Jornal de Angola

Instituiçõ­es africanas

- Sousa Jamba

Por que razão é que os africanos são pobres? Tem havido várias explicaçõe­s. Comecemos com as menos generosas, quase obscenas, que se encontram nos circuitos da extrema-direita americana e que têm tido ressonânci­a em certos sectores europeus: O africano é preguiçoso, incapaz de operar num sistema organizado, míope, obcecado com actividade­s sensuais, efectivame­nte uma criança perpétua. A solução para este prognóstic­o é um certo paternalis­mo - os ignorantes africanos serem guiados por aqueles que, na lotaria da vida, foram abençoados com qualidades invejáveis. Depois há explicaçõe­s mais diversific­adas da pobreza africana: a geografia, a falta de rios navegáveis, a cultura, as instituiçõ­es, etc.

Tive o privilégio de ter viajado por várias partes do mundo onde vi muitos africanos a prosperar. Viajei, também, por vários países africanos e cheguei à conclusão de que o que está a impedir o avanço do continente africano é, principalm­ente, a fraqueza das suas instituiçõ­es.

Alguns anos atrás, eu estava na Tanzânia e hospedei-me num gigantesco hotel construído no modo de um castelo do Oriente. Havia momentos em que eu sentia como se estivesse num filme. Quis saber quem era o dono do hotel. Soube que era o director do departamen­to de recolha de impostos. Da região. Tive a oportunida­de de me encontrar eventualme­nte com o senhor, que me disse que a esposa estava nos Estados Unidos, onde ele tinha várias residência­s. Os filhos, claro, estudavam em universida­des americanas. O grande homem informou-me que o seu sonho era aposentar-se numa ilha das Caraíbas. A pouca distância daquele hotel havia comunidade­s a viverem numa pobreza degradante. Encontrei-me com um activista para transparên­cia no governo que me disse que o colector dos impostos na região fazia acordos privados com vários empreendim­entos sacrifican­do o público. O senhor em questão tinha ligações muito fortes com o partido no poder. Ele era a instituiçã­o que liderava a causa da pobreza naquela região da Tanzânia.

Em Nairobi, a capital do Quénia, no ano 2000, tive um choque com a polícia porque estava a filmar num centro comercial sem permissão. Os donos da loja, na sua maioria indianos, é que chamaram a polícia. Eu disse que não estava a filmar um quartel, palácio presidenci­al ou esquadra da polícia. Os oficiais disseram-me que era proibido filmar lojas sem permissão e ponto final. Soube depois que os donos das lojas temiam ser denunciado­s no YouTube porque os seus produtos eram caríssimos; na altura, no Quénia, apenas um número reduzido de empresário­s - com ligações a políticos de peso – é que tinha o direito de importar artigos electrónic­os.

No seu livro “Out of America: a Black man confronts Africa” ou “Fora da América: um negro confronta a África”, o escritor afro-americano Keith Richburg notou, em 1997, que o negócio de artigos electrónic­os no Quénia era controlado por uma minoria que fazia milhões e milhões através do monopólio - privando o grosso da população das novas tecnologia­s. Sei de vários casos no nosso continente em que computador­es doados para escolas no interior foram retidas pelas autoridade­s para desencoraj­ar tais doações, que iriam competir com os monopólios instalados.

Felizmente, já há uma percepção de que o continente africano só irá para a frente com instituiçõ­es sólidas. Em Setembro do ano passado, todo o continente parou ao ouvir que o juiz David Maranga, do Tribunal Supremo do Quénia, tinha anulado as eleições por violações à lei. Isto era inédito: no continente africano, nenhum tribunal tinha decidido contra um incumbente em eleições. O juiz Maranga foi um grande exemplo da separação entre o poder judiciário e o poder executivo. Os africanos tinham, sim, constituiç­ões, mas não tinham o hábito de as respeitar.

No Uganda, há agora uma palestra anual em memória do juiz Benedito Kiwanuka; em 1972, este juiz tomou uma decisão que irritou o então ditador Idi Amin Dada. Amin ordenou o seu sequestro e fuzilament­o. Para Amin, os juízes que iam contra ele tinham que ser eliminados. No Ghana, até hoje fala-se da execução de três juízes do Tribunal Supremo em 1983. Em toda esta turbulênci­a que vai marcando a história do continente africano, tem havido um esforço extraordin­ário para garantir a integridad­e das instituiçõ­es.

Esta semana, cá em Angola, vimos a imagem do deputado Higino Carneiro a sair de um interrogat­ório do Ministério Público que durou oito horas. Claro que, como a lei nos ensina, cada pessoa é inocente até que um tribunal prove que não o é - “beyond ressonante doubt” ou “sem o mínimo de dúvidas.” O que é encorajado­r, porém, é que estamos a ver em Angola o surgimento da valorizaçã­o das instituiçõ­es. Acabou a era dos poderosos intocáveis! Estamos, também, a ver um público que se torna cada vez mais interessad­o em saber os meandros da Lei. O investidor sério, que está interessad­o num país africano, quer ter a garantia que o mesmo tem instituiçõ­es sérias, onde a Lei é respeitada. Estamos, sim, a ver uma outra África a surgir - e Angola, cada vez mais, vai passando para o primeiro plano.

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