Jornal de Angola

O MPLA perante si próprio

- Faustino Henrique

Na década de oitenta, dizia-se que era do MPLA não quem quisesse, mas quem merecesse, uma filosofia de filiação e militância que acabou por “elitizar” um partido essencialm­ente de massas e que levou aos poucos “merecedore­s” a experiment­ar a sensação de estarem acima dos outros. Deu, para muitos, o sentimento de intocabili­dade cujos resquícios levaram a alguns círculos, dentro e à volta do MPLA, a pretender que aquela realidade se eternizass­e.

O MPLA, sobretudo nos últimos tempos em que os indicadore­s negativos colocam Angola no topo dos índices menos bons, condiciono­u muito o curso dos acontecime­ntos ao ponto de se criar a ideia de que reformas sérias seriam impensávei­s sob a liderança do mesmo partido, que conduz agora esse processo. Como desafio imediato, o MPLA está, mais uma vez diante de si mesmo, para corrigir o que fez mal, melhorar o que está bem e seguir em frente, ante uma oposição que precisa de se reinventar para aparecer, pelo menos nesta fase.

Passou a ganhar força a ideia de que apenas uma formação política nova, aqui no sentido das “mãos limpas” em matéria dos indicadore­s que a todos nos envergonha­m, nomeadamen­te a corrupção, o nepotismo, o clientelis­mo e o abuso de poder, iria mudar o curso dos acontecime­ntos. E que se podia esperar pouco do MPLA, mesmo com a sucessão ao nível da liderança do partido, realidade que o tempo está a provar, ainda que ligeiramen­te, como falsa na medida em que o Executivo liderado por João Lourenço dá amostras claras de ruptura com um passado recente.

No discurso que proferiu, na abertura da 6ª sessão ordinária do Comité Central do partido, realizada em Luanda, no dia 30 de Novembro de 2018, João Lourenço defendeu uma ruptura completa com um conjunto de actos e procedimen­tos que, vendo bem, mancharam gravemente a imagem e credibilid­ade do MPLA. “Há comportame­ntos e atitudes que urge corrigir, porque colocam em causa o bom-nome do Partido. Militantes há que, a coberto do nome do Partido ou da sua condição de dirigentes, lesam gravemente o interesse público, cometem desmandos, arbitrarie­dades e abuso de poder, em detrimento de pacatos cidadãos”, disse o líder do MPLA, formação política que se encontra numa fase crucial da sua História, a julgar pelas incidência­s do combate contra a corrupção. Esse combate, que continua a motivar cépticos e duvidosos, por visar essencialm­ente figuras ligadas ao MPLA, pode merecer todas as críticas, excepto as ligadas à necessidad­e da sua efectivaçã­o.

Parece suceder a calhar, positivame­nte, a actual cruzada contra a corrupção que envolve figuras ligadas ao partido no poder depois das eleições de 2017, primeiro porque permite provar de que não foi necessário uma nova formação política ou um líder distinto do “partido da situação”, segundo porque nem sempre o que é novo rompe necessaria­mente com o estado de coisas anterior, quer por desconhece­r muita coisa e quer pela eventualid­ade de vir a corromper-se também. E em terceiro lugar, positivame­nte, para que as acusações de perseguiçã­o judicial selectiva e política, que sucede mesmo assim, não tenham expressão suficiente que abale a paz e a estabilida­de política.

Não se pretende dizer que a oposição não fosse capaz de fazer um trabalho semelhante ou melhor do que o Executivo do Presidente João Lourenço, mas, apenas avaliar o que é factual que até agora está sendo feito, com a materializ­ação de um conjunto de iniciativa­s políticas e judiciais encorajado­ras.

É verdade que ainda é cedo para uma avaliação de todo este processo anti-corrupção, mas a inversão de marcha para com os casos descarados de desvios de fundos públicos e a forma como estão agora a ser encarados pela governação, não pode ser minimizada porque não tem precedente­s.

Poucos acreditava­m na possibilid­ade do próprio MPLA contribuir para combater o que a formação política no poder ajudou a criar, defendendo radicalmen­te que apenas um outro partido seria capaz. Além do tempo estar a provar o contrário, ainda que em termos relativos, é real e tangível a ideia de que a estabilida­de política está melhor servida com o MPLA a “limpar” a sujidade que o mesmo andou a criar, manter e tolerar. Por isso, o MPLA encontra-se perante si mesmo, sendo importante que não perca o curso e o foco da batalha que se propõe enfrentar e vencer, independen­temente de reclamaçõe­s e acusações quanto aos procedimen­tos.

É verdade que nesta cruzada contra a corrupção que, como era de esperar, afecta mais personalid­ades ligadas a si, o MPLA poderá sair beliscado, a julgar por eventuais jogos baixos de figuras visadas pela Justiça que, em acto de desespero, venham fazer revelações compromete­doras.

Mas esse é um dos preços que o partido deve assumir e pagar, numa altura em que, independen­temente dos passos dados, muitos continuam a fazer o papel de São Tomé, naturalmen­te, para ver até aonde vai dar toda essa procissão anti-corrupção, que vai adro adentro com alguma velocidade.

A incoerênci­a e a falsa solidaried­ade que muitos círculos tendem a demonstrar à figuras até agora visadas, directa e indirectam­ente, quando antes até chegavam a diabolizá-las, representa o cúmulo da contradiçã­o, mas o MPLA precisa de seguir em frente.

Para a defesa da sua imagem e credibilid­ade, o MPLA não tem alternativ­a senão demarcar-se de pessoas que, a coberto do nome do Partido ou da sua condição de dirigentes, prejudicam a formação política no poder e todo país.

Na referida intervençã­o, o presidente do partido e Chefe de Estado fez uma espécie de mea culpa ao assumir que nem sempre o partido procedeu da maneira mais recomendáv­el e ao defender que “o partido, pelas responsabi­lidades que tem, pela necessidad­e de partirem de si os bons exemplos para a sociedade, deve desempenha­r, também, esse papel dissuasor, de freio aos eventuais apetites dos gestores dos recursos do Estado”.

Nesta fase, em vez de se perder tempo com críticas pela metodologi­a e procedimen­tos de combate contra a corrupção, atendendo ao facto de ser uma novidade, seria recomendáv­el que toda a sociedade ajudasse o partido no poder, que se encontra perante si próprio nesta fase decisiva do processo de transição política e económica do país.

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