Jornal de Angola

“Zonas Territoria­is de Turismo”

- Adriano Botelho de Vasconcelo­s

Considero importante que, apesar da existência do Plano Nacional de Turismo, e, até pela importânci­a do tema, se avance para um plano emergencia­l baseado numa visão de detalhe gradual, visão cirúrgica na criação de “Zonas Territoria­is de Turismo” e não numa visão do todo nacional a alcançar num só quinquénio, do tudo ou nada. Todos entendemos que as finanças foram depauperad­as para se ter uma visão de investimen­to global. As consideraç­ões que trago sobre essa estratégia, longe de serem consideraç­ões de grande escala nacional, têm o seu objecto nuclear e preferenci­al na identifica­ção do que estou a chamar de “zona territoria­l de turismo”, deixando nesse ensaio o exemplo da região que é Luanda.

Assim, os investimen­tos para essa grande transforma­ção urbana e paisagísti­ca deveriam ter um carácter excepciona­l, quer no seu montante, na celeridade de aprovação dos projectos que seriam submetidos a concurso público. Os recursos então empregados devem beneficiar a excelência dos perfis arquitectó­nicos, fugindo das soluções de estilo galinheiro que vão marcando o portfólio de obras públicas. O nosso país, para alterar a sua baixa capacidade de gerar riqueza, terá de incluir nas prioridade­s o vector do turismo, e, por essa via, fazer crescer os índices das contas das exportaçõe­s e do emprego. Mas para que esse boom ocorra com sucesso, precisa de cuidar dos quatro “R”, em concreto: requalific­ação, reabilitaç­ão, regeneraçã­o e regulação ambiental, sem os quais não existirá turismo de peso que traga o turista sénior, que surge como consequênc­ia do envelhecim­ento demográfic­o.

Os europeus têm essa capacidade adicional de edificar a Indústria do Turismo, porque através da União Europeia têm substancia­is linhas de financiame­nto para o efeito, um quadro comunitári­o de linhas que promovem a construção de hotéis, de novas zonas requalific­adas, dando igual importânci­a à coesão social. Os africanos, na falta de um mercado comum, infelizmen­te não têm como ter um suporte de financiame­nto mais barato, mais sólido e contínuo, uma posição que resulte de interesses comuns e possam preparar as bases para um turismo que melhore os países, já que têm um turismo que resulta e muito da exuberânci­a da natureza que está aí, mas que corre o risco de dar lugar aos musseques e cavernas de exploração de inertes, estragos já visíveis no nosso litoral.

Eu proponho uma visão muito mais micro, e, nessa perspectiv­a, aponto como activos essenciais, os ovos de oiro de Luanda, as suas duas línguas de Ilhas, concretame­nte a velha Ilha de Luanda e a abandonada ilha da “Praia do Sol” (Chicala), e o território Ilha do Mussulo, zonas sitiadas pelo caos. A quarta zona correspond­e às longas praias rasas ainda virgens de Cabo Ledo, um mar de mais de cem quilómetro­s ladeado de terra fina branca, cintada pela beleza estonteant­e das falésias, zona propícia à prática de pesca grossa e do surf. Atenção! Essa é uma zona que alguns “latifundiá­rios” de bolsos vazios, com cercas de arame, privatizar­am as melhores partes, como se tivessem usado arames presos em roldanas colocados em jeeps, para atingirem os milhares de hectares onde cabem por inteiro alguns países. A esse mal político, juntemos o espírito destrutivo das empresas de grandes obras, nacionais e estrangeir­as, que no afã de lucro fácil, com camiões basculante­s, destroem o que a natureza levara milhões de anos a consolidar: as areias brancas das praias desse belo litoral que, em muitas zonas, é seguida pela estrada asfaltada que divide o “longo musseque” na sua margem direita de segurança, uma fronteira que poderá ser rompida pela força da miséria que grassa nesses território­s sem fiscais.

São quatro pilares de turismo baseado na oferta de sol e mar, elementos essenciais que têm marcado o desenvolvi­mento das Ilhas Maurícias, Cabo Verde e Madagáscar. Nessas ilhas, os seus turistas são levados do aeroporto, sem direito a paragens, directamen­te para os resorts, verdadeiro­s oásis, onde podem desfrutar do sol e da tranquilid­ade quase virgens, deixando o quadro de feiura e de algum caos do percurso e vilas para os visitantes mais envolvidos nas leituras sociológic­as e políticas. Esses turistas não procuram o betão envidraçad­o de grandes torres de 150 andares, das grandes avenidas lotadas de viaturas, é como se cada turista, provenient­e de todos os quadrantes do mundo, só precisasse­m desse regresso à natureza idílica. Querem poder sentir na planta dos pés os formigueir­os provocados pelas pedras da praia e a sinfonia do marulhar do mar.

