“Já no esta el Comandante”
“Já no esta com nosostros el comandante, lo demas sigue igual”.
Aeroporto José Marti, cinco horas da manhã de um sábado igual a muitos. Expelido pela derradeira bruma da madrugada, um bafo de ar quente vem anunciar aos visitantes que nesta altura do ano faz muito calor na maior ilha do Caribe, a pátria de nuestros hermanos, os cubanos. Também chamam a Cuba a “pérola das
antilhas”, um conjunto de ilhas espalhadas pelo Oceano Atlântico na parte mediana do continente americano. Aqui era o mar preferido de temíveis corsários e piratas, cujas caravelas drapejavam nas vigias a bandeira preta com a caveira e duas tíbias sobrepostas para espalhar o terror puro. Acoitavamse nas inúmeras enseadas ilhenhas esperando as suas presas que eram navios cargueiros. Alvejavam-nos a tiros de canhão e depois faziam a abordagem de espadas em riste, apossando-se das preciosas mercadorias.
Cuba é um país brindado pela natureza com uma beleza sem igual, no entanto vive numa crise económica e social permanente. Acredita-se que, unicamente com os proventos da indústria do turismo, poderia ser um dos países mais prósperos da região. Mas isso não acontece porque Cuba tem ao Norte um vizinho poderoso que se arroga ter de ser ele a decidir os destinos da pequena ilha. Desde 1959 que chove sobre molhado, porque de seu lado os cubanos teimam em ser donos do seu próprio destino. A História registou invasões militares como a de “Playa Giron” e umas tantas dezenas de atentados contra Fidel, “el comandante de la revolucion”. Nada conseguiram até ao presente. Fidel morreu aos 90 anos e seus despojos repousam solenemente na fenda de uma rocha em Santiago de Cuba, na ponta Leste da Ilha, justamente um dos berços da revolução dos barbudos, em 1959, após terem desembarcado da lancha “Gramma”, oriundos do México. Entre os homens comandados por Fidel estava Ernesto, um jovem médico argentino, imortalizado mais tarde como comandante “Che Guevara”.
Deambulando por Havana tudo para mim se revela aparentemente igual à cidade que, faz quatro anos, deixei pela última vez. Em Havana velha, busco a secular catedral submergida num manto de telhas, tal como foi cantada pelos poetas e sonhadores cubanos. No emblemático “malecon” as ondas do mar do Caribe embatem nas rochas e no concreto da amurada e se desfazem em rendilhado de espuma branca.
Do outro lado da cidade, com um ar sorumbático e um par de passageiros a bordo, entre a Sétima Avenida e o Hotel Panorama, estará certamente Ramon, tripulando com competência o seu “Lada” vermelho, herança de uma vida de combatente internacionalista, por devoção à causa da revolução. No seu rosto embigodado estão as marcas de outros tempos e de outras lutas em distantes geografias alcançadas pela mesma ideologia proletária, desde Mengistu Hailé Marian, na Etiópia, a Agostinho Neto, em Angola. Ramon esteve nos dois países hermanos.
Quem segue igual também é o poderoso vizinho do Norte, os EUA, com a recente retoma, pelo Presidente Donald Trump, da obsessiva política de hostilidade e bloqueios, desta vez contra os netos e bisnetos dos guerrilheiros barbudos, que em 1959 desceram a “Sierra Maestra” comandados por Fidel e puseram fim ao regime de Fulgêncio Baptista. Os antigos guerrilheiros tomaram sim o poder, mas logo iniciava a interminável saga dos atentados contra Fidel, da ingerência “yanque” com a invasão da Baía dos Porcos, rebaptizada pelos vitoriosos revolucionários pelo icónico nome de “Playa Giron”. Logo a seguir, em 1962, com John Kennedy como Presidente, os EUA ameaçam invadir a Ilha, após descobrirem bases de mísseis soviéticos instalados secretamente em vários locais. Decretaram um massivo bloqueio aéreo e naval, mas Havana tinha um aliado incondicional, a poderosa União Soviética e o seu Pacto de Varsóvia, que abarcava militarmente os países satélites do Leste europeu. Por pouco a escalada bélica não se transformou numa guerra mundial de consequências absolutamente imprevisíveis. O conflito potencial entre o Ocidente e a chamada “Cortina de Ferro” estava no auge e apenas esfriou após esforços diplomáticos de última hora. Mas a saga anti-cubana dos EUA continuou, como parte da Guerra Fria. Trump está apenas a retomar um bloqueio que perdura muito mais de meio século.
No roteiro da minha peregrinação por Cuba, restará finalmente saber se Isabel também segue igual. Será que a verei novamente, troteando na ponta dos pés um bailado de Alicia Alonso com percussão de guanguanco? Oh, como recordo os seus passos felinos e o olhar sensual, altiva “habanera” de primeira. Isabel, ternura cubana genuína, concentrada generosamente em pouco mais de metro e sessenta de altura, mas transbordante de espírito e sangue rebeldes. Isa, legado de homens e mulheres que outrora foram escravizados unicamente destinados para definharem nas plantações de cana-de-açúcar vergastados pelo estridente chicote dos maiorais, mas depois lutaram para se libertar. E o conseguiram.