Uma perspectiva académica sobre a crise angolana no contexto africano
De acordo com o sociólogo e filósofo francês Edgar Morin, as ideologias são como os mapas. Ou estão próximas da realidade, quando são receptivas à absorção de novas informações; ou, então, criam sistemas imunológicos, mais ou menos eficazes e aproximam-se dos toscos mapas medievais, que representavam o mundo de forma imaginativa e fantasiosa.
O poeta e antropólogo angolano Ruy Duarte de Carvalho, em «Angola: O Passado vivido e o Presente em Presença – Hipótese para uma análise antropológica da crise em curso», num artigo publicado na Revista África, do Centro de Estudos Africanos, da Universidade de São Paulo, refere que há quem pense, de há muito tempo a esta parte, que a crise angolana resida apenas na guerra que, segundo a linguagem, à época, adoptada, foi imposta aos angolanos, determinando, posteriormente, todo um conjunto notório de consequências resultantes da mesma. Outros afirmam que a crise é o resultado da “aberração de uma economia planificada” (que, em sua opinião, nunca o foi); ou da “frustração de uma proposta socialista que, (ainda de acordo com a sua opinião), nunca se soube ensaiar e não passou, globalmente, de uma caricatura desconcertante.”
Ruy Duarte de Carvalho, hoje sepultado nas areias do deserto do Namibe, local que escolheu para o seu eterno descanso, justificava estas suas posições frisando que, também em outros países africanos, se constatam situações semelhantes, sem que, no entanto, esses mesmos Estados tenham vivenciado situações de guerra prolongada (como ocorreu em Angola), ou tenham mesmo experimentado o exercício de um regime pretensamente marxista ou marxizante.
Na opinião deste investigador social, o dilema angolano (não subestimando a guerra e os seus resultados (de que já falámos), deve-se sobretudo “à crise institucional que se traduziu por uma dissolução abrupta das instâncias até então prevalentes, as coloniais. Boas ou más, constituíam um elemento sobre o qual se estruturavam muitas das relações que urdiam o quotidiano da prática social e das estratégias pessoais e de grupo que asseguravam a sobrevivência. Ao que se seguiu, podemos dizer que na generalidade, uma confusa procura de alternativas, que, antes de se sedimentarem em fórmulas, boas ou más, minimamente estáveis e funcionais, deram oportunidades a toda a sorte de improvisações, criando mesmo aos poderes ditos tradicionais a ilusão de que lhes estava reservado algum papel reconhecido e legal, hipótese que cedo se viria a desvanecer.” Com a saída da administração portuguesa, toda a malha comercial e de economia monetária ficou seriamente afectada. Como os mecanismos de substituição não se tornaram operacionais, abriu-se espaço para “uma boa dose de improvisação teórica e prática”.
Tal como aconteceu em toda a parte do mundo em que as condições estruturais, do passado e do presente, se assemelhavam às angolanas, passou-se de forma semelhante ao seguinte: “o Estado produziu sobretudo uma dinâmica capaz de garantir a sua própria reprodução, resultando daí a emergência de uma classe político-burocrática particularmente apta a recuperar e a adaptar sistemas de dependência e de clientela familiar, de parentesco, étnica ou regional, factores de identificação capazes de garantir o acesso a estatutos, nomeadamente económicos e sociais, inalcançáveis por outras vias.” Leia-se a propósito, o estudo de Joseph C. Miller, «Poder Político e Parentesco – Os antigos Estados Mundu em Angola» e também o livro de Basil Davidson, «O Fardo do Homem Negro – Os efeitos do estado-nação em África».
Este segundo livro frisa que, num sentido histórico bastante lato, “o tribalismo tem sido usado para exprimir a solidariedade e as lealdades comuns de pessoas que partilham entre si um país e uma cultura.” Ao citar Crawford Young, que se debruçou sobre a experiência da edificação do estado-nação na República Democrática do Congo, considera inócuo o tribalismo antigo e ao clientelismo de Estado, a este, apelida-o de moderno “tribalismo” em África. Este sim. Ao florescer na desordem, é terrivelmente destruidor para a sociedade civil, arrasa a moralidade e escarnece do Estado de direito. Sendo um “sistema”, o clientelismo tornou-se, em grande medida, na forma de funcionamento da política em África. As suas rivalidades semeiam naturalmente o caos. Tal como a miséria económica e a perda de valores, que actualmente aflige, não só Angola, mas grande parte de África, o tribalismo moderno ou clientelismo, “reflecte, em grande medida, características patológicas do Estado [africano] contemporâneo”, do estado-nação pós-colonial ou como outros designam “neo-colonial”, resultante da descolonização.
Tal como a miséria económica e a perda de valores, que actualmente aflige, não só Angola, mas grande parte de África, o tribalismo moderno ou clientelismo, “reflecte, em grande medida, características patológicas do Estado [africano] contemporâneo”, do estado-nação pós-colonial ou como outros designam “neo-colonial”, resultante da descolonização
* Ph. D em Ciências da Educação