Nunca fui advogada e juíza ao mesmo tempo, como pretendem insinuar
“Solicitei o fim da minha comissão no INEJ. Mas não acho que eu deva vir à imprensa justificar porque é que fiz isso. As razões do meu pedido foram apresentadas às entidades de quem o Instituto depende”
Luzia Sebastião é juíza conselheira jubilada do Tribunal Constitucional, onde trabalhou desde a sua criação, em 2008, até 2017. Nomeada no ano passado directora-geral do Instituto Nacional de Estudos Judiciários (INEJ), a também professora de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto confirma o pedido de demissão de directora do INEJ e diz que deixou de ser advogada depois que foi indicada para juíza do Tribunal Constitucional. Tinha a ideia de criar escolas de formação de magistrados nas cinco regiões onde vão ser instalados tribunais da Relação Quando é que deixou de exercer a advocacia?
Sempre exerci advocacia, sempre tive escritório de advogados depois que, em 1991, deixei o Ministério da Justiça. Enquanto estive no Ministério da Justiça não exerci advocacia, porque trabalhava no Gabinete Jurídico, que era o órgão do Ministério da Justiça onde se faziam os pareceres jurídicos. Portanto, tínhamos sempre alguma limitação em relação ao exercício da advocacia. Saí do Gabinete Jurídico do Ministério da Justiça em 1991, e aí, sim, comecei a exercer advocacia.
Nesta altura, até ao ano de 1999, sempre tive escritório de advogados. Inicialmente estava sozinha, depois juntei-me a duas colegas, a Dra Isabel Pelinganga e a Dra Conceição Sango.
Houve uma altura que interrompeu...
Em 1999 vou para Coimbra (Portugal) para fazer a parte escolar do mestrado e era obrigada a lá ficar. Quando regresso de Coimbra, e porque escrevi a minha tese aqui, sentei-me com as colegas do escritório e chegamos a acordo de que eu não devia continuar, porque não teria tempo para atender o escritório. Então desfizemos o escritório e eu encontrei um espaço mais pequeno. Montei o meu pequeno escritório e fui escrevendo a minha tese e trabalhando no escritório quando pudesse.
Quando é que voltou a juntar-se a outros colegas?
Depois que terminei o mestrado, continuei a fazer o meu trabalho de advocacia. Já estamos a falar de 2003/2004, que foi a altura em que o meu escritório, da Teresinha Lopes e a Paulete Lopes e o escritório do Fernando Faria de Bastos resolvemos então juntar-nos e fazer um escritório grande, que foi funcionar num prédio ao Quinaxixe, no sétimo e oitavo andares, e aproveitámos também a parte do terraço e criámos ali condições. Não obstante tivéssemos aí o escritório, a instalação não era nossa, era do proprietário do imóvel e tínhamos uma renda mensal a pagar. Embora o escritório tivesse rendimento, mas não era suficiente para estarmos à vontade para cumprirmos o pagamento regular das rendas.
Foi quando decidem criar a Oficina de Negócios?
É nesse quadro, como tínhamos clientes do escritório que trabalhavam em Contabilidade e conhecíamos também algumas pessoas que trabalhavam em Contabilidade, achamos que para apoiar o escritório, particularmente na questão de termos sempre o valor necessário para pagarmos a renda de forma regular e atempada, foi então que criámos a Oficina de Negócios. Nós éramos os sócios do escritório de advogados Fernando Faria de Bastos, Miguel Faria de Bastos, Teresinha Lopes, Paulete Lopes, e eu, num primeiro momento, e depois chegou a Guiomar Lopes, que é irmã da Paulete Lopes. Daí as iniciais do escritório, que inicialmente começou por ser FBSL(FB de Faria de Bastos, S de Sebastião e L de Lopes), porque a Teresinha é Lopes, a Paulete é Lopes e a Guiomar também é Lopes.
Quem eram os sócios da Oficina de Negócios?
Os sócios do escritório de advogados constituíram uma sociedade para fazer trabalhos de consultoria e trabalhos relacionados com Contabilidade. E essa demos o nome de Oficina de Negócios. Havia uma coincidência dos sócios do escritório de advogados e dos sócios da Oficina de Negócios.
A Oficina de Negócios é uma sociedade comercial e ela precisa de regularmente actualizar o seu registo na matrícula. Ela terá sido constituída em 2003/2004 e, nessa altura, nem sequer me passava pela cabeça que eu seria juíza do Tribunal Constitucional. Nem sequer se falava em Tribunal Constitucional, não obstante a figura constasse da Constituição de 1992. Portanto, não tinha ainda sido instituído o Tribunal Constitucional.
Entretanto, acabou por deixar a FBSL ....
Comecei a ter alguma dificuldade e acabei por deixar a sociedade. Deixei o escritório de advogados FBSL, mas não deixei de ser sócia da Oficina de Negócios. Não exercia lá gestão, era apenas uma sócia, e a Oficina de Negócios só tem de comum os mesmos sócios que são os sócios do escritório de advogados. Portanto, não exerce advocacia nem tem vocação para exercer advocacia e em momento algum exerceu advocacia. A Oficina de Negócios, o que faz, essencialmente, é trabalhos de Contabilidade.
Muito me espanta que as pessoas tenham tido a preocupação de vir dizer que, enquanto juíza, eu exerci advocacia. Não. Eu tinha o meu escritório de advogados, já não estava na FBSL, e quando em 2008 fui chamada para o Tribunal Constitucional, entreguei o meu escritório a um grupo de colegas, deixei-os lá ficar e nunca mais lá voltei.
Confirma o pedido de demissão do INEJ?
Efectivamente, não lhe vou dizer que não pedi. Mas não tem nada a ver com a história que contaram aí. É exactamente isso que é prejudicial, é isso que não interessa a um bom jornalismo que se pretende que na nossa terra se faça. Se estes senhores tiveram esta informação, não lhes custava absolutamente nada virem perguntar se é verdade ou não é verdade. Efectivamente sim, eu solicitei o fim da minha comissão no INEJ. Mas não acho que eu deva vir à imprensa justificar porque é que fiz isso. As razões do meu pedido foram apresentadas às entidades de quem o Instituto depende. Não sei qual é o interesse das pessoas em ligar esta minha saída a factos que não têm nada a ver com ela.
Está no INEJ há um ano e vai deixar a instituição. Cumpriu a sua missão?
Não consegui cumprir aquilo que me propus fazer. O que me propus era a ideia de fazer do INEJ, primeiro, uma escola com características de escola de formação de magistrados. E, sobretudo, tentar resolver uma questão que é das mais angustiantes que vivem as pessoas que querem fazer a magistratura: que é o facto de esta ser a única escola, o único sítio e não poder abarcar a quantidade de pessoas que querem fazer a magistratura e que o país precisa.
Como é que isso se concretizaria?
A grande ideia era, porque agora vamos ter os tribunais da Relação, que obedecem a uma organização regionalizada, então em cada uma dessas áreas criar as escolas. Então, cada Relação teria agregada também uma escola de formação e Luanda teria também a sua, porque Luanda também é uma região. E esta casa grande seria para ditar as metodologias de trabalho e a formação contínua dos juízes, porque precisam permanentemente de fazer formação e é preciso ter um programa. A escola tem que estar organizada e capacitada para fazer esse acompanhamento.
Qual seria a principal vantagem?
As pessoas de Benguela, do Lobito, do Bié, do CuanzaSul, do Huambo não precisariam de lutar para vir ter um lugar em Luanda, porque teriam a sua escola ali naquela zona. Os da Huíla, Cuando Cubango, Namibe, Cunene não precisariam de lutar aqui em Luanda porque lá haveria uma escola. Os do Uíge, Malange, Zaire e Cabinda também não precisariam de lutar porque teriam a escola de formação. E esta (INEJ) seria a mãe. Esta era a ideia que vai ficar como ideia, porque também não tinha a pretensão de ser o supra sumo das ideias. Se, depois, os colegas que continuarem aqui acharem que é uma ideia que vale a pena desenvolver e aprofundar, eventualmente, pegarão nela, e se eu não tiver morrido, estarei aí. Não tenho este problema, não preciso de ser o director do INEJ para poder trabalhar nas coisas e ajudar a fazer as coisas.
É avessa a cargos?
Cargos não fazem parte do meu perfil. Se os senhores repararem, eu nunca, para além de ser juíza do Tribunal Constitucional e agora directora do INEJ, fui, há muitos anos lá atrás, directora do Comité Central do MPLA e depois directora do Gabinete Jurídico do Ministério da Justiça. As pessoas não me viram em cargos, mas viramme na Universidade a dar aulas, porque isso é que eu sou, eu sou uma professora e é aí onde quero estar, a ensinar as pessoas.