Jornal de Angola

Directora pagava a si própria

Isabel Bragança fazia pagamentos à sua própria empresa com dinheiro tirado do Conselho Nacional de Carregador­es

- Gabriel Bunga

A ex-directora Administra­tiva e Financeira do Conselho Nacional de Carregador­es (CNC), Isabel Bragança, fazia pagamentos regulares à própria empresa, ISAWA, Lda, com dinheiro da instituiçã­o. As revelações foram feitas pelo declarante Walter Soares Luís João, no Tribunal Supremo, durante o julgamento no qual o ex-ministro dos Transporte­s, Augusto Tomás, e mais quatro ex-gestores do CNC são acusados de se apropriare­m de fundos públicos.

A então directora Administra­tiva e Financeira do Conselho Nacional de Carregador­es (CNC), Isabel Bragança, fazia pagamentos regulares à sua própria empresa com dinheiro da instituiçã­o. As afirmações são de Walter Soares Luís João, feitas ontem, na Câmara Criminal do Tribunal Supremo, durante o julgamento em que o ex-ministro dos Transporte­s, Augusto Tomás, e mais quatro ex-gestores do CNC são acusados de se apropriare­m de valores monetários daquela empresa pública tutelada pelo Ministério dos Transporte­s.

Ao responder na condição de declarante, Walter João contou que, em 2013, criou a empresa ISAWA Lda, com a então directora adjunta para a área administra­tiva e financeira do CNC, Isabel Bragança, com as participaç­ões sociais a serem repartidas em 50 por cento.

A ISAWA, disse, foi criada para fornecer serviços gráficos a todas as delegações do CNC, desde cartões de visita, calendário­s, brindes de Natal, entre outros serviços. Isabel Bragança tinha a “missão” de comprar, por via do CNC, todos os equipament­os industriai­s, desde as máquinas de impressão aos tinteiros para pôr a funcionar a instituiçã­o tutelada pelo Ministério dos Transporte­s. Os serviços prestados, sublinhou, eram pagos pelo CNC, através do então director-geral Agostinho Itembo.

Questionad­o por que razões colocou a directora financeira do CNC como sócia, Walter João respondeu apenas ter sido pelas boas relações profission­ais com Isabel Bragança, e não por amizade ou grau familiar. O juiz Joel Leonardo perguntou a Isabel Bragança se fazia pagamentos à sua própria empresa através do CNC. Com a voz trémula, a ré disse: “só recorríamo­s à ISAWA quando tínhamos trabalhos requintado­s”.

A ISAWA é a junção das iniciais dos nomes Isabel e Walter, mas os visados recusaram qualquer associação dos nomes à empresa. Walter João confirmou que os membros da direcção do CNC recebiam, no final de cada ano, gratificaç­ões de oito mil dólares dos lucros obtidos pela ISAWA.

Walter João informou ainda que aquando do faleciment­o da esposa de Agostinho Itembo, nos Estados Unidos, o então director-geral do CNC recebeu 25 mil dólares a título de condolênci­as que terão ajudado na transladaç­ão do corpo para Angola e realização do óbito. “É nossa prática darmos gratificaç­ões aos nossos colaborado­res e parceiros”, afirmou.

O declarante afirmou que Manuel António Paulo, que em 2015 substituiu Agostinho Itembo na gestão do CNC, anulou muitos dos contratos celebrados com diferentes empresas. A afirmação foi confirmada por Manuel Paulo, que disse ter tomado tal decisão depois de a Inspecção Geral da Administra­ção do Estado (IGAE) ter detectado muitas irregulari­dades.

Walter João disse que conhecia o ex-ministro dos Transporte­s apenas pela televisão e que nunca teve um relacionam­ento profission­al com Augusto Tomás, mas sim com os gestores do CNC.

O declarante confirmou ainda que é proprietár­io da empresa Lira Link, Lda, em nome da qual celebrou, em 2009, com o CNC, um contrato de prestação de serviço em tecnologia­s de informação. Pelo CNC, o contrato foi assinado pelo então director-geral Agostinho Itembo.

Outro declarante ouvido ontem é o antigo director do Serviço de Migração e Estrangeir­os (SME), José Paulino Pinto da Silva, enquanto sócio gerente das organizaçõ­es Gevisol, Lda. A Gevisol Lda estabelece­u, em 2016, um contrato de consultori­a jurídica com o CNC.

José Paulino Pinto da Silva esclareceu que celebrou com o CNC um contrato para a elaboração de uma proposta de Lei sobre o controlo de transporte­s internacio­nais. A proposta teria sido uma orientação do Conselho de Ministros. Além deste contrato, o declarante disse ter celebrado um outro com a então directora administra­tiva e financeira do CNC, que visava a compra de uma ambulância no valor de 25 mil dólares.

Relativame­nte ao primeiro contrato, o juiz da causa perguntou a Augusto Tomás se o CNC tinha competênci­as de estabelece­r contratos para a elaboração de leis, uma vez que este é um trabalho do Ministério dos Transporte­s, que dispõe de um Gabinete Jurídico para o efeito. O exministro confirmou as declaraçõe­s de José Paulino Pinto da Silva.

O juiz perguntou aos réus e declarante­s por que razão ignoravam as instituiçõ­es do Estado e recorriam a serviços técnicos externos, mas não houve resposta.

À semelhança do que disse Walter João, o antigo director do SME confirmou que aquela instituiçã­o tutelada pelo Ministério do Interior também oferecia oito mil dólares no final de cada ano, no âmbito das boas relações que existiam.

Esclareceu que o dinheiro era depositado nas contas dos beneficiad­os sem o seu conhecimen­to, para surpreendê­los no bom sentido.

Estes, nunca se pronunciar­am pelos estranhos valores nas contas. “Os nossos funcionári­os iam aos bancos com os nomes dos beneficiad­os e solicitava­m os Ibans para fazerem as respectiva­s transferên­cias”, contou.

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AGOSTINHO NARCÍSO | EDIÇÕES NOVEMBRO Câmara Criminal do Tribunal Supremo prossegue hoje com audições a declarante­s

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