Combatendo a crise
A crise económica e financeira que teve lugar após a queda brusca dos preços de petróleo em 2014, foi a mais violenta e de maior desgaste de todos os tempos mantendo-se até aos dias de hoje, apesar de algumas melhorias que se vêm registando.
Com reservas de petróleo limitadas e preços que não voltarão a atingir os patamares anteriores aos anos de 2014, a realidade nua e crua é que Angola sofre uma crise macroeconómica acentuada e prolongada.
Por isso ela tem que ser encarada com a maior atenção e sensibilidade possível por todos os intervenientes, desde a cúpula, encabeçada pelo Chefe do Executivo até ao cidadão comum, passando pelos ministros, secretários de Estado, directores para os quais se exige todo o empenhamento com garra e determinação para que surjam melhores dias com sol nascente, impondose para o efeito uma coordenação exigente e eficiente, não poupando esforços e capaz de comunicar com a população numa linguagem simples , de modo a fazer entender os fenómenos decorrentes das reformas e obtendo-se, assim, consensos.
Perante as opções escolhidas para o ajustamento macroeconómico, com medidas individuais em detrimento das globais, torna-se mais difícil o controlo das respectivas variáveis e mais difícil ainda o entendimento da relação preço/salário que significa a perda do poder de compra da população.
Com efeito, segundo dados fornecidos pelas instituições do Banco Mundial, o crescimento do Produto Interno Bruto entrou em colapso a partir de 2015, tendo –-se contraído em 2017 em -0.1 por cento
A dívida pública duplicou ao longo dos últimos 4 anos enquanto a inflação disparou para mais de 40 por cento em Dezembro de 2016.
Os défices das contas públicas desde 2014 duplicaram de ano para ano e piores agravamentos são esperados nos anos subsequentes de 2018 e 2019.
O sector privado foi afectado negativamente pela crise de divisas e pela pressão do sector financeiro como resultado da crise.
A dependência do petróleo levou a uma escassez de divisas com grande impacto negativo sobre todos os sectores da economia, criando desequilíbrios nos mercados de divisas, que atingiram o auge em 2016.
O acesso ao financiamento para as empresas privadas, já de si difícil, devido aos baixos incentivos para o sector financeiro emprestar, foi ainda mais excluído durante a crise, com empréstimos substanciais para o sector público.
Os créditos para o Governo Central quase triplicaram entre 2011 e 2013 para 14,4 por cento do Produto Interno Bruto, enquanto os empréstimos para o sector privado mantiveram-se estáveis em 22 por cento do produto interno bruto.
O Banco Mundial e a Sociedade Financeira Internacional constataram que as análises sobre a grande necessidade de reconstruir as infra-estruturas delapidadas foram apenas parcialmente abordadas, dando como exemplos o facto de apenas 20 por cento dos 76.000 quilómetros de estradas de Angola estarem pavimentadas e menos de um terço da população ter acesso à electricidade.
Reconhecem que houve investimentos de vulto no desenvolvimento humano, que conduziram a progressos de realce, mas ainda há muito a fazer, pois que a expectativa de vida aumentou drasticamente de 41,7 anos para 61,5 anos entre 1990 e 2016, mas continua significativamente abaixo da média para países de rendimento médio inferior que ronda 67.9 anos.
As matriculas escolares na educação primária tiveram um aumento considerável de 2.2 milhões para 10 milhões entre 2004 e 2016; mas apesar disso o ensino de níveis secundário e superior estão relativamente atrasados em relação à média dos níveis da África Subsaariana.
As desigualdades entre as regiões urbanas e rurais assim como as de rendimento e subsistência permanecem bem visíveis. Apenas 8 por cento da população das zonas rurais tem acesso à electricidade.
O número absoluto de angolanos pobres aumentou de 4.9 milhões para 6.7 milhões entre 2000 e 2 014 como testemunho do rápido crescimento da população e o número absoluto da pobreza urbana.
Apesar de positivo o anúncio de formação de médicos e enfermeiros de família, não se vislumbram sinais para se realizarem estudos para implementação de um sistema de segurança social abrangente, que inclua a assistência médica na saúde e na velhice.
Em termos de comércio externo, Angola é uma das economias menos diversificadas do mundo, com 96,5 por cento das exportações em 2016 constituídas por petróleo e diamantes.
O boom de petróleo e o crescimento do sector de serviços, impulsionado pela expansão do sector financeiro que se tornou o maior da economia, e o de consumo fizeram alterar a economia de Angola, levando ao crescimento do mercado imobiliário, comércio a retalho e telecomunicações, entre outros.
