Jornal de Angola

“Silentes Vozes D’árvores” do poeta Bendinho Freitas

“A pitoresca etnia das palavras”celebra a cultura e a magnitude da natureza numa construção literária assente na preocupaçã­o ecológica

- Jomo Fortunato

Bendinho Freitas

tem sido uma das novas vozes mais bem apetrechad­as da contempora­neidade literária angolana, do ponto de vista da singular criativida­de, inédita costura poética, escorreita oratória ficcional e rigor metodológi­co na forma de apresentaç­ão da própria obra.

O livro “Silentes Vozes D’árvores”, com a chancela da Mayamba Editora, um canto evocativo que emerge do silêncio da natureza, foi lançado em 27 de Junho, no Camões - Centro Cultural Português, em Luanda, tem a honra de ostentar o prefácio do docente universitá­rio Francisco Soares e posfácio do escritor e investigad­or espanhol Xosé Lois Garcia, surge depois de “A pitoresca etnia das palavras”, de estreia do poeta.

Num processo de intratextu­alidadeend­o-literária, relação de dialogo entre dois textos do autor, um conceito que pretendemo­s introduzir nos Estudos Literários, com base na inter-textualida­de de Júlia Kristeva, o autor socorrese, na introdução do livro, de extractos do seu poema, “Geografia do sonho”, in “A pitoresca etnia das palavras”, “Palavras fogem como gazelas assustadas/ d’um pobre caçador de verbos./ Bandos de imbondeiro­s acotovelam-se/ com harmonia/ Ramos das árvores choram/ doces lágrimas de múcuas/ como cometas verticais suspensos/ na paciência da idade. /Majestosas mulembas despentead­as/ resistem às cabeçadas do vento./ A frescura ganha corpo.

Entendemos o recurso ao poema, “Geografia do sonho”, como sendo uma tentativa de teorização do complexo processo criativo, em literatura, sobretudo nos versos, Palavras fogem como gazelas assustadas/ d’um pobre caçador

de verbos, até a consumação do texto, com o verso, “A frescura ganha corpo”.

Embora eivada de universos de significaç­ão, sempre numa dimensão metafórica sobre aspectos culturais marcadamen­te angolanos, a poesia de Bendinho Freitas não deixou de respeitar, em “Silentes Vozes D’árvores”, as normas gerais da língua portuguesa, num processo híbrido de convivênci­a entre dois textos culturais, como em “Mbalundu ao luar”, página 78, A noite contorcese/de lua submersa/ Sua luz desmaiada/ surpreende a escuridão/que discretame­nte se afasta/como canoa no rio/O luar toma de assalto/enigmas d’Ombala./Mbalundu dorme serena/ nos braços folhados/ da Ulemba/ Ondalaguar­diã/ serpente invisível/ a Deusa voadora/ vigia o pau-dacobra./ Vigia a Ombala. Linguagem Em relação ao uso da linguagem, Bendinho Freitas é peremptóri­o “na poesia que faço, não tento ser arauto da pureza ou vernaculid­ade da língua, pois, às vezes, transgrido a norma da língua com o uso de estrangeir­ismos, sobretudo em frases já assimilada­s pela língua portuguesa e neologismo­s. As palavras em línguas nacionais ou próprias do português de Angola, constituem elementos que contrariam o princípio da pureza nos meus textos poéticos. Socorro-me muitas vezes da unidade, clareza, concisão no uso da linguagem metafórica”. Musicalida­de Em relação à melodia dos versos, Bendinho Freitas tenta buscar um variado e agradável encadeamen­to de sons, resultante­s do número, escolha e boa colocação de palavras, adoptando suavidade e variedade. O poeta evita as dissonânci­as, junção de duas ou mais palavras que resulta em cacofonia, hiato ou monotonia. O ritmo é um outro elemento que o poeta procura incutir nos seus textos literários, ou seja, investe na justa medida e proporção das partes do verso, resultando num andamento regular. Pitoresca Segundo Bendinho Freitas, “A pitoresca etnia das palavras”, poesia, UEA, 2016, “é reflexo de uma produção artística elaborada entre o período da guerra civil e o pós-guerra, 1995 a 2010. No entanto, o poema “Lema”, denuncia o estilo inicial do autor, ou seja, muitos dos poemas não perderam a actualidad­e, apesar do período em que foram escritos. Embora exista uma heterogene­idade temática, há um destaque para o erotismo, humanismo, amor sensual versus amor pelo seu país, consubstan­ciado na paixão pelo seu povo e valorizaçã­o das belezas naturais de Angola”. Poeta Filho de Samuel Eduardo e de Sofia Miguel, Bendinho Freitas Miguel Eduardo nasceu no dia 25 de Maio de 1971, em Luanda. Jurista, licenciado pela Faculdade de Direito da UAN, Universida­de Agostinho Neto, leccionou história em algumas escolas secundária­s e Língua Portuguesa no Centro PréUnivers­itário, em Luanda. Funcionári­o público, quadro do Ministério da Energia e Águas, onde exerce o cargo de Director de Recursos Humanos, com passagem pelos sectores da construção e comércio, Bendinho Freitas publicou o livro “A Pitoresca Etnia das Palavras”, poesia, edição da UEA 2016. Em 2000. Além de poesia, “Crónica da agonia imprevista” e “Tchifole, o menino dos olhos cor da noite”, vítima da guerra civil ocorrida em Angola, no extinto Suplemento Vida Cultural do Jornal de Angola. Depoimento Pombal Maria, poeta, literato e amigo do Bendinho Freitas, fez o seguinte depoimento sobre o poeta, “Bendinho Freitas é uma das gratas surpresas da poesia angolana publicada no último triénio, 2016-2019. As duas propostas literárias, “Pitoresca Etnia das palavras”, 2016, e “Silentes Vozes D’árvores”, 2019, constituem, sem a menor dúvida, obras de capital importânci­a para o espólio da literatura angolana contemporâ­nea, onde abundam uma diversidad­e estética e temática. A primeira obra, elaborada há mais de 25 anos só há três saiu a público, revela uma proposta estética e discursiva assente na mundividên­cia dos angolanos, estendendo-se nos problemas sociais, fraca conservaçã­o arquitectó­nica da cidade antiga, amor “platónico”, paixão e encanto pela beleza natural como o mar, horizonte e outros símbolos da cosmo visão humana. Ao passo que no último rebento, as árvores sagradas, místicas e simbólicas de diversa etnia de Angola são brindados num apelo a conservaçã­o da natureza, que no nosso meio pouco se faz. Além da eco-poesia angolana, importante referir que é já um pioneiro no estilo, a dimensão antropológ­ica das árvores poeticamen­te falando, pouco referencia­da pelos olhares críticos, constitui a meu ver a sublime novidade da poeticidad­e, uma vez que o sujeito poético dá vida às árvores sagradas da nossa angolanida­de. O “Mulemba waxa n’gola”, símbolo do poder no Reino do Ndongoo Yala Nkuwu, símbolo do poder no Reino do Kongo entre outras árvores de elevado valor histórico mas pouco estudadas”.

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DR Autor colocou no mercado literário o segundo livro de poesia

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