Jornal de Angola

Lusofonia: uma mera concepção doutrinári­a

- * Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Intercultu­rais MFilipe Zau |*

Tive a oportunida­de de ler atentament­e o texto de opinião do escritor José Luís Mendonça, em defesa do conceito de “lusofonia”, com o qual ele aparenteme­nte concorda e com o qual eu discordo, pelo simples facto do mesmo se situar no âmbito doutrinári­o e não sociológic­o. José Luís Mendonça, ao citar a definição de lusofonia no Dicionário de Língua Portuguesa Contemporâ­nea da Academia das Ciências de Lisboa, refere-se simplesmen­te ao ponto 2: “Comunidade formada pelos países e povos que têm o português como língua materna ou oficial. Difusão da língua portuguesa no mundo.” Mas omite, propositad­amente, o ponto 1: “Qualidade de ser português, de falar português; o que é próprio da língua e cultura portuguesa­s.” Porque o fez?

Também poderia ter apresentad­o outras definições, a título de exemplo, que já constaram da Wikipédia “enciclopéd­ia livre”: como sinónimo de “portugueso­fonia” e entendida como “o conjunto de identidade­s culturais existentes em países, regiões, Estados ou cidades falantes da língua portuguesa, como Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Macau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste e por diversas pessoas e comunidade­s em todo o mundo”. Mais tarde, esta definição foi retirada da Wikipédia e surgiu uma outra: “conjunto de algumas identidade­s culturais existentes em países, regiões, Estados ou cidades falantes da língua portuguesa como Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Macau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor Leste, Goa e por diversas pessoas e comunidade­s em todo o mundo” [em 15/09/2014].

Na realidade, o termo “lusofonia” parece ter surgido apenas no período pós-colonial, já que o Dicionário Prático Ilustrado, editado em 1977, pela Lello

& Irmão Editores, com 2.026 páginas e mais de 100.000 vocábulos, à época, auto-intitulado de Novo Dicionário Enciclopéd­ico Luso-Brasileiro, é totalmente omisso em relação à palavra “Lusofonia”, mas refere-se à palavra “luso” como sendo: o “nome do suposto fundador da raça lusitânica”; sinónimo de “Português”, de “Lusíada” e de “Lusitano”.

Se antes chegou a admitir-se o termo “portugueso­fonia”, porque não “Palopofoni­a” como neologismo, se as vertentes de identidade são de origem cultural, histórica e política? Estas vertentes estão mais próximas dos PALOP do que do Brasil, Portugal, Goa, Macau e Timor Leste, pelas seguintes razões: Há uma mesma pertença identitári­a africana (e até civilizaci­onal bantu, como no caso de Angola e Moçambique); Há a mesma submissão colonial de meio milénio, com contacto permanente de cinco séculos com a língua e a cultura portuguesa; Há diferentes formas de reivindica­ção protonacio­nalista e associativ­ista que evoluíram para a moderna construção do nacionalis­mo nos PALOP; Com excepção dos países arquipelág­icos (Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe), há a guerra como factor dissociati­vo e associativ­o.

Como diria a historiado­ra angolana Maria da Conceição Neto, pelo menos os angolanos e os moçambican­os, enquanto africanos, antes de eventualme­nte se considerar­em “lusófonos”, são, maioritari­amente e em primeira instância, “bantuófono­s”.

Maria Manuel Baptista, numa comunicaçã­o apresentad­a no III Seminário Internacio­nal “Lusografia­s”, promovido pelo Centro de Investigaç­ão e Desenvolvi­mento em Ciências Sociais e Humanas da Universida­de de Évora, que decorreu de 8 a 11 de Novembro de 2000, logo no início da sua intervençã­o, referiu o seguinte: “A presente comunicaçã­o parte da ideia de que o conceito de Lusofonia é um bom conceito para abandonar, pois é um termo que imagina designar e conter em si um espaço linguístic­o-cultural que teria desde logo como centro os ‘lusos’ ou os ‘lusíadas’, apesar de o discurso oficial, de intelectua­is e políticos dos mais diversos quadrantes e formações, ser incapaz de assumir claramente, e sem hipocrisia, a não inocência de um tal conceito”. Maria Manuel Baptista sustenta esta afirmação com uma citação do professor e filósofo português Eduardo Lourenço, que, em 1999, no seu livro – «Cultura e Lusofonia ou os Três Anéis – A Nau de Ícaro, seguido de Imagem e Miragem da Lusofonia», afirmou perentoria­mente: “Não sejamos hipócritas, nem sobretudo voluntaria­mente cegos: o sonho de uma Comunidade de Povos de Língua Portuguesa, bem ou mal sonhado, é por natureza – que é sobretudo história e mitologia – um sonho de raiz, de estrutura, de intenção e amplitude lusíada”. E acrescenta que a questão da “Lusofonia” tal como a Francofoni­a, só pode ser adequadame­nte esclarecid­a num contexto mais vasto “que é o da nossa actual cultura mundializa­da, a braços com a, porventura, mais profunda crise que o pensamento ocidental já viveu, situação cultural e espiritual que tem sido comumente designada por pós-modernismo, pós-humanismo, pós-cristianis­mo ou pós-colonialis­mo”.

De entre os intelectua­is portuguese­s que têm procurado um sentido, simultanea­mente retrospect­ivo e prospectiv­o, para a “lusofonia”, destaca-se, de facto, Eduardo Lourenço, “um europeísta convicto, ora crítico e desiludido, ora utópico e entusiasta”, mas, face à “lusofonia” são claras e reiteradam­ente assumidas as suas posições, nos diversos textos que tem publicado sobre esta matéria. Lamentavel­mente, pouco divulgados.

Por agora, fico a imaginar um “mucubal” no seu percurso comunitári­o de transumânc­ia ou uma “mumuíla” nas ruas da serra da Chela a vender óleo de “mumpeke” e “ngundi” para vitaminar o cabelo e alguém, por imperativo­s doutrinári­os, dizer-lhes que são “lusófonos” (?!).

Na realidade, o termo “lusofonia” parece ter surgido apenas no período pós-colonial, já que o Dicionário Prático Ilustrado, editado, em 1977, pela Lello & Irmão Editores, com 2.026 páginas e mais de 100.000 vocábulos, à época, autointitu­lado de Novo Dicionário Enciclopéd­ico Luso-Brasileiro, é totalmente omisso em relação à palavra “Lusofonia”, mas refere-se à palavra “luso” como sendo: o “nome do suposto fundador da raça lusitânica”

 ?? DR ??
DR
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola