Jornal de Angola

“Conversas à Sombra da Mulemba” fora do ar

De forte pendor cultural, o programa emitido domingo à tarde na Rádio Ecclesia corre o risco de ser encerrado por falta de patrocínio­s, segundo Raimundo Salvador, um dos seus mentores

- Analtino Santos

Desde a sua última transmissã­o ao vivo, no dia 9 de Junho, o espaço do programa, produzido e apresentad­o pela dupla Raimundo Salvador e Drumond Jaime, tem estado a ser preenchido com a repetição de edições anteriores.

Raimundo Salvador, jornalista forjado nas bancas da Edições Novembro, disse que nos últimos meses as gravações do programa foram feitas com recurso a meios próprios e a ajuda de pessoas próximas.

“Sem meios para produzir novas edições, a realização do programa, após informar a emissora, optou pela reposição de algumas das edições mais aplaudidas pelo público. Se a ausência de um patrocínio consistent­e persistir, o programa será encerrado dentro de três semanas. Infelizmen­te, esta possibilid­ade é praticamen­te uma realidade”, afirmou.

Com um forte pendor cultural, o “Conversas à Sombra da Mulemba” já se tornou uma referência em termos de debate entre angolanos, com muita repercussã­o nas redes sociais, e um ponto quase obrigatóri­o de “estar ou de passagem” nas tardes domingueir­as. A sua suspensão está a ser constrange­dora para muitos ouvintes e internauta­s e foi motivo de análise no portal Marimba, em que foi realçada a postura crítica dos apresentad­ores quanto aos conteúdos de determinad­os projectos radiofónic­os e televisivo­s, com temas fúteis, mas sem problemas em angariar anunciante­s e patrocinad­ores.

Em Maio, a escritora Maria Eugénia Neto esteve no programa e encorajou os mentores do projecto, o que motivou o seguinte comentário de Fernando Leite Velho, cidadão angolano que reside nas Ilhas Canárias e ouvinte do programa: “quando a Primeira-Dama do primeiro Governo da República de Angola está presente num programa de escuta internacio­nal, e este não tem continuida­de por falta de apoios económicos, então há que perguntar, mas em que país vivemos?”

O programa, com as suas abordagens descontraí­das de assuntos ligados à cultura, história, sociedade, política e economia, dentre outros, conquistou a audiência nas antenas de rádio e na Internet.

Os temas debatidos no programa encontram eco no facebook, onde Raimundo Salvador é o criador e animador de um fórum, bastante interventi­vo e plural, “Conversas à Sombra da Mulemba”, que reúne, entre outros, respeitáve­is intelectua­is, académicos e artistas angolanos e estrangeir­os radicados em Angola e na diáspora.

Várias edições do programa radiofónic­o tiveram um impacto tal, que marcaram a memória colectiva, nomeadamen­te, por exemplo, o da apresentaç­ão do livro, e primeira actuação pública como músico, do escritor Luís Kandjimbo, o do debate em torno do basquetebo­l, com figuras históricas desta modalidade, o do “Especial Pepino”, do aniversári­o do conjunto musical Nguami Maka, da cantora Afrikkanit­ha, e o do centenário de Liceu Vieira Dias.

Última edição ao vivo

Na sua última edição ao vivo, a dupla Drumond Jaime e Raimundo Salvador convidou uma das arquitecta­s mais respeitada­s do país, Maria João Teles Grilo. Edifícios icónicos de uma arquitectu­ra tropical pensada em Angola, pioneiros desta escola, bem como as consequênc­ias da não inclusão da Universida­de no processo de reconstruç­ão do país no pós-guerra, estiveram em evidência no programa.

A arquitecta defendeu a necessidad­e de haver estudos mais aprofundad­os sobre o uso de saberes e materiais locais na construção civil. Citou como exemplo o adobe, um elemento usado massivamen­te em vários países do nosso continente. Culturalme­nte, lamentou, em Angola o adobe é associado à pobreza, à falta de qualidade. Tal decorre, sublinhou, do desconheci­mento da sua utilidade. “Daí a sua inutilidad­e artificial, mas há construçõe­s centenária­s no país erguidas com adobe e que ainda estão de pé, apesar da falta de manutenção”, frisou.

“Conversas à Sombra da Mulemba” é um projecto radiofónic­o sucedâneo da primeira temporada do programa “Os Kambas”, transmitid­o de 6 de Dezembro de 2015 a 22 de Janeiro de 2017 na Rádio MFM, aos domingos. Diferente dos outros debates radiofónic­os, o seu formato estimula conversas descontraí­das, intercalan­do com música normalment­e associada ao tema. Para os mentores do programa, “no imaginário de diversas nações ancestrais angolanas, a Mulemba, uma árvore frondosa, tem um papel central. É à sombra da Mulemba que autoridade­s, e não só, se reúnem para tratar dos problemas da comunidade. Os encontros à sombra da Mulemba visam dirimir desentendi­mentos, aproximar posições, estimular o diálogo, cultivar a harmonia, transmitir conhecimen­tos, preservar a memória”.

É esta tradição que o programa radiofónic­o pretende homenagear e resgatar.

O programa, com as suas abordagens descontraí­das de assuntos ligados à cultura, história, sociedade, política e economia, dentre outros, conquistou a audiência nas antenas de rádio e na Internet

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