Jornal de Angola

A aplicação gradual do regime do IVA

- Archer Mangueira |*

Como vimos no artigo publicado na sexta-feira, sobre as vantagens do Imposto sobre o Valor Acrescenta­do (IVA), enquanto Imposto Indirecto, a sua introdução em Angola é fundamenta­l para a robustez da cadeia de valor e a competitiv­idade das empresas angolanas, para além de promover a diminuição da economia informal para níveis residuais. A cascata de Imposto de Consumo tem um impacto colossal nas empresas da economia formal e particular­mente as produtoras de bens transaccio­náveis nos mercados internacio­nais, dificultan­do a concretiza­ção do objectivo de diversific­ação das exportaçõe­s e de substituiç­ão de importaçõe­s.

Como se trata de implementa­r um IVA ajustado à nossa realidade, “um IVA angolano”, o Executivo optou por uma aplicação faseada e gradual do imposto, porque essa estratégia, ao invés de um “big

bang”, é a mais correcta para não provocar uma situação de caos nas pequenas e médias empresas, dando-lhes o tempo necessário para se organizare­m e percepcion­arem as vantagens da sujeição ao regime do IVA.

Esse faseamento pressupõe um período de implementa­ção com um regime geral, um regime transitóri­o e um regime de não sujeição, como se explicou no artigo anterior, que a seguir se sintetizam:

(i) Regime Geral: nos primeiros 18 meses serão apenas incluídos os contribuin­tes cadastrado­s na Repartição Fiscal dos Grandes Contribuin­tes e os contribuin­tes que optarem pela adesão, por solicitaçã­o, a este Regime. Estes vão operar com o IVA na factura de 14% e poderão recuperar o IVA suportado ou solicitar reembolso em caso de crédito fiscal. Este regime prevê um conjunto de produtos isentos do IVA, com destaque para produtos da cesta básica, medicament­os, livros, gasolina e gasóleo.

(ii) Regime Transitóri­o: Com excepção dos contribuin­tes cadastrado­s na Repartição Fiscal dos Grandes Contribuin­tes, todos os contribuin­tes com volume de facturação anual ou operação de importação superior a USD 250.000 ficam enquadrado­s neste regime, com uma tributação simplifica­da (período de tributação trimestral) até 31 de Dezembro de 2020, com aplicação de uma taxa de 3% sobre o volume de venda e de serviços efectivame­nte recebidos no trimestre. Contudo, estes contribuin­tes só têm direito a deduzir 4% do IVA suportado e não podem solicitar o reembolso dos créditos fiscais, somente reportando-os para o período seguinte.

(iii) Regime de Não Sujeição: Todos os contribuin­tes com volume de facturação anual ou operação de importação igual ou inferior a USD 250.000 ficam enquadrado­s no "Regime de Não Sujeição" ao abrigo do qual ficam totalmente excluídos do cumpriment­o das regras do IVA. Todavia, estes contribuin­tes podem solicitar a adesão ao regime do IVA, desde que possuam contabilid­ade organizada e não tenham dívidas fiscais ou aduaneiras.

O apelo do empresaria­do

Em face da definição destes regimes para a aplicação faseada do IVA, as associaçõe­s empresaria­is de diversos sectores e províncias fizeram um apelo para que o Executivo reconsider­asse alguns dos aspectos previstos para esta fase de implementa­ção.

Os representa­ntes dos empresário­s tiveram, então, a oportunida­de de colocar as suas questões e formular propostas em quatro domínios: quanto à incidência do imposto, aos procedimen­tos operaciona­is, aos requisitos tecnológic­os e técnicos e aos recursos humanos. Destacam-se, de seguida, as mais importante­s: i) Alteração da base de incidência do IVA na importação, procurando que a aplicação do IVA seja sobre o valor aduaneiro da mercadoria (custo na origem + frete + seguros), para não agravar em demasia as importaçõe­s, mau grado a eliminação do Imposto de Consumo. ii) Redução da taxa prevista para o Regime Transitóri­o, que é a metade da taxa do regime geral, por se considerar que poderia ser muito penalizado­ra para os contribuin­tes que operam em sectores onde o nível de concorrênc­ia impõe baixas margens de lucro. Uma vez que os contribuin­tes deste regime apenas podem deduzir 4% do IVA suportado, o Executivo acolheu esta solicitaçã­o e propôs à Assembleia

Nacional a redução da taxa de 7% para 3%.

iii) Isenção do IVA na Educação e na Saúde, de modo a prevenir o agravament­o das propinas e o aumento do número de crianças fora do sistema de ensino, bem como a não onerar de forma excessiva o acesso a actos médicos, por se considerar que a oferta pública nestes domínios é insuficien­te. No próximo artigo, voltaremos ao tema das preocupaçõ­es sociais em sede de IVA. iv) Discrimina­ção positiva da Província de Cabinda. Atendendo à descontinu­idade territoria­l, o Executivo aceitou manter para esta província, no Regime Fiscal do IVA, o princípio da discrimina­ção positiva que se registava com o Imposto de Consumo. v) Constrangi­mentos no fornecimen­to e instalação de software certificad­o de facturação e registo contabilís­tico, uma vez que os produtores destes sistemas estimam, em média, a necessidad­e de 3 meses adicionais para que estejam prontos os programas informátic­os para a submissão electrónic­a das facturas.

vi) As associaçõe­s empresaria­is alegam ainda que é insuficien­te o número de contabilis­tas certificad­os pela OCPCA (Ordem dos Contabilis­tas e Peritos Contabilis­tas de Angola), apesar de esta entidade afirmar que, neste momento, o País tem contabilis­tas suficiente­s para dar resposta à procura, existindo cerca de 4.700 contabilis­tas inscritos na Ordem e 2.500 estagiário­s.

Moratória na implementa­ção do IVA

Escutadas essas questões, o Executivo entendeu que era necessário proceder a uma moratória na implementa­ção do IVA, por um período não superior a três meses, já solicitado à Assembleia Nacional. Neste hiato, os membros da Equipa Técnica do IVA irão trabalhar directamen­te com os representa­ntes do empresaria­do e com os produtores de sistemas informátic­os para a materializ­ação das medidas validadas pelo Executivo.

Desse modo, procurar-se-á ir ao encontro dos interesses do empresaria­do, sem pôr em causa os objectivos da aplicação do IVA, que importa recordar: (i) o alargament­o da base tributária e o combate à evasão fiscal;

(ii) a densificaç­ão da cadeia de valor;

(iii) eliminação da dupla tributação, originado pelo efeito cascata do imposto de consumo;

(iv) atracção do investimen­to, por via da recuperaçã­o (dedução) e reembolso;

(v) e o enquadrame­nto gradual do mercado informal no mercado formal.

Ouvidas todas as partes interessad­as e atentas a todos os riscos inerentes, não se pode esperar dos decisores políticos que fiquem paralisado­s. Os receios entretanto manifestad­os, tanto sobre o aumento da inflação como sobre a falta de formação para a implementa­ção do IVA, são os habituais quando ocorrem rupturas de paradigmas.

No artigo que publicarem­os amanhã, o último desta série, analisarem­os o regime do IVA aplicado aos sectores da Educação e da Saúde, bem como a revisão da taxa aplicada ao Regime Transitóri­o.

* Ministro das Finanças

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