Foi também notável a expansão do sector da construção de 5 por cento do Produto Interno Bruto para 13.7 por cento em 2017, enquanto a agricultura teve um crescimento modesto de 10 por cento e a indústria transformadora sofreu de estagnação, a um nível abaixo de 5 por cento do Produto Interno Bruto.
Infelizmente, as alterações na economia, durante os anos de crescimento, não geraram empregos, que aliás, foram maioritariamente em sectores de consumo e do Governo.
Os desequilíbrios macroeconómicos que persistem desde há muitos anos têm como consequência a falta de condições fundamentais para o investimento privado e de desenvolvimento de mercado em Angola, comprometendo as perspectivas de diversificação económica.
Levada pelo preconceito, mas também pela falsa ideia de protecção das populações sofridas de uma guerra fratricida e destruidora durante anos, a direcção politica do país foi adiando a ruptura com a manutenção de uma taxa de câmbio sobrevalorizada, que trouxe como consequência, ao longo do tempo, efeitos perniciosos, com grandes distorções na economia e conduzindo a elevados índices de corrupção.
Economias que são altamente especializadas em indústrias extractivas, como é o caso de Angola, muitas vezes não conseguem diversificar-se.
Não é demais fazer realçar que a sobrevalorização da moeda, resultante de uma apreciação do preço de bens e serviços produzidos internamente, cria um imposto de facto sobre os sectores de exportação e incentiva aumentos nas importações, ampliando a ineficiência de alocação de factores de produção entre sectores.
Dando lugar a uma fixação administrativa de preços, a sobrevalorização da taxa de câmbio pode facilmente dar lugar ao contrabando quando os preços não obedecem às leis de mercado, como assistimos com o contrabando fronteiriço de combustíveis e outros produtos.
Angola deve, pois, enveredar pelo caminho de melhores politicas e quadros fiscais que se afastem de politicas de investimento público pró-cíclicas e voláteis.
O papel do Governo na economia produtiva pode e deve ser alterado no sentido de se transformar de actor que substitui os empreendedores privados para um facilitador de desenvolvimento do sector privado.
Essa transformação do papel do Governo e a criação de oportunidades para o sector privado envolve esforços em duas frentes: por um lado uma forte agenda de reformas para apoiar os mercados competitivos e por outro lado, a transferência de activos públicos para o sector privado, sobretudo através de privatizações ou de parcerias público privadas de forma a criar margens fiscais e garantir o uso eficiente destes activos
Por tudo isto torna-se necessário criar o ambiente para a diversificação liderada pelo sector privado o que por sua vez exige liderança de alto nível e uma visão inclusiva de longo prazo.
Já num passado recente fizemos alusão directa ou indirecta para em período de reformas se criarem essas lideranças, mas nunca é demais fazer menção e repetir as recomendações do Banco Mundial e da Sociedade Financeira Internacional .
Assim, conforme já expresso acima, e com vista a se estabelecerem bons princípios de gestão de processos de reforma, é imprescindível uma liderança a nível dos quadros superiores do Governo, mesmo a partir do Chefe de Estado ou de Governo, que estejam envolvidos no processo de reforma .
Torna-se assim, necessária a constituição de uma equipa de reforma, altamente qualificada e que reporta ao mais alto nível da hierarquia governamental ,tendo como atribuições priorizar, monitorizar e resolver problemas do processo de reforma.
Não obstante isso, essa equipa não é responsável pela execução de reformas, que deve permanecer como uma prerrogativa dos ministérios.
Deste modo agiliza-se o processo de decisão evitando-se que estas possam vir a ter longa demora, como foi o caso no passado recente sob a vigência do programa de saneamento económico e financeiro que por essa razão ficou comprometido, perante situações que exigiam decisões rápidas e prontas.
Em alguns países foi criado com êxito o Ministério de Reforma, com um pequeno gabinete composto por ex-banqueiros, consultores e juristas e outras profissões, que têm como seu principal papel, ajudar os ministérios a proceder e implementar reformas.
Embora também sejam necessários os incentivos com recompensas financeiras, estas não devem ser a principal motivação, comparada com as perspectivas alargadas de carreira e ser reconhecido por cumprimento de promessa ou compromissos em prol do país.
A transformação da economia de Angola, no sentido de se criar um sector privado maior e mais diversificado, que crie empregos e oportunidades de crescimento deve ser gerida com uma forte liderança governativa, com objectivos claros e prioritários.
Uma importante medida destes objectivos será a capacidade de criar novas oportunidades de investimento e mercados para as empresas, que serão as que criarão a futura riqueza de Angola. * Antigo ministro das Finanças