Há um recorde do Mundo que dura há 28 anos
O cubano Juan Miguel Echevarría, de 20 anos, beneficiou do vento para ficar a três centímetros da histórica marca de Mike Powell. O recordista português Carlos Calado e o seu antigo treinador Miguel Lucas acreditam que pode estar aqui um fora de série e a
Os recordes existem para ser batidos. Uma máxima muitas vezes usada no desporto, mas que, no atletismo, caiu em desuso. E um dos grandes exemplos é a melhor marca de sempre no salto em comprimento que dura desde 1991. O norte-americano Mike Powell foi o autor da proeza, ao voar na extensão de 8,95 metros, em Tóquio, deitando abaixo a marca do mítico Bob Beamon (8,90 m), alcançada 23 anos antes e que nos dias de hoje ainda é o segundo melhor registo da história desta disciplina.
Agora, 28 anos depois da proeza de Powell, um raio de luz surgiu na história do salto em comprimento. O cubano Juan Miguel Echevarría conseguiu atingir os 8,92 metros, há duas semanas, numa prova em Havana, marca supersónica que, no entanto, não foi contabilizada como a segunda melhor de sempre, por ter sido obtida com o vento a favor (3,3 metros por segundo).
“Foi um salto muito facilitado pelo vento, quer no salto em si, quer na chamada, mas é uma referência que é preciso ter em conta”, disse ao DN Carlos Calado, medalha de bronze nos Mundiais de 2001, em Edmonton, e recordista português com 8,36 metros.
Echevarría, cubano com raízes bascas, tem apenas 20 anos e entrou para a história do salto em comprimento há um ano, em Birmingham (Inglaterra), quando conquistou a medalha de ouro nos Mundiais de pista coberta. Três meses depois, atingia os 8,68 metros ao ar livre, no meeting de Bad Langensalza, na Alemanha, naquela que foi a terceira melhor marca registada neste século com o vento regulamentar.
“Neste momento, Echevarría é, pelo que já mostrou, o atleta que talvez nos dê mais garantias de que pode chegar ao recorde do mundo”, assume Miguel Lucas, treinador de saltos que orientou Carlos Calado, o melhor português de sempre nesta disciplina.
“É um atleta com grandes índices de velocidade e muito bom em termos técnicos. Fez 8,92 metros, não regulamentares, mas, por ter sido numa prova em Cuba, deixa algumas reservas. Se fizer esta marca nos Estados Unidos ou na Europa, irá torná-lo um grande candidato a bater o recorde de Mike Powell”, reforçou Miguel Lucas.
Carlos Calado mostrase, por seu lado, esperançado em que Echevarría possa tornar-se “uma espécie de catalisador dos outros atletas”, pois considera que “sempre que, alguém se destaca, os outros estão obrigados a ir atrás para o tentar superar”.
“Foras de série” ou doping?
Mas, afinal, por que razão o recorde do mundo do salto em comprimento resiste há 28 anos? Carlos Calado está convencido de que a explicação está na “crise de talentos”, defendendo que “não há muita consistência” nos resultados dos atletas nesta disciplina.
“No meu tempo, há cerca de 20 anos, para se chegar a uma final era preciso saltar 8,15 metros, mas actualmente isso não é necessário e, como tal, perdeu-se essa competitividade”, frisa o recordista português, de 43 anos, lamentando que “tenham aparecido poucos atletas fora de série”.
Miguel Lucas faz um diagnóstico diferente. “Mike Powell bateu o recorde do mundo em Tóquio, foi numa pista muito rápida...
Entretanto, soubemos que durante alguns anos foram detectados atletas com doping...”. Lembra que, actualmente, os controlos do uso de substâncias proibidas “estão cada vez mais apertados”.
“Não podemos dizer que esses resultados foram obtidos ilegalmente... houve dois foras de série nesta disciplina, Mike Powell e Carl Lewis. Talvez depois deles tenha faltado atletas de grande nível”, acrescenta.
Com algumas cautelas em relação a um tema muito sensível como é o doping, o treinador diz que “obviamente não houve um decréscimo do conhecimento
do treino e, neste espaço temporal, não se pode dizer que o corpo humano ficou mais fraco”. E a realidade mostra que neste século apenas o americano Dwight Phillips (2009) e o panamenho Irving Saladino (2008) superaram a barreira dos 8,70 metros, numa altura em que o passaporte biológico dos atletas ainda estava numa fase embrionária, uma vez que só foi adoptado pela Agência Mundial Anti-doping (WADA) em 2009 e implementado pela Federação Internacional de Atletismo (IAAF) em 2011.
“O que se passa é que, nesta altura, não há tecnologia ou metodologia capazes de fugir aos controlos. Veja-se o exemplo da interdição dos atletas da Rússia. A questão é que, sem aquelas ajudas, passou a ser necessário diminuir a intensidade do treino, pois o corpo não é capaz de se regenerar tão rapidamente quanto o desejável”, acrescenta Miguel Lucas, fazendo no entanto uma ressalva: “isto são apenas suposições. Mas certo é que, em termos estatísticos, há mais de 20 anos que não há novos recordes em várias disciplinas do atletismo. Nem têm aparecido resultados que se aproximam e até já se ganharam Jogos Olímpicos com marcas de 8,30 metros no comprimento.”