CNC perdeu milhões com empresa Afritaxi
Declarante José Manuel Rasak explicou os meandros da criação da empresa cujo destino dos lucros até hoje ninguém conhece
Declarantes no processo que envolve o ex-ministro dos Transportes, Augusto Tomás, confirmaram ontem em tribunal que o Conselho Nacional de Carregadores (CNC) e a Unicargas foram prejudicados em mais de três milhões de dólares com a criação da empresa Afritaxi.
O Conselho Nacional de Carregadores (CNC) e a Unicargas financiaram a criação da empresa de transportes Afritaxi, quando faltavam apenas três meses para a realização do Campeonato Africano das Nações (CAN) de 2010, mas em nenhum momento fizeram a sua formalização como sócios em escritura pública.
A revelação foi feita ontem por José Manuel Rasak, ouvido pela Câmara Criminal do Tribunal Supremo, como declarante, no caso em que o ex-ministro dos Transportes, Augusto Tomás, e mais quatro réus são acusados de se terem apropriado de dinheiro do CNC.
José Rasak esteve envolvido na criação da Afritaxi em 2009 e, em tribunal, explicou como tudo aconteceu. Segundo o declarante, face a necessidade de transportes durante a realização do CAN, que se realizou no país, foi imperiosa a criação daquela empresa, mas era necessário encontrar uma instituição que fosse capaz de importar entre 300 a 500 viaturas em pouco tempo.
Rasak lembrou que foi nesta ocasião que ele e mais parceiros levaram a proposta ao ex-Presidente da República, José Eduardo dos Santos, que os encaminhou ao ex-ministro dos Transportes, Augusto Tomás, com quem viria, mais tarde, a equacionar o problema.
"Entraram com valores, mas formalmente não eram sócios. Andavam às curvas e reservavam tudo para o futuro, que nunca aconteceu", contou, referindo-se ao CNC e a Unicargas. "Até hoje, não sei a razão desse comportamento e, como resultado, Faruk (Ibrahim) continuou com 90 por cento das participações da empresa e Abdul (Ibrahimo) com 10 por cento", acrescentou.
José Rasak lembrou ainda que, na altura, Augusto Tomás terá respondido que o Ministério não se metia em negócios deste género, pois era apenas um órgão de tutela e regulador do sector, reconhecendo, no entanto, que "o projecto era bom para o país". Porém, ponderadas as opções, Rasak voltou, já no declinar de 2009, a reunir com o então ministro de quem recebeu a informação de que podia contar com parceiros como o CNC e a Unicargas na concretização do projecto.
Além do CNC e Unicargas, a criação da Afritaxi contou com os accionistas Faruk Ibrahim, que detinha 90 por cento e Abdul Ibrahimo, com 10 por cento, com a possibilidade de o CNC e a Unicargas entrarem nas participações da empresa, já que tinham participado, na constituição da sociedade, com um capital de mais de três milhões de dólares (CNC) e o equivalente em kwanza a quase três milhões de dólares (Unicargas).
O CNC e a Unicargas estavam representados na Afritaxi pelos então directores-gerais, Agostinho Itembo e Abel Cosme, respectivamente, que criaram a Rent Angola para gerir a frota de Benguela.
Rasak garantiu que a Afritaxi nunca recebeu os dividendos obtidos nas províncias de Cabinda, Huíla e Benguela, que a par de Luanda, acolheram os diferentes grupos do CAN de 2010. Neste projecto, sublinhou, Faruk e Abdul responderam com o restante do investimento no treinamento do pessoal, aquisição de fardamento, estruturas de comunicação e logística, bem como a construção da sede, na rua Major Canhangulo, em Luanda.
O declarante afirmou ainda que, depois da criação da empresa, solicitaram a Imporáfrica para que, em pouco tempo, importasse 300 viaturas que serviriam para o serviço de táxi nas províncias que iam sediar o CAN.
A gestão da empresa ficou, à partida, fragmentada, porque Agostinho Itembo e Abel Cosme decidiram que o CNC e a Unicargas responderiam pela gestão Afritaxi em Cabinda, Huíla e Benguela. "Nunca mais houve comunicação sobre a estrutura que tinham montado naquelas províncias e qual era o rendimento", disse, em tribunal, o declarante que deixou de ter acesso ao dossier da empresa dois anos depois de exercer o cargo de director-geral.
Rasak deixou claro que o projecto de criação da Afritaxi não foi em nenhum momento influenciada pelo ministro, nem tão pouco este fez sugestões. Mas admitiu que sozinhos nunca seriam capazes de criar a empresa. O Tribunal procurou saber se os 50 carros para Cabinda foram dados a familiares de Augusto Tomás, ao que o declarante respondeu que não dominava o assunto.
Participações falhadas
Depois de José Manuel Rasak, foi a vez de José Paulo Kindanda ser ouvido como declarante. José Kindanda foi, à data dos factos, integrante da comissão executiva da empresa CIMMA, detida em 60 por cento pela SunInveste, de Ismael Diogo da Silva.
Com a criação da CIMMA, em 2009, a ideia foi criar uma entidade que fosse capaz de fabricar no país meios de transportes. O CNC entrou com 15 por cento nas participações do CIMMA, a Unicargas com 10 por cento e a Soprommil com 5 por cento. Neste projecto, o CNC investiu sete milhões de dólares e a Unicargas 286 milhões de kwanzas. Segundo Paulo Kindanda, ao invés da implementação de uma unidade fabril capaz de produzir os meios, partiu-se para a importação.
O Tribunal procurou saber se houve retorno do investimento feito pela CNC e Unicargas. Paulo Kindanda explicou não ter havido, até hoje, quaisquer retornos ou benefícios, pois nenhuma das empresas com participações na CIMMA conseguiu cumprir as obrigações.
Ainda ontem, o Tribunal Supremo ouviu também o declarante Fidel da Silva.
O Tribunal ouviu, igualmente, os declarantes Ildo Mateus do Nascimento, da Neilde Lda, empresa que ajudou a organizar a contabilidade do CNC, Paulo Vall Neto, das Organizações Chana, Domingos Neto e João Martins.