“Embarcações estrangeiras pescavam aqui com licenças em fotocópias”
Na Mabunda, a população tem de ser educada a não lavar o peixe com a água que vem do Rio Kambamba - que é uma vala que corre quase toda a cidade. Quem não lavou o peixe ali não apanhou cólera. Temos de fazer um trabalho conjunto de educação e fazer as pessoas entenderem isto
O sector das Pescas poderia ser um dos principais motores de desenvolvimento do país. No entanto, a realidade é bastante diferente.O sector é fundamentalmente informal, com enormes problemas ao nível do circuito de conservação, compra e venda e de fiscalização das embarcações artesanais, semi-industriais e industriais. Os armadores angolanos lamentam a concorrência desleal e a deficiente regulação, realidade que pode colocar em causa a sustentabilidade do sector. “Após seis meses de trabalho, já começo a sentir uma integração quase total. Nós saímos de uma situação em que as pessoas tinham que arranjar meios de subsistência. O que se verifica é que, primeiro, as pessoas instalam-se e só depois se regularizam. É mais ou menos este processo que estamos a tentar fazer. Viemos com a missão de reorganizar o sector”, disse, em entrevista exclusiva ao Jornal de Angola a ministra das Pescas, Maria Antonieta Baptista O licenciamento das embarcações pesqueiras continua centralizado em Luanda, o que tem gerado críticas. Numa altura em que se fala tanto em desconcentração administrativa, esta questão vai ser alterada, há alguma reavaliação prevista para os próximos meses?
Há questões que um ministério não pode perder de vista: uma dessas questões é o controlo do sector. O que fizemos foi montar equipas que se deslocaram às províncias do litoral para efectuar a inspecção das embarcações. Como sabem, tudo o que é novidade gera suspeita. E muitos não estavam preparados para essa mudança. Então, passaram para a segunda fase de regularização aqueles que, de acordo com a lei, manifestaram as avarias, as docagens, a manutenção realizada fora ou dentro do país. Estes já foram devidamente inspeccionados. Numa terceira fase, vamos pegar naqueles que se recusaram a aparecer, aqueles que não se fizeram presentes em nenhuma das inspecções e que agora se reinscreveram porque não foram ao mar.
Este processo, ao contrário do esperado, vai provocar uma queda nas capturas de peixe, porque teremos menos barcos a trabalhar...
Sim, mas posso dizer que as embarcações irregulares não serão legalizadas. E outras não serão legalizadas porque nem sequer têm cobertura aqui dentro do Ministério. Não têm processo. O que fizemos foi uma modernização. Tínhamos um software específico para implementar desde 2016, mas, como não havia nenhuma medida coerciva, os armadores não se inscreviam. Com o balcão online conseguimos congregar todos os dados e, em princípio, acredito que voltemos à normalidade. Agora estamos no período de proibição de pesca do carapau e vamos aproveitar para discutir todas as questões. No dia 1 de Setembro, vamos proclamar o ano das pescas pela primeira vez e esperamos ter as embarcações todas licenciadas.
Havia embarcações supostamente licenciadas sem processo no MINSPEMAR... Como é possível?
Sim e havia uma outra coisa: embarcações de bandeira estrangeira a pescar com licenças em fotocópias. Uma licença era fotocopiada e dava para várias embarcações. É possível, porque os processos estão em mãos de seres humanos. E cada um tem os seus princípios. Quando eu estudei, primeiro estava Deus, depois a Pátria e depois a família. Quando não se põe a Pátria à frente... Quando se diz família, fala-se dos interesses pessoais. Quando se põem os interesses pessoais acima da Nação isto acontece. É um processo difícil de controlar, porque não é possível vigiar o que cada funcionário faz.
Eram práticas de corrupção?
Sim, eram práticas negativas.
Os procedimentos irregulares estão a ser investigados pela Inspecção Geral do Estado ou foram objecto de denúncia à Procuradoria Geral da República?
Muito gostaria de levá-los às barras da justiça, se soubesse quem são os prevaricadores. O problema é que a licença não tem o nome de quem a emitiu. Temos de passar uma borracha no passado, repaginar e avançar. O tempo não pára e o país precisa dos serviços do Ministério.
No limite, estes procedimentos provocaram um descontrolo ao nível do número estimado de peixes (biomassa) em águas nacionais e também era quase impossível saber ao certo quantas embarcações operavam no país. O que é grave...
Provocou, sim. Desde o início de Junho que estamos a fazer a análise da biomassa. Neste mês, teremos as provas de mar do nosso navio de investigação, o Baía Farta, para podermos fazer a sua recepção definitiva. É um processo e como todos os processos há etapas a cumprir. Esperamos bem que a biomassa não esteja tão má para podermos garantir que se aumentem as capturas.
Para além dos problemas no mar e nos rios, a diversificação da economia também passa pela formalização das actividades económicas, para aumentar as receitas do Estado. Só que o circuito comercial do peixe sobrevive da desorganização e da escassez de locais próprios para tratar e vender os produtos, facto que resulta em perdas para os cofres públicos que podem atingir os milhões de dólares anuais. Por que há tão poucos pontos de venda em todo o país com as devidas condições higiossanitárias? Que tipo de relação mantém o MINSPEMAR com os governos provinciais?
A interacção com os governos provinciais não só é necessária como é obrigatória. Nós já estivemos a conversar com o governador de Luanda, por exemplo, e já enviámos correspondência para formalizar algumas destas questões. Temos os chamados centros de apoio à pesca artesanal, que, em princípio, foram construídos de acordo com um padrão que devia suportar as descargas deste segmento. São estruturas com um mercado incluído. Na Ilha de Luanda, atrás do Clube Naval, existe uma estrutura destas, com mais de cem lugares para a venda de peixe. As embarcações ilegais que não querem pagar as taxas ao Estado não fazem mais nada senão descarregar pescado na floresta da Ilha de Luanda. Já estivemos a falar com o governador, para que o Governo Provincial de Luanda possa encontrar mecanismos de proibição dessas práticas - porque eles não atracam no local destinado e as receitas que o Estado devia receber não existem. Segundo, as condições higiossanitárias são um dos motivos para a importação de embarcações de fibra de vidro. Porque mesmo as chatas, ainda que bem tratadas, carregam sempre um grande risco de contaminação. Ainda em Luanda, na Chicala, existe um mercado meio arcaico, construído exactamente para tirar as senhoras do chão.
Só para citar um exemplo que até se repete noutras províncias, em Luanda, o mercado da Mabunda - um dos principais locais de venda de peixe - é um festival de águas paradas e de cor esverdeada, esgoto a céu aberto, casos de cólera e algumas montanhas de lixo. É seguro comprar peixe na Mabunda?
A Mabunda foi construída com todos os parâmetros, o problema é que é preciso fiscalizar o local. As pessoas continuam a vender fora do mercado. Vamos traçar um plano estratégico com o GPL para verificar isto. No Namibe, por exemplo, encontrámos um mercado construído com todas as bancadas, mas as pessoas querem vender do lado de fora. São produtos