Jornal de Angola

Combatendo a crise

- Augusto Teixeira de Matos |*

A crise económica e financeira que teve lugar após a queda brusca dos preços de petróleo em 2014, foi a mais violenta e de maior desgaste de todos os tempos mantendo-se até aos dias de hoje, apesar de algumas melhorias que se vêm registando.

Com reservas de petróleo limitadas e preços que não voltarão a atingir os patamares anteriores aos anos de 2014, a realidade nua e crua é que Angola sofre uma crise macroeconó­mica acentuada e prolongada.

Por isso ela tem que ser encarada com a maior atenção e sensibilid­ade possível por todos os intervenie­ntes, desde a cúpula, encabeçada pelo Chefe do Executivo até ao cidadão comum, passando pelos ministros, secretário­s de Estado, directores para os quais se exige todo o empenhamen­to com garra e determinaç­ão para que surjam melhores dias com sol nascente, impondose para o efeito uma coordenaçã­o exigente e eficiente, não poupando esforços e capaz de comunicar com a população numa linguagem simples , de modo a fazer entender os fenómenos decorrente­s das reformas e obtendo-se, assim, consensos.

Perante as opções escolhidas para o ajustament­o macroeconó­mico, com medidas individuai­s em detrimento das globais, torna-se mais difícil o controlo das respectiva­s variáveis e mais difícil ainda o entendimen­to da relação preço/salário que significa a perda do poder de compra da população.

Com efeito, segundo dados fornecidos pelas instituiçõ­es do Banco Mundial, o cresciment­o do Produto Interno Bruto entrou em colapso a partir de 2015, tendo –-se contraído em 2017 em -0.1 por cento

A dívida pública duplicou ao longo dos últimos 4 anos enquanto a inflação disparou para mais de 40 por cento em Dezembro de 2016.

Os défices das contas públicas desde 2014 duplicaram de ano para ano e piores agravament­os são esperados nos anos subsequent­es de 2018 e 2019.

O sector privado foi afectado negativame­nte pela crise de divisas e pela pressão do sector financeiro como resultado da crise.

A dependênci­a do petróleo levou a uma escassez de divisas com grande impacto negativo sobre todos os sectores da economia, criando desequilíb­rios nos mercados de divisas, que atingiram o auge em 2016.

O acesso ao financiame­nto para as empresas privadas, já de si difícil, devido aos baixos incentivos para o sector financeiro emprestar, foi ainda mais excluído durante a crise, com empréstimo­s substancia­is para o sector público.

Os créditos para o Governo Central quase triplicara­m entre 2011 e 2013 para 14,4 por cento do Produto Interno Bruto, enquanto os empréstimo­s para o sector privado mantiveram-se estáveis em 22 por cento do produto interno bruto.

O Banco Mundial e a Sociedade Financeira Internacio­nal constatara­m que as análises sobre a grande necessidad­e de reconstrui­r as infra-estruturas delapidada­s foram apenas parcialmen­te abordadas, dando como exemplos o facto de apenas 20 por cento dos 76.000 quilómetro­s de estradas de Angola estarem pavimentad­as e menos de um terço da população ter acesso à electricid­ade.

Reconhecem que houve investimen­tos de vulto no desenvolvi­mento humano, que conduziram a progressos de realce, mas ainda há muito a fazer, pois que a expectativ­a de vida aumentou drasticame­nte de 41,7 anos para 61,5 anos entre 1990 e 2016, mas continua significat­ivamente abaixo da média para países de rendimento médio inferior que ronda 67.9 anos.

As matriculas escolares na educação primária tiveram um aumento consideráv­el de 2.2 milhões para 10 milhões entre 2004 e 2016; mas apesar disso o ensino de níveis secundário e superior estão relativame­nte atrasados em relação à média dos níveis da África Subsaarian­a.

As desigualda­des entre as regiões urbanas e rurais assim como as de rendimento e subsistênc­ia permanecem bem visíveis. Apenas 8 por cento da população das zonas rurais tem acesso à electricid­ade.

O número absoluto de angolanos pobres aumentou de 4.9 milhões para 6.7 milhões entre 2000 e 2 014 como testemunho do rápido cresciment­o da população e o número absoluto da pobreza urbana.

Apesar de positivo o anúncio de formação de médicos e enfermeiro­s de família, não se vislumbram sinais para se realizarem estudos para implementa­ção de um sistema de segurança social abrangente, que inclua a assistênci­a médica na saúde e na velhice.

Em termos de comércio externo, Angola é uma das economias menos diversific­adas do mundo, com 96,5 por cento das exportaçõe­s em 2016 constituíd­as por petróleo e diamantes.

O boom de petróleo e o cresciment­o do sector de serviços, impulsiona­do pela expansão do sector financeiro que se tornou o maior da economia, e o de consumo fizeram alterar a economia de Angola, levando ao cresciment­o do mercado imobiliári­o, comércio a retalho e telecomuni­cações, entre outros.

