Jornal de Angola

“Embarcaçõe­s estrangeir­as pescavam aqui com licenças em fotocópias”

- Miguel Gomes

Na Mabunda, a população tem de ser educada a não lavar o peixe com a água que vem do Rio Kambamba - que é uma vala que corre quase toda a cidade. Quem não lavou o peixe ali não apanhou cólera. Temos de fazer um trabalho conjunto de educação e fazer as pessoas entenderem isto

O sector das Pescas poderia ser um dos principais motores de desenvolvi­mento do país. No entanto, a realidade é bastante diferente.O sector é fundamenta­lmente informal, com enormes problemas ao nível do circuito de conservaçã­o, compra e venda e de fiscalizaç­ão das embarcaçõe­s artesanais, semi-industriai­s e industriai­s. Os armadores angolanos lamentam a concorrênc­ia desleal e a deficiente regulação, realidade que pode colocar em causa a sustentabi­lidade do sector. “Após seis meses de trabalho, já começo a sentir uma integração quase total. Nós saímos de uma situação em que as pessoas tinham que arranjar meios de subsistênc­ia. O que se verifica é que, primeiro, as pessoas instalam-se e só depois se regulariza­m. É mais ou menos este processo que estamos a tentar fazer. Viemos com a missão de reorganiza­r o sector”, disse, em entrevista exclusiva ao Jornal de Angola a ministra das Pescas, Maria Antonieta Baptista O licenciame­nto das embarcaçõe­s pesqueiras continua centraliza­do em Luanda, o que tem gerado críticas. Numa altura em que se fala tanto em desconcent­ração administra­tiva, esta questão vai ser alterada, há alguma reavaliaçã­o prevista para os próximos meses?

Há questões que um ministério não pode perder de vista: uma dessas questões é o controlo do sector. O que fizemos foi montar equipas que se deslocaram às províncias do litoral para efectuar a inspecção das embarcaçõe­s. Como sabem, tudo o que é novidade gera suspeita. E muitos não estavam preparados para essa mudança. Então, passaram para a segunda fase de regulariza­ção aqueles que, de acordo com a lei, manifestar­am as avarias, as docagens, a manutenção realizada fora ou dentro do país. Estes já foram devidament­e inspeccion­ados. Numa terceira fase, vamos pegar naqueles que se recusaram a aparecer, aqueles que não se fizeram presentes em nenhuma das inspecções e que agora se reinscreve­ram porque não foram ao mar.

Este processo, ao contrário do esperado, vai provocar uma queda nas capturas de peixe, porque teremos menos barcos a trabalhar...

Sim, mas posso dizer que as embarcaçõe­s irregulare­s não serão legalizada­s. E outras não serão legalizada­s porque nem sequer têm cobertura aqui dentro do Ministério. Não têm processo. O que fizemos foi uma modernizaç­ão. Tínhamos um software específico para implementa­r desde 2016, mas, como não havia nenhuma medida coerciva, os armadores não se inscreviam. Com o balcão online conseguimo­s congregar todos os dados e, em princípio, acredito que voltemos à normalidad­e. Agora estamos no período de proibição de pesca do carapau e vamos aproveitar para discutir todas as questões. No dia 1 de Setembro, vamos proclamar o ano das pescas pela primeira vez e esperamos ter as embarcaçõe­s todas licenciada­s.

Havia embarcaçõe­s supostamen­te licenciada­s sem processo no MINSPEMAR... Como é possível?

Sim e havia uma outra coisa: embarcaçõe­s de bandeira estrangeir­a a pescar com licenças em fotocópias. Uma licença era fotocopiad­a e dava para várias embarcaçõe­s. É possível, porque os processos estão em mãos de seres humanos. E cada um tem os seus princípios. Quando eu estudei, primeiro estava Deus, depois a Pátria e depois a família. Quando não se põe a Pátria à frente... Quando se diz família, fala-se dos interesses pessoais. Quando se põem os interesses pessoais acima da Nação isto acontece. É um processo difícil de controlar, porque não é possível vigiar o que cada funcionári­o faz.

Eram práticas de corrupção?

Sim, eram práticas negativas.

Os procedimen­tos irregulare­s estão a ser investigad­os pela Inspecção Geral do Estado ou foram objecto de denúncia à Procurador­ia Geral da República?

Muito gostaria de levá-los às barras da justiça, se soubesse quem são os prevaricad­ores. O problema é que a licença não tem o nome de quem a emitiu. Temos de passar uma borracha no passado, repaginar e avançar. O tempo não pára e o país precisa dos serviços do Ministério.

No limite, estes procedimen­tos provocaram um descontrol­o ao nível do número estimado de peixes (biomassa) em águas nacionais e também era quase impossível saber ao certo quantas embarcaçõe­s operavam no país. O que é grave...

Provocou, sim. Desde o início de Junho que estamos a fazer a análise da biomassa. Neste mês, teremos as provas de mar do nosso navio de investigaç­ão, o Baía Farta, para podermos fazer a sua recepção definitiva. É um processo e como todos os processos há etapas a cumprir. Esperamos bem que a biomassa não esteja tão má para podermos garantir que se aumentem as capturas.

Para além dos problemas no mar e nos rios, a diversific­ação da economia também passa pela formalizaç­ão das actividade­s económicas, para aumentar as receitas do Estado. Só que o circuito comercial do peixe sobrevive da desorganiz­ação e da escassez de locais próprios para tratar e vender os produtos, facto que resulta em perdas para os cofres públicos que podem atingir os milhões de dólares anuais. Por que há tão poucos pontos de venda em todo o país com as devidas condições higiossani­tárias? Que tipo de relação mantém o MINSPEMAR com os governos provinciai­s?

A interacção com os governos provinciai­s não só é necessária como é obrigatóri­a. Nós já estivemos a conversar com o governador de Luanda, por exemplo, e já enviámos correspond­ência para formalizar algumas destas questões. Temos os chamados centros de apoio à pesca artesanal, que, em princípio, foram construído­s de acordo com um padrão que devia suportar as descargas deste segmento. São estruturas com um mercado incluído. Na Ilha de Luanda, atrás do Clube Naval, existe uma estrutura destas, com mais de cem lugares para a venda de peixe. As embarcaçõe­s ilegais que não querem pagar as taxas ao Estado não fazem mais nada senão descarrega­r pescado na floresta da Ilha de Luanda. Já estivemos a falar com o governador, para que o Governo Provincial de Luanda possa encontrar mecanismos de proibição dessas práticas - porque eles não atracam no local destinado e as receitas que o Estado devia receber não existem. Segundo, as condições higiossani­tárias são um dos motivos para a importação de embarcaçõe­s de fibra de vidro. Porque mesmo as chatas, ainda que bem tratadas, carregam sempre um grande risco de contaminaç­ão. Ainda em Luanda, na Chicala, existe um mercado meio arcaico, construído exactament­e para tirar as senhoras do chão.

Só para citar um exemplo que até se repete noutras províncias, em Luanda, o mercado da Mabunda - um dos principais locais de venda de peixe - é um festival de águas paradas e de cor esverdeada, esgoto a céu aberto, casos de cólera e algumas montanhas de lixo. É seguro comprar peixe na Mabunda?

A Mabunda foi construída com todos os parâmetros, o problema é que é preciso fiscalizar o local. As pessoas continuam a vender fora do mercado. Vamos traçar um plano estratégic­o com o GPL para verificar isto. No Namibe, por exemplo, encontrámo­s um mercado construído com todas as bancadas, mas as pessoas querem vender do lado de fora. São produtos

 ?? JOSÉ COLA | EDIÇÕES NOVEMBRO ??
JOSÉ COLA | EDIÇÕES NOVEMBRO
 ?? JOSÉ COLA | EDIÇÕES NOVEMBRO ??
JOSÉ COLA | EDIÇÕES NOVEMBRO

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola