As crianças são únicas têm a mesma ternura
Todo o escrito começa numa ideia, desabrochada num facto, ou fecundada na criatividade da mente humana. Este foi parido pelo choro de uma criança, ser igual em todo o lado e em todo o lugar deste mundo. Do nada, senti-me num bairro qualquer de Luanda, levado por aquele grito resoluto do miúdo que, no momento, amaldiçoava o graúdo, desejoso, na sua inocência, de ser também já adulto e, por conseguinte, independente.
Retirei, por instantes, a atenção da leitura dos dados históricos e estatísticos, de que lancei mão para projectar os jogos Senegal-Tunísia e Argélia-Nigéria, o atractivo das meias-finais da Taça de África das Nações em futebol, disputados ontem, aqui no Cairo, para viajar ao som de um choro igual, numa língua diferente.
Senti, no grito daquela criança, cujo rosto não vi, da janela do quarto do hotel, a mesma ternura dos meninos da nossa terra, que um dia foram do Huambo e disseram que as estrelas são do povo. Apesar de não saber o que ao certo a fizesse chorar, encontrei no pranto daquela criatura a disposição para as traquinices do ser humano nesta fase da vida.
Assim pensei, com os meus botões, qual seria a razão do desconforto. Foi aí que me ocorreu. O miúdo queria continuar a jogar à bola, no campo comunitário de relva sintética, desejo ao qual a mãe se opunha, por ser já um final de tarde de sábado avançado no relógio. Se calhar o menino sonha ser um craque como Mohamed Salah, com a camisola dos Faraós, no CAN de 2027. Apenas o tempo saberá responder.
Confesso que senti uma saudável inveja da criança, porque mesmo num profundo pranto, ela tem um privilégio que os meninos da nossa terra nem na imaginação conseguem contemplar. Um campo comunitário para dar vida às habilidades motoras, carência que os impede de almejar fazer melhor em relação ao Bastos, Djalma Campos, Mateus Galiano e Gelson Dala, eliminados ainda na primeira fase, aqui no Egipto.
Com a instalação desses equipamentos desportivos na comunidade, o Estado estará, certamente, a fazer com que a presença de talentos como Capita e Zito Luvumbu, nos mundiais de Sub-17, seja uma constante, com garantias de crescimento sustentado, para que os Palancas Negras consigam, no desfile da bicharada do futebol africano, ser fortes ao lado das águias, dos leões, dos elefantes, das raposas, dos cavalos e até dos esquilos, esses minúsculos roedores, agora que o Madagáscar também compete.
Mas os ganhos não são apenas desportivos. Têm reflexo directo no tecido social. Trarão crianças e jovens saudáveis, com vivacidade na escola e robustez para servir nas Forças Armadas e na Polícia Nacional. Por osmose, serão menos camas ocupadas nos hospitais, óbitos e adolescentes e jovens a abraçar a criminalidade.
Lá voltei dos pensamentos e contive-me naquele choro, que é mesmo como outro qualquer, com base na certificação feita pela “showista” Solange Brunhoso, médica pediatra, pois criança é igual na exigência, na compreensão das coisas, nas traquinices, nas birras e, acima de tudo, na ternura. Apenas muda o lugar, porque a essência está na pureza do ser humano.