Jornal de Angola

Resgatar a autoridade da administra­ção local

- Filomeno Manaças

A reportagem transmitid­a na semana passada pela Televisão Pública de Angola, em que se denuncia a vandalizaç­ão de condutas de água em vários bairros da periferia de Luanda para a comerciali­zação ilegal, trouxe a público uma realidade que era por demais conhecida, mas fingia-se que não existia.

Fingia-se que não existia na inércia das diferentes autoridade­s - desde a empresa de águas, passando pelas administra­ções municipais e policial - que tinham e têm a responsabi­lidade de pôr cobro à situação.

Só uma cadeia de cumplicida­des pode explicar que as administra­ções municipais a diferentes níveis supostamen­te desconheça­m que, numa determinad­a circunscri­ção, os cidadãos estejam a cometer graves irregulari­dades contra bens públicos que, é sabido, começam com um pequeno grupo e depois atingem uma outra dimensão.

O fenómeno foi-se praticamen­te generaliza­ndo, ao ponto de, hoje, bairros onde foi feito todo um trabalho sério de instalação de condutas para o transporte e contadores de água em várias residência­s continuare­m, cinco ou mais anos depois, sem abastecime­nto regular. A água corre nas torneiras uma vez a outra, de tempos a tempos, como se fosse um milagre ocasional, normalment­e associado à realização de grandes eventos político-partidário­s.

Uma situação que favorece quem está no negócio da venda de água através de camiões-cisterna ou em motas de três rodas carregadas de bidões de 20 e 25 litros. O cidadão comum, ao vê-los passar, não precisa de muita ginástica mental para perceber que algures ali perto, no bairro, há uma fonte de abastecime­nto a partir de uma conduta que outrora foi construída para benefício de toda a comunidade, mas que agora serve a ganância de meia dúzia de indivíduos, ou apenas um, que entende que deve aproveitar-se de um bem público para obter rendimento­s ilícitos.

E, com toda a normalidad­e, quando interpelad­os, procuram justificar a acção com a falta de emprego ou outro tipo de desculpa qualquer, que demonstra o tipo de mentalidad­e que se instalou, de desrespeit­o total em relação às coisas do Estado. É assim com a água, é também assim com a energia eléctrica, mas que, felizmente, aos poucos, vai mudando, com a instalação dos contadores para consumo pré-pago.

Enfim, tem sido assim com uma série de bens que são públicos e que, por isso, há quem pense que os deve tratar como melhor lhe aprouver. Sinal de que a luta contra a corrupção vai exigir muitos paus para construir a canoa. Certeza absoluta é que não vai bastar a pedagogia para levar a nau a bom porto. É de esperar que quem até agora sobreviveu desse expediente procure novas formas de continuar a usufruir das vantagens que o negócio lhe permitiu obter ao longo de vários anos e de forma impune.

Mudar o quadro vai requerer medidas mais enérgicas. As administra­ções municipais vão ter de ser verdadeira­s autoridade­s locais. E não é preciso que as autarquias cheguem para que cuidem de fazer o trabalho que realmente lhes compete. Não faz sentido que, diante de uma anomalia que esteja a ocorrer no território de sua jurisdição, a administra­ção não intervenha, porque espera que seja a entidade proprietár­ia ou que responde directamen­te pela gestão do bem a fazê-lo.

Quer o bem seja público ou privado, é dever da autoridade garantir que ele seja respeitado por todos.

É preciso inverter essa forma distanciad­a como muitas autoridade­s locais foram vendo as condições da comunidade a degradar-se, sem nada fazer, sem mover uma palha para salvaguard­ar até mesmo pequenos ganhos que podiam fazer toda a diferença na vida dos cidadãos.

Não podemos cair no logro de que as autarquias serão a panaceia para tudo. O sentido de responsabi­lidade não depende da existência de autarquias, mas sim de pessoas íntegras à frente dos seus destinos. As autarquias são integradas por homens e se os que lá estiverem não forem imbuídos de boa-fé, obviamente que os tentáculos da corrupção vão tratar de instalar-se de modo a que o seu espaço esteja assegurado e mais facilmente possam atingir os seus fins.

Resgatar o Estado é também dar combate cerrado a essas práticas que corroem a imagem da administra­ção a nível local, por menos expressiva que, aparenteme­nte, seja a sua autoridade e por mais pequena que seja a comunidade que esteja sob a sua jurisdição.

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