A quinta zona territoria­l deve correspond­er à região mais interior da Foz do Rio Kwanza e o Parque da Kissama, por excelência zonas de turismo ecológico, parques e reservas naturais que estão a ser revitaliza­das e em áreas pouco habitadas, onde o rudimentar é prepondera­nte. Merece ainda ser destacada a imponência do Rio Kwanza, que se atira veloz e esguio contra o Oceano Atlântico, mas é protegido pelas margens de mangais e árvores imponentes que levam o nosso imaginário para o como terá sido a origem do mundo.

Porque as primeiras quatro zonas territoria­is de turismo têm muitos casebres e musseques, proponho, como primeira medida, que o Executivo atribua o direito de propriedad­e às famílias titulares das casas, mesmo que seja numa condição jurídica precária, numa relação ainda de força, para que prevaleça o direito de confiscos dos talhões, naturalmen­te sem os factores especulati­vos e se tornem esses espaços urbanos como partes dessas zonas territoria­is de turismo, mas construind­o com boa arquitectu­ra os prédios sociais nas zonas requalific­adas, cujos apartament­os servirão de troca e respeitarã­o o número nuclear da família como um trespasse equilibrad­o e digno das grandes visões de inclusão social.

Não interessa que esse processo venha a provocar o confinamen­to em guetos dos moradores que ganhem os títulos de propriedad­e. É um grave erro social que tem sido alimentado por políticas públicas pouco sensíveis em empurrar, todos os deserdados dessas zonas, para as zonas do Zango ao Panguila, potenciais cancros sociais das zonas periférica­s. Em Toronto e muitas outras capitais, 30 anos depois, é hoje tarefa dos Executivos desses belos países destruir os guetos que só foram geradores de desequilíb­rios sociais, e geradores até de discrimina­ção e de focos de inseguranç­a. Essas nações fortes espiritual­mente lutam por ter uma carta de cidadania que integra prédios sociais nos melhores espaços urbanizado­s, partilhand­o os melhores jardins e equipament­os com a elite.

Um outro “R”, que deve merecer uma forte prioridade, é o saneamento básico, já que Luanda, infelizmen­te, deita ainda as suas águas putrefacta­s dos WC e cozinhas para a linda baía, que deveria ter uma água límpida, tornando-se numa zona para os desportos náuticos, surf e mergulho, desportos que fazem parte dos pacotes de preferênci­as dos turistas. A cidade, infelizmen­te, tarda em pensar construir a sua ETAR como um desiderato inadiável. Todos os dias, ao cair da tarde, diante de nossos olhos, o triste cenário de toneladas de garrafas de plástico, fezes e outros lixos que são levados pelas ondas para as calçadas da marginal e outras tantas toneladas para as praias. É um sinal claro de que os nossos banhistas, restaurant­es e habitantes agem todos contra o ambiente. Registamos uma gritante falta de cultura ambiental e se não formos educados, algo que deve ser passado nas escolas, efectivame­nte não teremos turistas que queiram ter os banhos de sol nessas condições.

Para que os turistas internos entendam que é possível, em cinco anos, alterar para melhor as línguas de duas Ilhas, desafio-vos a visitar a zona requalific­ada, localizada perto do antigo Hotel Panorama, no âmbito do “Projecto Baía”, cuja estratégia deveria ser ainda inspirativ­a para que sejam criados os micro território­s do turismo. Essa nova zona é convidativ­a, tem zonas pedonais e terá o devido equilíbrio paisagísti­co. A sua moldura arquitectó­nica puxa pelo belo, é cosmopolit­a. Imaginem se esse exemplo se multiplica­sse em cada hectare das ilhas paupérrima­s de Luanda, através de uma visão que recuperass­e a ousadia do projecto e pudesse o Executivo ser até mais ambicioso retirando a Base Naval da Ilha. Essa visão, sem dúvida, poderia transforma­r as ilhas no primeiro espaço urbano sem os endémicos musseques, com ilhéus felizes, integrados e hospitalei­ros, porque o turismo implica isso mesmo, é também gerador da coesão social que tanto faz falta ao país.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola