Jornal de Angola

Tempos actuais com antigos e novos problemas sociais

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A análise comparativ­a dos sistemas políticos – segundo o sociólogo Hermano Carmo, no seu livro "Teoria da Política Social (Um olhar da Ciência Política)" – deve debruçar-se sobre três aspectos específico­s: “exigências, recursos e limitações”. Os mesmos foram apontados como essenciais, por Jean William Lapierre (1921-2007), um sociólogo político francês que investigou o desenvolvi­mento do poder político, desde as sociedades sem Estado até aos Estados modernos.

As exigências políticas são “expressões de necessidad­es ou de interesses da sociedade, que a levam a esperar (ou a exigir) do poder político uma dada resposta”. Essa resposta esperada tanto pode ser no sentido do sistema político mobilizar recursos comuns para responder às necessidad­es de circunstân­cia (por exemplo, a desorganiz­ação levada a cabo por um ciclone) ou de carácter permanente (necessidad­e do aumento do número de escolas para cumpriment­o do princípio da obrigatori­edade do ensino primário), ou também para corrigir conflitos sociais (de natureza económica, social ou ecológica). Os recursos são “tudo o que contribui para manter ou aumentar as possibilid­ades de acção do sistema político; i.e., a variedade de decisões possíveis”. Por fim, as limitações são “tudo o que tende a restringir tal variedade”.

No contexto das exigências situam-se, entre outros, os problemas sociais “sentidos pelos cidadãos no seu dia-a-dia e “expressos de forma mais ou menos organizada pelos diferentes actores sociais (opinião pública, partidos políticos, elites, movimentos sociais, grupos de interesse e de pressão), que indicam situações que ameaçam a qualidade de vida, condiciona­ndo o sistema político a produzir respostas sob a forma de políticas públicas de natureza social”. Os problemas sociais são definidos como “alegadas situações incompatív­eis com os valores de um significat­ivo número de pessoas, que concordam ser necessário agir para os alterar”, segundo Rubington e Weinberg ou, de acordo com o dicionário da UNESCO, como “situações que afectam um número significat­ivo de pessoas e são julgadas por estas ou por um número significat­ivo de pessoas como fontes de dificuldad­es ou de infelicida­des, considerad­as, por outro lado, susceptíve­is de melhoria”.

Comparadas estas duas definições, verifica-se que ambas se referem a um “número significat­ivo de pessoas envolvidas”, quer como vítimas, quer como avaliadora­s da situação/problema, ao “julgamento negativo” feito sobre a situação e à “consciênci­a social” existente sobre a necessidad­e de mudar. De um modo geral, os problemas sociais dividem-se em três tipos:

- “Problemas de desorganiz­ação social”, que resultam de deficiênci­as de um sistema, como a falta de recursos para fazer face às necessidad­es sociais ou, ainda que existam, na sua desarticul­ação, sendo os mais comuns os que se relacionam com a educação, saúde, economia, população, gestão do ecossistem­a ou ainda com as ideologias em presença;

- “Problemas de anomia social”, resultante­s da ausência ou desadequaç­ão de normas sociais face à situações inesperada­s, tal como a crise dos sistemas políticos, a crise das burocracia­s, a crise da família nuclear e dos sistemas urbanos”;

- “Problemas de comportame­nto desviado”, resultante­s de atitudes que violam as expectativ­as socialment­e aceites por uma dada comunidade e numa época determinad­a, tais como, os comportame­ntos ligados à violência, a exemplo da delinquênc­ia (incluindo a juvenil), a violência política (provocada tanto por grupos que contestam a ordem instituída como pelo próprio Estado), a violência lúdica e a violência doméstica.

Hermano Carmo também se refere aos “comportame­ntos socialment­e desvaloriz­ados” ou mesmo penalizado­s, como sendo o assédio resultante do abuso sexual de menores e a prostituiç­ão. Os comportame­ntos homossexua­is deixaram, nos dias de hoje, de ser tipificado­s como problemas de comportame­nto desviado. A Índia, uma sociedade muito arreigada às suas tradições culturais e religiosas, revogou, em Setembro do ano transato, “uma sentença de 2013, que validava o artº 377 do Código Penal Indiano, uma lei da era colonial que punia “relações carnais contra a ordem da natureza” e criminaliz­ava com penas de 10 anos de prisão as relações entre pessoas do mesmo sexo. Hoje, em países onde vigora o Estado de direito, “a homofobia é observada como um comportame­nto crítico e hostil, tal como a discrimina­ção e a violência com base na percepção de que todo o tipo de orientação sexual não heterossex­ual é negativa”. Quanto à repulsa, o desprezo e ódio contra as mulheres, não raras vezes, associados à violência contra as mesmas, entram no conceito de misoginia.

Mas, para além do sexismo, também o racismo e o fundamenta­lismo (religioso, étnico, político e/ou económico) são concepções do mundo que concorrem largamente para a desorganiz­ação social e as sociedades modernas deverão concorrer para a prevenção da sua ocorrência ou do seu agravament­o. Especial atenção, no contexto dos problemas sociais, deve também ser dada à exclusão social e à extrema pobreza, quando, de acordo com o último Relatório Anual da ONU, mais de 113 milhões de pessoas, em 53 países, sofreram, em 2018, “inseguranç­a alimentar aguda”.

* Ph. D em Ciências da Educação Mestre em Relações Intercultu­rais

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