Nascer não é opção
De forma geral, os conflitos familiares são abordados com pouca profundidade, nomeadamente quando se trata de desafectos entre pais e filhos. É mais comum falar-se no progenitor que abandona a cria e, quando tal abandono acontece do lado da mãe, as situações ganham contornos bem mais gravosos, sendo até difíceis de ser julgados ao nível do Direito.
Tanto o Complexo de Édipo quanto o de Electra são difíceis de aceitar, embora sejam muito referidos e haja alguma facilidade para identificá-los, sobretudo, quando chamam a atenção pela vertente sexual. Nos dias de hoje, é mais fácil encarar o facto de os filhos serem mais chegados às mães e as filhas aos pais pelo lado negativo e, quando acontecem casos de ligações carnais, olha-se para a situação apenas pelo lado perverso e, se a insanidade mental for posta de parte, abre-se caminho para o obscuro.
À parte toda a morte do Minotauro por Teseu, a lenda de Ícaro, é mais bem aceite, já que se ignora todo o passado do monstro, filho bastardo de Pasífae, mulher de Mimos e de um touro divino. O que para muitos interessa apenas é que o rapaz, filho de Dédalo de uma escrava de Peséfone, deusa das ervas, flores, frutos e do perfume, não ouviu os conselhos do pai e, tomado pelo desejo de voar próximo ao Sol, acabou por ter derretida a cera que segurava as asas feitas com penas de pássaros, despenhou-se no mar Egeu e afogou-se.
Actualmente, parricídios e infanticídios ganham destaque nos noticiários policiais. Noutros espaços e meios de comunicação social, raras vezes passam de notas de rodapé.
A sociedade é muito mais branda quando se trata de casos que envolvem algum tipo de conflito, seja com instituições, nomeadamente hospitais e clínicas, públicas ou privadas, seja entre indivíduos.
Casos reportados pela imprensa como curiosos são motivo de chacota e de interpretações por vezes maldosas, sobretudo, quando faltam explicações científicas ou quando somos deparados com justificações, no mínimo, inusitadas.
Pode-se aqui enquadrar o caso de uma mulher branca que, casada com um indivídio da mesma raça e cor de pele, deu à luz na maternidade do Hospital da Universidade de Valência, Espanha, a um bebé saudável de 4,2 quilos de tez escura. O caso ocorreu em Março deste ano e ela atribuiu ao marido a causa da situação: “a culpa é dessa mania que tens de beber café a qualquer hora”, respondeu-lhe, ao ser confrontada por este.
Outro caso ocorreu na Inglaterra, em que um casal negro teve uma filha de cabelos louros e olhos azuis. Exames de DNA provaram que não se tratou de um caso que envolvesse contactos extraconjugais e que a pequena Nmachi, que não é albina, é de facto filha de ambos.
Especialistas em genética explicaram que tal pode acontecer se um dos pais tiver um ancestral branco. A controvérsia instalou-se mesmo no caso de Jennifer que, tendo recorrido à inseminação artificial e tendo pedido a amostra de um doador branco, acabou por engravidar de um negro porque um funcionário trocou um algarismo no registo e, no lugar do nº 380, ela recebeu esperma do nº 330.
De forma geral, os conflitos familiares são abordados com pouca profundidade, nomeadamente quando se trata de desafectos entre pais e filhos. É mais comum falar-se no progenitor que abandona a cria e, quando tal abandono acontece do lado da mãe, as situações ganham contornos bem mais gravosos, sendo até difíceis de ser julgados ao nível do Direito.
Raro é falar-se no assunto ao contrário, ou seja, quando o abandono é de baixo para cima, os pais são apartados pelos filhos ou até processados por não corresponderem às expectativas destes.
Num programa de televisão, uma jovem brasileira negra ameaçou processar a mãe por não ter olhos azuis. Na Índia, Raphael Samuel, de 27 anos, processou os pais por não o terem ouvido sobre a sua vontade de nascer. “Não nos perguntaram se queríamos nascer […] Nascer não foi sua decisão e você não pode ser responsabilizado por algo que não é uma decisão sua”, disse ele num vídeo publicado no You Tube.
A mãe, após admirar a coragem do filho em processá-la e ao marido, ambos advogados, afirmou que aceitaria a sua culpa caso o filho inventasse uma forma racional sobre como poderiam ter pedido o seu consentimento para nascer.