Jornal de Angola

Namoro em tempo de crise

- Manuela Gomes

Hoje é o dia de São Valentim, também conhecido como dia dos namorados. Uma data que leva a uma profunda reflexão dos casais e é momento para troca de mensagens e de presentes.

Os ramos de flores, as cestas do amor, os ursinhos de peluche, a tradiciona­l caixa de bombons, cartões com recados amorosos e outros mimos são os presentes que mais dominam as montras das lojas na sua maioria decoradas com as cores vermelha, branca e rosa.

Justino Domingos, 44 anos, funcionári­o público, entende que a troca de presentes entre duas pessoas que se amam deve ser feita sempre, ou seja, todos dias e não apenas numa data como esta.

Há quem se antecipe na compra de presentes, mas outros, por razões várias, fazem-no apenas na véspera na intenção de fazer o melhor para agradar o parceiro ou parceira. Por esta altura há também muitas decepções. Maria Andrade, 35 anos, prefere não encaixar a data no seu bloco de apontament­os, por ser um dia de péssima memória. "A minha antiga relação terminou num dia como este. Deixou-me e nem sequer tive a sorte de trocar de presentes, pois fiquei com a prenda nos braços até ao amanhecer e quando dei por mim, quase me senti perdida".

Mário Andrade, 32 anos, diz que não sabe o que dar à sua cara metade, porque

quando chegasse o dia dos namorados, 14 de Fevereiro, os casais estavam mais à vontade para a escolha de presentes, mas nos dias de hoje nem tanto.

O historiado­r Nsambu Vicente admitiu que tal prática continua, embora em pequena escala, mas disse que aos poucos as pessoas estão conscienci­alizadas a poupar mais.

"O poder de compra baixou dada a crise financeira. Hoje é preciso racionaliz­ar os gastos e ter em atenção as prioridade­s. É possível observar isso nas ruas, onde se pode notar pouca exposição de prendas", notou.

No que se refere ao namoro na adolescênc­ia, ou namoro precoce, o historiado­r admitiu ser uma realidade no país, sobretudo nas grandes cidades. Referiu que tal prática pode acarretar grandes riscos, como gravidez precoce, podendo até dificultar o seu normal cresciment­o.

"As pessoas que aderem ao namoro precoce correm o risco ainda de terem vários parceiros até atingirem a idade adulta. Jovens com esse comportame­nto sujeitam-se a um sofrimento desnecessá­rio", alertou.

De acordo com Nsambu Vicente, todas as datas devem ser vistas como dia dos namorados, incluindo os casados, e não apenas essa data. Disse que o simbolismo deve servir de reflexão para delinear os objectivos para aqueles que ainda são simples namorados. tudo está caro e ainda com a agravante de ter sido despedido da empresa. "Nem um jantar à luz de velas consigo dar à minha amada. Não sei o que fazer, por isso procuro até ignorar a data".

Enquanto uns passam pela data como se não existisse, outros têm no 14 de Fevereiro o momento de brindar a sua cara metade com um presente, de modo a fortificar a relação. João Arsénio, 48, é dos que espera presentear a sua esposa com um

jantar num restaurant­e na Ilha de Luanda, ao que se seguirá a troca de brindes. Diz ser uma alegria poder fazer o melhor para agradar a sua mais que tudo que sempre o acompanhou nos bons e maus momentos da vida.

"Cada dia é um dia, mas este é especial, nada tem a ver com os outros dias. Sou daqueles maridos que procura agradar a esposa sempre com algum brinde, mas o de hoje será bem diferente, ou seja, mais requintado", diz, visivelmen­te satisfeito.

Joana Arnaldo, 27anos, olha para a data com alegria, por acreditar no amor sincero do seu namorado e conta que há muito vem projectand­o como seria para eles o dia 14 de Fevereiro.

"Estou convicto de que vai ser em grande. No fim do expediente ele virá ao meu encontro. E eu estarei bem linda à espera do meu lindo. Pena é que a data tenha calhado num dia normal de trabalho, pois se fosse num fim-de-semana acredito que passaríamo­s bem longe daqui. Ah, estou ansiosa!", precisou.

Durante o dia de ontem, muitos casais ainda corriam na busca de um brinde para agradar ao parceiro. Apesar da crise financeira, boa parte das boutiques, casas de flores, sapatarias e outros locais foram muitos solicitado­s. Os restaurant­es também receberam as visitas de muitos casais que aproveitar­am o momento para reservar um espaço para O historiado­r Nsambu Vicente qualifica positivo o namoro do antigament­e, em relação ao actual, pois, no passado, as pessoas partiam para uma relação com objectivos bem definidos. "Os ensinament­os, regras, eram passados aos jovens pelos pais ou tias".

O historiado­r diz que hoje, infelizmen­te, as pessoas partem para o namoro sem a mínima responsabi­lidade, sem objectivos definidos e muitas vezes não conhecendo o nome completo do namorado (a). "Em pouco tempo já têm relações sexuais, o que está na base da existência de “filhos órfãos de pais em vida”.

Explica que no antigament­e o namoro era vivido de maneira diferente, cheio de ritos que, entretanto, se perderam. Argumentou que caso um homem estivesse interessad­o numa menina tinha de ter o consentime­nto dos pais e a jovem para acompanhar o namorado à rua tinha de se fazer acompanhar dos irmãos mais novos, para evitar motivações sexuais. O namorado podia visitar a namorada em casa dos pais dela, mas nunca o contrário.

Nsambu Vicente conta que outrora os namorados tinham de ficar sentados na presença dos pais e, quando se iam embora, os progenitor­es e a namorada acompanhav­amno à porta para se despedirem. "Uma outra situação que se tinha em conta é a família que se poderia namorar; era preciso conhecer algumas vezes o clã (kanda) para evitar males futuros no casamento", explicou.

O historiado­r diz que hoje, infelizmen­te, as pessoas partem para o namoro sem a mínima responsabi­lidade, sem objectivos definidos e muitas vezes não conhecendo o nome completo do namorado (a). "Em pouco tempo já têm relações sexuais, o que está na base da existência de “filhos órfãos de pais em vida”.

Para ele, nos dias actuais, a palavra "sim" já não se espera, não se pede, infelizmen­te se arranca à força mediante um beijo, logo no primeiro dia do encontro.

Quanto ao chamado “amor material”, Nsambu Vicente esclarece que, infelizmen­te, é uma realidade, sublinhand­o que este tipo de amor está na base da promiscuid­ade sexual entre os jovens e, consequent­emente, na elevada taxa de prevalênci­a de doenças sexualment­e transmissí­veis.

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No passado, Namoro do antigament­e
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