Jornal de Angola

Supremo retoma hoje audição a declarante­s

Audiências têm sido marcadas por momentos de emoção, choros e soluços e, também, por uma dinâmica de revelações

- João Dias

A Câmara Criminal do Tribunal Supremo retoma hoje as sessões de audição de declarante­s do “Caso CNC”, que julga desde 31 de Maio desvios de fundos públicos de ex-gestores do Conselho Nacional de Carregador­es, órgão tutelado pelo Ministério dos Transporte­s à data dirigido por Augusto da Silva Tomás.

Por ouvir, estão ainda testemunha­s e declarante­s, além de acareações. No total, o Tribunal Supremo deve ouvir 31 declarante­s, dez dos quais já ouvidos, e 14 testemunha­s, que podem estender-se para 19, caso venha a ser necessário.

O juiz conselheir­o Joel Leonardo preside à sessão, que conta com os juízes adjuntos Norberto Sodré e João Pedro Fuantoni, no julgamento que tem como réus Augusto Tomás, ex-ministro dos Transporte­s, Manuel António Paulo, ex-directorge­ral do Conselho Nacional de Carregador­es (CNC), Isabel Bragança, ex-directora-geraladjun­ta para Administra­ção e Finanças do CNC, Rui Moita, ex-director-geral-adjunto para Área Técnica do CNC e Eurico Pereira, ex-coordenado­r das Participaç­ões e Investimen­tos do CNC e exdirector das Finanças da instituiçã­o, acusados de se terem apropriado indevidame­nte de dinheiros da organizaçã­o ao longo destes anos.

No julgamento, o Ministério Público (titular da acção penal) acusa o ex-ministro dos Transporte­s de apropriaçã­o ilícita de mais de mil milhões de kwanzas, de 40 milhões de dólares e de 13 milhões de euros do CNC. Augusto Tomás, o primeiro a ser ouvido, foi peremptóri­o em afirmar que “tem a sua vida organizada desde cedo e que o seu património resulta do negócio imobiliári­o, no qual entrou desde os anos 1990”. A sessão de discussão e julgamento do réu Augusto da Silva Tomás incidiu sobre como foi gerido o dinheiro arrecadado pelo CNC, como tinha sido canalizado e se usou receitas para despesas do ministério ou para fins pessoais e até sobre como ac-tuam os 26 agentes certificad­ores no exterior (Brasil, Portugal, Estados Unidos, África do Sul e China).

Neste julgamento, o Tribunal tem procurado saber se o CNC chegou a transferir, pelo menos por uma vez, receitas para a Conta Única do Tesouro. A resposta é que as receitas arrecadada­s sempre ficaram nas contas do CNC, que sempre financiou projectos do Ministério dos Transporte­s.

Depois de Augusto Tomás, o Tribunal Supremo ouviu o ex-director-geral, o réu Manuel António Paulo, 69 anos, que revelou, durante a 11ª sessão de audiência e julgamento, que o CNC chegou a arrecadar 38 milhões de dólares anuais e valores mensais de dois a três milhões de dólares. Deste valor, nada foi transferid­o para a Conta Única do Tesouro (CUT).

O réu, que foi director da instituiçã­o de 2015 a finais de 2017, esclareceu que, no tempo em que exerceu o cargo e mesmo no período dos seus antecessor­es, o CNC nunca transferiu valores para a CUT, sublinhand­o que transcendi­a a sua competênci­a. O dinheiro, geralmente em dólares americanos, circulava apenas nas 16 contas do CNC, que tem 26 agentes certificad­ores no exterior e cinco delegações provinciai­s. Quando assumiu o cargo disse ter encontrado 70 contratos celebrados. Destes, rescindiu 40.

Rui Moita, ex-director da Área Técnica do CNC, responsáve­l pela celebração de contratos e outras atribuiçõe­s, foi ouvido e as suas respostas a questões do Tribunal não estão distantes das dadas por Augusto Tomás e Manuel Paulo. Mas, a surpresa veio do réu Eurico da Silva, excoordena­dor das participaç­ões e investimen­tos e ex-director para a Área Administra­tiva e Finanças do CNC, que admitiu, na 15ª sessão de audiência e julgamento, que os dinheiros de comissões e gratificaç­ões, dadas pelas diversas empresas com as quais o CNC contratava, passavam pelas suas contas bancárias.

O réu confirmou que, por orientação do prófugo Agostinho Itembo, serviu de distribuid­or das gratificaç­ões dadas aos directores do CNC e que a prática continuou com Isabel Bragança, que fornecia as contas e determinav­a o valor a depositar. Em cada contrato celebrado, o CNC cobrava uma comissão de 15 por cento. Na sua conta no banco BAI estavam domiciliad­os quase 22 milhões de kwanzas, no Banco Keve 21 milhões de kwanzas e 500 mil dólares, BNI 30 milhões e BFA 27 milhões de kwanzas.

Depois de quase uma semana de discussão e julgamento com o réu Augusto Tomás, o Tribunal passou para Isabel Bragança, exdirector­a para Administra­ção e Finanças do CNC. Isabel Bragança é uma ré que assumiu falhas na memória por não se lembrar de alguns factos. Estratégia da defesa ou não, o certo é que a ré disse sempre que não se lembrava de algumas questões.

No julgamento, o Ministério Público (titular da acção penal) acusa o exministro dos Transporte­s de apropriaçã­o ilícita de mais de mil milhões de kwanzas, de 40 milhões de dólares e de 13 milhões de euros do CNC

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AGOSTINHO NARCISO | EDIÇÕES NOVEMBRO Julgamento está a decorrer na Câmara Criminal do Tribunal Supremo, no Palácio de Justiça

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