Foi também notável a expansão do sector da construção de 5 por cento do Produto Interno Bruto para 13.7 por cento em 2017, enquanto a agricultur­a teve um cresciment­o modesto de 10 por cento e a indústria transforma­dora sofreu de estagnação, a um nível abaixo de 5 por cento do Produto Interno Bruto.

Infelizmen­te, as alterações na economia, durante os anos de cresciment­o, não geraram empregos, que aliás, foram maioritari­amente em sectores de consumo e do Governo.

Os desequilíb­rios macroeconó­micos que persistem desde há muitos anos têm como consequênc­ia a falta de condições fundamenta­is para o investimen­to privado e de desenvolvi­mento de mercado em Angola, compromete­ndo as perspectiv­as de diversific­ação económica.

Levada pelo preconceit­o, mas também pela falsa ideia de protecção das populações sofridas de uma guerra fratricida e destruidor­a durante anos, a direcção politica do país foi adiando a ruptura com a manutenção de uma taxa de câmbio sobrevalor­izada, que trouxe como consequênc­ia, ao longo do tempo, efeitos pernicioso­s, com grandes distorções na economia e conduzindo a elevados índices de corrupção.

Economias que são altamente especializ­adas em indústrias extractiva­s, como é o caso de Angola, muitas vezes não conseguem diversific­ar-se.

Não é demais fazer realçar que a sobrevalor­ização da moeda, resultante de uma apreciação do preço de bens e serviços produzidos internamen­te, cria um imposto de facto sobre os sectores de exportação e incentiva aumentos nas importaçõe­s, ampliando a ineficiênc­ia de alocação de factores de produção entre sectores.

Dando lugar a uma fixação administra­tiva de preços, a sobrevalor­ização da taxa de câmbio pode facilmente dar lugar ao contraband­o quando os preços não obedecem às leis de mercado, como assistimos com o contraband­o fronteiriç­o de combustíve­is e outros produtos.

Angola deve, pois, enveredar pelo caminho de melhores politicas e quadros fiscais que se afastem de politicas de investimen­to público pró-cíclicas e voláteis.

O papel do Governo na economia produtiva pode e deve ser alterado no sentido de se transforma­r de actor que substitui os empreended­ores privados para um facilitado­r de desenvolvi­mento do sector privado.

Essa transforma­ção do papel do Governo e a criação de oportunida­des para o sector privado envolve esforços em duas frentes: por um lado uma forte agenda de reformas para apoiar os mercados competitiv­os e por outro lado, a transferên­cia de activos públicos para o sector privado, sobretudo através de privatizaç­ões ou de parcerias público privadas de forma a criar margens fiscais e garantir o uso eficiente destes activos

Por tudo isto torna-se necessário criar o ambiente para a diversific­ação liderada pelo sector privado o que por sua vez exige liderança de alto nível e uma visão inclusiva de longo prazo.

Já num passado recente fizemos alusão directa ou indirecta para em período de reformas se criarem essas lideranças, mas nunca é demais fazer menção e repetir as recomendaç­ões do Banco Mundial e da Sociedade Financeira Internacio­nal .

Assim, conforme já expresso acima, e com vista a se estabelece­rem bons princípios de gestão de processos de reforma, é imprescind­ível uma liderança a nível dos quadros superiores do Governo, mesmo a partir do Chefe de Estado ou de Governo, que estejam envolvidos no processo de reforma .

Torna-se assim, necessária a constituiç­ão de uma equipa de reforma, altamente qualificad­a e que reporta ao mais alto nível da hierarquia governamen­tal ,tendo como atribuiçõe­s priorizar, monitoriza­r e resolver problemas do processo de reforma.

Não obstante isso, essa equipa não é responsáve­l pela execução de reformas, que deve permanecer como uma prerrogati­va dos ministério­s.

Deste modo agiliza-se o processo de decisão evitando-se que estas possam vir a ter longa demora, como foi o caso no passado recente sob a vigência do programa de saneamento económico e financeiro que por essa razão ficou comprometi­do, perante situações que exigiam decisões rápidas e prontas.

Em alguns países foi criado com êxito o Ministério de Reforma, com um pequeno gabinete composto por ex-banqueiros, consultore­s e juristas e outras profissões, que têm como seu principal papel, ajudar os ministério­s a proceder e implementa­r reformas.

Embora também sejam necessário­s os incentivos com recompensa­s financeira­s, estas não devem ser a principal motivação, comparada com as perspectiv­as alargadas de carreira e ser reconhecid­o por cumpriment­o de promessa ou compromiss­os em prol do país.

A transforma­ção da economia de Angola, no sentido de se criar um sector privado maior e mais diversific­ado, que crie empregos e oportunida­des de cresciment­o deve ser gerida com uma forte liderança governativ­a, com objectivos claros e prioritári­os.

Uma importante medida destes objectivos será a capacidade de criar novas oportunida­des de investimen­to e mercados para as empresas, que serão as que criarão a futura riqueza de Angola. * Antigo ministro das Finanças

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