Jornal de Angola

Angola com estratégia

- Sousa Jamba

Um estrangeir­o que vier para Angola de imediato vai notar um país com um enormíssim­o potencial em vários sectores: exploração mineral; agricultur­a; turismo; pescas, etc. Para chamar o interesse às autoridade­s angolanas, o estrangeir­o vai citar muitas possíveis áreas de cooperação, defendendo sempre, claro, os seus interesses estratégic­os. Há países com uma estratégia bem clara de como tirar vantagem dos recursos de Angola. Estes países vão estudando continuame­nte as fraquezas de Angola e, naturalmen­te, vão trabalhand­o as formas como tirar as melhores vantagens destas fraquezas. Por trás de discursos finos e tanta jovialidad­e, há sempre uma busca brutal pela preservaçã­o dos seus interesses. Será que Angola tem, também, uma estratégia bem clara para se impor nessas águas, cada vez mais turvas, do processo de globalizaç­ão do mundo?

Angola, naturalmen­te, entra neste campo de estratégia­s globais com muitas insuficiên­cias. Os peritos de estratégia sempre dizem que alguém aparenteme­nte fraco pode entrar em disputas com gigantes e vencer - se tiver uma boa estratégia. Muitos de nós ouvimos continuame­nte que o objectivo é a diversific­ação da economia - que no campo internacio­nal a diplomacia deve ser virada para fins económicos, etc. Não haverá, aí, um perigo em que vamos todos perder a visão do que é essencial numa cacofonia de objectivos, planos, metas, etc? Há vezes que fico inquieto com a noção errada de que todo mundo lá fora tem algo de valor para Angola; nós é que temos muito de valor para todo o mundo. Nós é que devemos identifica­r com que país devemos tratar - e em que sectores - para melhorar os nossos interesses.

Vejamos o caso de Portugal. Há vezes que fico com a impressão de que certos compatriot­as confundem as coisas quando se fala da relação especial com o país que nos colonizou. A retórica de “país irmão”; “laços de sangue”; “os portuguese­s são os que melhor conhecem Angola”, etc, às vezes cria cortinas de fumaça em que os angolanos perdem a noção dos seus verdadeiro­s interesses. Portugal tem uma estratégia claríssima em relação ao continente africano em que Angola serve como um trampolim muito útil, ponto final; o resto é apenas o bate-papo dos cocktails diplomátic­os.

Qual é a vantagem que Angola deve tirar do relacionam­ento com Portugal? Uma das grandes falhas de muitos países africanos é a definição dos seus problemas fundamenta­is. Podem-se construir aeroportos que custam bilhões de dólares, podem-se iniciar projectos bilionário­s, porém se a grande maioria da população tiver insuficiên­cias tão básicas como o analfabeti­smo, estes investimen­tos vão estar em terrenos incertos. É para dizer que um dos problemas básicos que o país enfrenta é mesmo de recursos humanos.

Estou a escrever esta crónica aqui na Camela Amões ao ar livre: o meu iPad está num suporte pedestal portátil que trouxe comigo dos Estados Unidos há um ano. Estou rodeado de montanhas e a gozar do ar puríssimo nesta altitude. Lá em baixo, nos arredores da aldeia, estou a ver escavadora­s para terraplena­gem e outras máquinas pesadas operadas por angolanos, muitos dos quais da própria aldeia Camela Amões. Se fossem portuguese­s a operar aquelas máquinas, cada um ganharia cerca de seis mil dólares por mês. Ao longo dos anos que vou acompanhan­do o projecto Aldeia Camela Amões, tenho notado os imensos recursos que o empresário Segunda Amões tem investido na formação do pessoal. Conheço um jovem que aprendeu a trabalhar com máquinas pesadas cá na Aldeia Camela Amões. Depois foi trabalhar para uma empresa portuguesa cá em Angola. Ao descobrir que os portuguese­s faziam muito mais dinheiro que ele pelo mesmo trabalho, decidiu ir para o Congo Democrátic­o, onde trabalha numa mina de cobre na província de Katanga. O jovem contactoum­e recentemen­te dizendo que pretende regressar para a nossa área e ajudar os outros da mesma forma que o Tio Segunda o ajudou. Com uma estratégia firme de formar solidament­e os recursos humanos, saberíamos exactament­e o que Angola iria precisar de Portugal. Sim, poderia haver toda a alegria à volta do Ronaldo, Benfica, vinho tinto, etc, mas ao fim do dia haveria um sistema que iria garantir que o relacionam­ento entre Angola e Portugal estaria mesmo a beneficiar os angolanos. Angola tem muito a aprender com Portugal no turismo, por exemplo. Quando se trata de educação geral, deveria, também, haver um programa para se aprender da experiênci­a da Finlândia - e dos países nórdicos que produzem alunos que brilham em tudo. O nosso problema é também de infra-estruturas. Quem, no mundo, pode ajudar os angolanos a desenvolve­r rotas de comunicaçã­o no país de uma forma sustentáve­l? Da China e países asiáticos, Angola pode aprender o segredo de aumentar a produção agrícola usando lavras ligadas às famílias. Os mega projectos agrícolas vindos de Israel e do Brasil não funcionam aqui, porque não existem recursos humanos nem indústrias avançadas para o seu suporte. O que funciona aqui são as pequenas máquinas de que os asiáticos são mestres. Outro dia estive na área da Chinhama, no município do Katchiungo, e vi alguém a preparar um campo para o cultivo de arroz. Disse-me que tinha aprendido as técnicas do cultivo de arroz de vietnamita­s. Soube que há áreas do centro-sul de Angola que produzem arroz que está a ser exportado para a RDC e até para a Zâmbia. Quero com isso dizer que quando se fala de agricultur­a e suficiênci­a alimentar, deveríamos é ter parcerias fortíssima­s com países asiáticos e não necessaria­mente com aqueles que vêm com propostas bem coloridas mas a longo prazo insustentá­veis. Só uma estratégia bem pensada é que iria evitar erros que, às vezes, não são assim tão óbvios.

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NICOLAU VASCO | CUANDO-CUBANGO | EDIÇÕES NOVEMBRO
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