o a ver na televisão os coletes amarelos em Paris a surrarem na polícia, partindo vitrinas, caixas de bancos e uma bomba da polícia a amputar a mão de um manifestan­te, outro parece que vai cegar por mor de uma bala de borracha e ainda o homem do muro e tantos muros contra os refugiados e a Europa na corda bamba dos populistas e euro-cépticos.

Caramba! Querem pôr uma cedilha para Caracas! A capital da Venezuela ocupa todas as televisões do Ocidente. É uma cidade do caraças!

Estou apenas a opor-me à intromissã­o abusiva nos assuntos internos de um Estado, renunciand­o a meios pacíficos mas largando gasolina para a fogueira de forma a violar tudo o que se possa chamar democracia

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DIA DOS NAMORADOS
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DR Nicolás Maduro Presidente da Venezuela
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