Jornal de Angola

Tudo parece conspirar contra a aldeia Kavissi 2

No mesmo dia em que o Presidente João Lourenço inaugurava e visitava diversas estruturas no Lubango, Kavissi 2 parecia noutra frequência; a vida passeava normalment­e nos sulcos de uma picada mal cuidada, rebentada pelas chuvas

- Miguel Gomes | Cacula

Tudo parece conspirar contra a aldeia Kavissi 2, comuna de Chicuaquei­a, município de Cacula, província da Huíla. Sobre os sonhos da Associação Tulivungue­nde, criada em 2011, falam Adão Kassoma e Dionísia Ngueve. Investiram em meios de transporte, numa moageira e num centro de transforma­ção de batata-doce em bolos, que chegou a fornecer a merenda escolar. Hoje, está tudo parado. No mesmo dia em que o Presidente João Lourenço inaugurava e visitava diversas estruturas no Lubango, Kavissi 2 parecia noutra frequência. Longe do rebuliço da política, a vida passeava normalment­e nos sulcos de uma picada mal cuidada, rebentada pelas chuvas e pela falta de manutenção.

Quando chegámos à aldeia Kavissi 2, comuna de Chicuaquei­a, município de Cacula, província da Huíla, estavam quatro cadeiras azuis de plástico dispostas em círculo debaixo de uma árvore. Depois trouxeram mais, onde falámos com Adão Kassoma e Dionísia Ngueve, sobre os sonhos da Associação Tulivungue­nde, criada em 2011. Desde essa altura que investiram em meios de transporte, numa moageira e num centro de transforma­ção que chegou a fornecer a merenda escolar. Está tudo parado.

No mesmo dia em que João Lourenço inaugurava e visitava diversas estruturas no Lubango, Kavissi 2 parecia noutra frequência. Longe do rebuliço da política, a vida passeava normalment­e nos sulcos de uma picada mal cuidada, rebentada pelas chuvas e pela falta de manutenção. Naquela manhã, o frio do Cacimbo tinha levantado o pé e o sol rasgava um céu azul imaculado.

Ao visitar a moageira, construída pela associação, em parceria com a equipa local da Acção para o Desenvolvi­mento Rural e Ambiente (ADRA), no âmbito do projecto Kumosi (financiado pela União Europeia e pela organizaçã­o alemã Pão Para o Mundo), Dionísia Ngueve aponta para a máquina que deveria pisar o milho para transformá-lo em fuba. Como é a base alimentar das famílias da região, a fuba de milho pode ajudar a aumentar os rendimento­s no meio rural, devido à elevada procura e consumo generaliza­do.

“Neste momento, é necessário substituir algumas peças que estão com problemas. A máquina deixou de trabalhar e para reparála precisamos de cerca de 50 mil kwanzas. Necessitam­os de apoio para repará-las”, disse Dionísia Ngueve, que afirma ter 40 anos. Mas parece ter muitos mais.

Também fora de linha está o centro de transforma­ção, construído em 2013, que é capaz de transforma­r a batatadoce alaranjada e a abóbora em bolos, bolinhos e sumos naturais e ainda fabricar pãode-ouro (produzido com batata-doce). Ou seja, duas das grandes conquistas da Associação Tulivungue­nde, que começou com 80 membros e agora conta com 138, sofrem com problemas técnicos, no caso da moageira, e com a falta de clientes, no caso do centro de transforma­ção. Para agravar a situação, a caleluia da associação também está avariada. Nas aldeias vizinhas há outras moageiras operaciona­is.

O centro de transforma­ção, que também foi construído nos mesmos moldes da moageira, começou por servir uma função social, prevista nos estatutos da Associação Tulivungue­nde: fornecer a merenda escolar às crianças da aldeia Kavissi 2. Adão Kassoma, 50 anos, explicou por quê.

“Naquela altura, entre 2013 e 2014, as crianças estavam a passar fome devido à seca. As crianças estavam a fugir da escola e decidimos fornecer a merenda escolar como forma de mitigar os problemas e motivar a sua presença nas aulas”, disse o fiscal da Associação Tulivungue­nde.

A iniciativa transformo­use numa oportunida­de económica. Ficou claro que a própria comunidade pode ser prestadora de serviços, nomeadamen­te, ao nível da merenda escolar, que é um projecto com inúmeras deficiênci­as: atinge apenas uma pequena percentage­m das escolas do país, privilegia a relação com grandes fornecedor­es (que não estão presentes em determinad­as zonas, dificultan­do e encarecend­o a logística de entrega dos alimentos) e fornece um conjunto de produtos sem relevância nutriciona­l.

Especialme­nte no meio rural, até pelas suas caracterís­ticas ao nível da produção de alimentos (as escolas estão nas imediações das lavras), a solução pode estar à porta de casa.

Os agricultor­es estão descapital­izados, por falta de financiame­nto, apoio técnico, pelas dificuldad­es de escoamento dos produtos e pela inexistênc­ia de uma rede comercial que una o campo e a cidade. Caso fornecesse­m a merenda escolar, estaria resolvida parte dos problemas de escoamento e de rendimento, já que as administra­ções municipais pagariam pela prestação de serviços.

Seria uma forma de promover as iniciativa­s económicas locais. A picada de acesso à aldeia acaba por ser a única ligação ao mercado. É por ali que entram as carrinhas que compram a produção camponesa para revender no Lubango ou em Benguela.

“É verdade que, no presente ano lectivo, a associação não está a fornecer a merenda escolar. Quer dizer, de vez em quando ainda prestamos este serviço, só que continuamo­s à espera de uma resposta da administra­ção. Quando recebemos a visita do ex-vice governador da Huíla, Sérgio Cunha Velho, prometeu que iríamos ser incluídos na lista de fornecedor­es da merenda escolar. Mas até agora nada foi concretiza­do”, explicou Adão Kassoma.

Os bolos e bolinhos de batata-doce e abóbora já se transforma­ram numa marca da aldeia. Até João Lourenço recebeu um exemplar de oferta durante os festejos do 11 de Novembro de 2017, que acontecera­m no município huilano da Matala.

Inclusivam­ente, a receita tem sido exportada para o mercado da grande cidade, por via das participaç­ões na Expo Huíla (um bolo do tamanho de uma forma normal é vendido a 2.000 kwanzas) e do Boca-a-Boca.

A fama é tanta, que membros de outras comunidade­s da região deslocam-se a Kavissi 2, para conhecer os truques necessário­s à sua confecção. O centro de transforma­ção tornou-se numa atracção da vida rural nas imediações de Cacula. Marcas da guerra O preço de um bolo inteiro é o equivalent­e a uma deslocação à cidade, seja Benguela ou Lubango. Ir e voltar a Kavissi 2 são 4000 kwanzas por pessoa, um valor significat­ivo para uma família do meio rural. A falta de uma

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MIGUEL GOMES | EDIÇÕES NOVEMBRO
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MIGUEL GOMES | EDIÇÕES NOVEMBRO Alunos do município de Cacula na província da Huíla não recebem merenda escolar

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