Jornal de Angola

Itembo “facturou” milhares de dólares

Declarante falou ao detalhe sobre o acordo de cavalheiro­s com o ex-director-geral do CNC que resultou em várias gratificaç­ões

- João Dias

O prófugo Agostinho Itembo, ex-directorge­ral do Conselho Nacional de Carregador­es (CNC), recebeu comissões de 28 mil dólares por cada uma das 101 casas que a instituiçã­o comprou à Real Imobiliári­a.

O prófugo Agostinho Itembo, ex-director-geral do Conselho Nacional de Carregador­es (CNC), recebeu comissões de 28 mil dólares por cada uma das 101 casas que a instituiçã­o comprou à Real Imobiliári­a, promotora do projecto habitacion­al Feliztrans.

A revelação foi feita ontem pelo declarante Osvaldo do Amaral, proprietár­io da empresa Real Imobiliári­a, ao responder às perguntas dos juízes na Câmara Criminal do Tribunal Supremo, que julga os réus Augusto Tomás, Manuel António Paulo, Rui Moita, Isabel Bragança e Eurico da Silva, acusados de se terem apropriado indevidame­nte de dinheiro do CNC.

Osvaldo Amaral revelou que a Real Imobiliári­a vendeu casas não só ao Conselho Nacional de Carregador­es, mas também a outras entidades, mas sempre intermedia­das por Agostinho Itembo, com quem celebrou um acordo de cavalheiro­s, nos termos do qual o exdirector-geral do CNC Agostinho Itembo teria comissões na ordem dos 28 mil dólares por cada casa comprada.

No total, o condomínio tinha 122 residência­s. Destas, 101 foram compradas pelo CNC e outras entidades como a Sécil Marítima, IMPA (Instituto Marítimo e Portuário de Angola), Capitania e Porto de Luanda, todas afectas ao Ministério dos Transporte­s. Mas todas as vendas foram intermedia­das por Agostinho Itembo. As restantes 21 casas ficaram sob reserva da Real Imobiliári­a.

O declarante esclareceu que a casa mais barata custava 123 mil dólares e que era sobre este preço que era feita a comissão acordada de 28 mil dólares. Sobre as mais caras, nada disse. “Nunca fui submetido a quaisquer pressões. Éramos todos pessoas de boafé. Sempre fomos responsáve­is”, realçou. Sobre Agostinho Itembo disse: “ele mediava tudo”, acrescenta­ndo que nunca teve contacto directo com responsáve­is das instituiçõ­es atrás referidas. “Mas sei que estas (instituiçõ­es) nunca tomaram conhecimen­to sobre estas comissões”, sublinhou.

Neste quadro, o réu Eurico da Silva, ex-coordenado­r das participaç­ões e investimen­to do CNC, servia de ponto de contacto, o elo entre Itembo e Osvaldo Amaral no que toca às transferên­cias das comissões nos bancos BNI e BAI. Osvaldo Amaral deixou, entretanto, claro que Eurico nunca participou nas reuniões entre ele e Itembo.

O Tribunal ouviu também o declarante Benete da Cunha, proprietár­io da empresa BB Comercial. Benete da Cunha é amigo e compadre do réu Eurico da Silva, cuja conta bancária foi, entre os anos 2015 e 2017, “repositóri­o” de dinheiros de comissões que a AfroEng transferia pelo contrato assinado com o CNC para uma empreitada em Menongue.

Neste período, pela conta da BB Comercial no BNI passaram 580 mil dólares, que por orientação de Eurico da Silva, directamen­te mandatado pela ré Isabel Bragança, distribuiu para as contas de Rui Moita, ex-director técnico do CNC, Manuel António Paulo, ex-director geral, Avelino dos Santos e o próprio Eurico da Silva e Isabel Bragança. Para a conta de Isabel Bragança foi transferid­o um montante de 261 mil dólares, 195 mil para Eurico, 43 mil para Rui Moita, 30 mil para Manuel António Paulo, 25 mil para João Agostinho e 9 mil para Avelino dos Santos.

Face ao exposto, o Tribunal questionou se Isabel Bragança, à data directora adjunta para Área Financeira, tinha dado instruções a Eurico da Silva para agir nestes moldes. A ré, aos soluços, negou tudo. Benete disse que sempre se orientou pelos pedidos de Eurico da Silva, seu amigo há 20 anos, que,por sua vez, sempre dependeu dos comandos de Isabel Bragança.

Mais declarante­s

Ainda ontem, o Tribunal ouviu também a declarante Ana Balbina de Ceita, presidente do conselho de administra­ção da CEMIKEIA, empresa que forneceu material de escritório ao CNC entre 2010 e 2017. Ana Balbina lembrou que conseguiu chegar ao CNC porque a irmã, sua sócia, era amiga de Agostinho Itembo. “Quando enviamos a carta de apresentaç­ão, ficou tudo mais facilitado”, disse sem falar de valores monetários.

Paulo Adolfo Vaal Neto, director-geral das Organizaçõ­es Chana, também foi ouvido ontem na qualidade de declarante, porque, em 2015, fez uma transacção cambial de avultadas somas. O declarante afirmou que, em 2015, o CNC precisou de somas em kwanzas para realizar despesas correntes. Foi nesta altura, lembrou, que foi solicitado pelo ex-director-geral Agostinho Itembo se podia converter 3 milhões e 79 mil dólares em kwanzas. Paulo Vaal Neto respondeu que podia e, volvido algum tempo, realizou a operação.

Depois disso, a título de gratificaç­ão, e sob orientação de Itembo, transferiu 50 mil dólares a uma conta indicada por este, 20 mil para Rui Moita e outros 20 mil para a conta de Isabel Bragança. O que Paulo Vaal Neto “não se lembra” é quem lhe terá dado as contas.

O Tribunal Supremo ouviu ainda o declarante João Martins, director da área de administra­ção e finanças da Sécil Marítima, pelo facto de o CNC, além de avalista, ter financiado a aquisição de dois catamarãs à italiana SNAV que custaram 2 milhões e 475 mil euros.

Condomínio tinha 122 residência­s, das quais 101 foram compradas pelo CNC e outras entidades como a Sécil Marítima, Instituto Marítimo e Portuário de Angola (IMPA), Capitania e Porto de Luanda

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AGOSTINHO NARCÍSO | EDIÇÕES NOVEMBRO Julgamento do “Caso CNC” decorre no Tribunal Supremo

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