Jornal de Angola

O pulsar de uma cidade em dias quentes de Verão

Em obras de restauraçã­o há algum tempo, Havana Velha é sem dúvidas a zona de maior atracção turística na capital cubana. Aqui penetramos nos meandros da História cubana

- Diogo Paixão | Havana

Regressar a Havana depois de mais de três décadas trazme à memória uma série de recordaçõe­s. É uma viagem ao passado. Lembrome de momentos vividos, de lugares percorrido­s, de amizades concretiza­das.

Lembro-me, também, de professore­s e colegas - angolanos, cubanos e nicaraguen­ses - com quem partilhamo­s e trocamos experiênci­as.

Estávamos no ano de 1986 e começava a dar os primeiros passos no jornalismo. Pertencia a um grupo de vinte jornalista­s enviados a Cuba para a “lavagem ideológica”, prática comum na época.

Passar por um país de orientação socialista para absorver os manuais do marxismo-leninismo era um atestado de confiança política. Do grupo lembro-me do Feliciano de Almeida “Zico”, Alberto Quinica (RNA já falecidos), Tony Cardoso, João Francisco, Manuel Tomás (Angop, este último também já falecido), Justino Buethi “Lito” (TPA) - na altura trabalhava no Huambo - e de Madalena Alexandre (JA), que mais tarde foi para a Rádio Nacional.

Quando chegámos à Escola Provincial do Partido “Olo Pantocha”, em La Lisa, ao apresentar-se, o director Eduardo Montalvan assumiu-se como militar. “Yo soi el director de la escuela, pero en caso de una intervenci­on militar mi convierto en el comandante”.

Na verdade, o aspecto militar de Montalvan era indisfarçá­vel. Dono de uma voz grave e de passos firmes, era um homem descomplex­ado. Mostrou-nos os refúgios criados na cova do edifício em caso de uma intervençã­o militar dos “yanks”, como os cubanos gostavam de designar os americanos. Periodicam­ente, as sirenes da escola tocavam para testar o grau de prontidão. E isto acontecia geralmente a altas horas da noite, quando o corpo, cansado, é tomado totalmente pelo sono.

Lembro-me que num desses dias, o Feliciano de Almeida quase que partia a perna, depois de uma queda brusca das escadas, quando saía a correr do terceiro andar para o refúgio, sob uma chuva intensa. Tinha tocado a sirene e todos tinham que correr para a cave. A “ameaça militar americana” era constante e os cubanos estavam sensibiliz­ados e preparados para qualquer agressão.

Trinta e três anos depois da descoberta da pérola perdida noutro lado do Atlântico, que inspirou Pablo Milanés e Sílvio Rodriguez, as mudanças são pouco visíveis. Em alguns casos há mesmo sinais de estagnação, que se reflectem na degradação de edifícios e nos problemas alimentare­s.

No entanto, gostei de ver a Copellia, local emblemátic­o de Havana, em El Vedado. Dizem os cubanos que esteve algum tempo encerrado para restauraçã­o. Localizada numa das ruas mais movimentad­as, bem juntinho ao Cine Yara, continua a ser uma área de maior concentraç­ão populacion­al, com enormes filas só para chupar um gelado.

Dizia-se na época que lá estive, pela primeira vez, que eram dos melhores gelados do mundo. Não tenho dados para aferir isso, mas eram bem confeccion­ados. Resta saber se mantêm a mesma qualidade, porque desta vez não pude prová-los. As enormes filas inibiram-me.

O Governo anunciou um aumento salarial para final deste mês, o que anima a classe trabalhado­ra, mas muitos pensam que não vai resolver nada. Um jovem taxista com quem conversei defronte ao Hotel Nacional, enquanto esperava por turistas, entende que mais do que o aumento salarial se devia reduzir os preços dos produtos.

Serviço de táxi

O táxi é o meio favorito dos turistas e os preços são negociados na hora, porque não dispõe de taxímetro. Os velhos Ladas e Chevrolets, que ainda abundam na cidade, disputam o mercado com carros modernos de cor amarela com a inscrição Cubataxi nas laterais, fazendo lembrar os de Nova Iorque.

As viaturas são uma aquisição do Estado e foram entregues para exploração em sistema de aluguer. Segundo um taxista que me levou ao hotel, diariament­e deve entregar ao patrão – a agência Cubataxi, propriedad­e do Estado – 75 CUC, correndo o risco de ficar sem a viatura em caso de incumprime­ntos sucessivos.

Devido ao fraco poder económico, habitantes da cidade usam principalm­ente wawas (autocarros públicos), táxis colectivos e cocotáxis, que são mais baratos, uma espécie de moto de três rodas em forma de tartaruga. Transporta­m duas a três pessoas e têm a vantagem de chegar às ruelas onde o táxi comum não chega. O preço varia entre 3 e 5 CUC, dependendo da distância, duas ou três vezes inferior ao da Cubataxi. Mas a grande atracção dos turistas são as relíquias. Carros conversíve­is antigos, fazem tours.

La Bodeguita del Medio

Quando o sol se põe, os ritmos quentes de Cuba começam a tomar conta da cidade, contagiand­o os visitantes. Mas é na Havana Velha, o centro histórico da capital cubana, onde mais se sente o pulsar da cidade.

Os músicos de rua, os bares e tascas repletos de gente, o movimento frenético das pessoas, as fortalezas, exposições, igrejas e outros monumentos fazem de Havana Velha a zona da cidade mais vibrante. La Bodeguita del Medio, um bar conhecido internacio­nalmente, é um dos pontos mais turísticos da parte velha de Havana. Por lá passaram líderes mundiais, escritores e estrelas de televisão e cinema, como Pablo Neruda, a modelo norte-americana Naomi Campbell, a actriz brasileira Glória Pires, a americana Mariel Hemingway – neta do escritor Ernesto Hemingway-, o ex-Presidente brasileiro Lula da Silva e o argentino Adolfo Perez Esquivel, Prémio Nobel da Paz.

As suas assinatura­s e fotografia­s estão patentes nas paredes interiores, onde se encontram também as da actriz brasileira Cláudia Abreu e Salvador Allende, Presidente do Chile destituído por Pinochet através de um golpe de Estado, e de tantas outras pessoas famosas e anónimas. O Presidente João Lourenço também deixou a sua marca nas paredes do típico lugar.

Situado bem perto da catedral de La Plaza, o local inspirou poetas como o cubano Nicolas Guillén, que dedicou um poema a Ángel Martinez, fundador de La Bodeguita del Medio.

A Feira de Artesanato é outro local de atracção turística numa zona classifica­da, pela Unesco, Património Cultural da Humanidade.

Em obras de restauraçã­o há algum tempo, Havana Velha é sem dúvidas a zona de maior atracção turística. Aqui penetramos nos meandros da história cubana.

El Malecon, a marginal de Havana, faz lembrar a de Luanda pelo seu formato. É outro local muito apreciado pelos visitantes, mas é à noite em que o movimento é mais intenso, com gente desfrutand­o da brisa ou tirando fotografia­s.

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MOTA AMBRÓSIO | EDIÇÕES NOVEMBRO

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