Lições para os vários Dundos
O caos que vi na centralidade do Dundo, e em várias localidades, poderá certamente ser resolvido não olhando para o passado, para o tempo do colono que findou há mais de quatro décadas, mas para o que está a ser feito no Planalto Central, na Aldeia Camela Amões. Lá, como já disse, está a surgir uma arquitectura angolana que, em muitos casos, é também bastante arrojada
A minha excursão por Angola levou-me ao Dundo, Lunda-Norte, onde fui logo levado para a centralidade — uma espécie de mostruário dos avanços que foram feitos para superar as insuficiências no sector habitacional. Antes, passamos algum tempo no Dundo e Lucapa para apreciar as antigas casas da Diamang. Tinha ouvido muito falar da organização e eficiência no sector habitacional. Não há dúvida que a Diamang tinha feito um bom trabalho na construção de casas. Havia, até, edifícios com arquitectura bastante interessante.
Muitas destas casas fizeram-me lembrar a Zâmbia, país da minha infância; as casas dos técnicos nas áreas das minas eram vastas, tinham jardins e anexos. Como na Zâmbia, as casas no Dundo estão bem intactas, embora o desleixo de décadas teve os seus efeitos. Os habitantes do Dundo vão ter que ver a arquitectura da Diamang como uma herança. Parece, também, haver uma indiferença às paisagens da cidade: os jardins não são regados; os edifícios não são pintados. Claro que sei da condição insuportável de muitos negros no tempo colonial. No Dundo, mais de um mais velho disse-me que o sistema educacional colonial fazia tudo para impedir o avanço dos indígenas. Enquanto, por exemplo, um cidadão branco da Nação portuguesa movimentava-se livremente nas Lundas, os negros precisavam de passes especiais. Havia, também, um clima em que o negro era sempre suspeito de ser kamanguista. Isto hoje não existe. Na Lunda-Sul e Norte encontrei muitos jovens que sabem do imenso potencial da região em que vivem; muitos estão conscientes também que o progresso tem que ser feito num clima que permite e encoraja muita introspecção.
Em 2007, escrevi um ensaio no então “Semanário Angolense” sobre as lições que o Kilamba poderia tirar em Kabwata Estates, uma centralidade na capital zambiana que nos anos 1970 era visto como um exemplo admirável no sector habitacional. Havia prédios em Kabwata Estates que saiam muito bem na fotografia. Com os anos, e um desleixo prolongado, ninguém quer viver em Kabwata Estates. Mesmo membros da classe média e baixa da Zâmbia preferem viver em localidades com muito espaço e em casas capazes de conter grandes famílias, com anexos, e possibilidade de jardins. Esta foi a filosofia que norteou a Diamang nas Lundas. Na aldeia Camela Amões, onde hábito há um ano, esta também é a mesma filosofia — uma arquitectura angolana que combina com os valores locais. As casas da Aldeia Camela Amões são para as pessoas e não o contrário.
De longe, a centralidade do Dundo é impressionante — um horizonte multicolorido que sugere um estabelecimento altamente urbanizado e sofisticado. Quando alguém sai da viatura a realidade é outra. O cheiro do lixo, que não é recolhido, é quase insuportável. Vi várias pessoas a tentar queimar o lixo perto dos edifícios. As ravinas estão, também, a ameaçar os edifícios. Tudo está mais do que claro que a centralidade do Dundo terá o mesmo fim que Kabwata Estates. Já há janelas e portas partidas e que não são reparadas, etc. Há, até, pessoas a vender coisas de uma forma desordeira debaixo dos prédios. Será que existe uma estrutura adequada para sustentar a centralidade do Dundo? As autoridades a supervisionar esta centralidade vão mesmo ter que aprender das outras experiências.
Quando se fala do lixo na centralidade do Dundo, a resposta imediata é que o povo nos apartamentos veio directamente das aldeias. Estas afirmações são sempre feitas num tom que evidencia um profundo snobismo. As pessoas que estão a entrar nas casas que deixam Ocidentais boquiabertos na Aldeia Camela Amões também vieram directamente de aldeias. Muitas dessas pessoas são meus parentes muito próximos. Outro dia, parei numa casa social na Aldeia Camela Amões para tirar uma foto de uma casa com uma horta cheia de plantas ao lado. Uma velha gritou o meu nome do umbigo “onduko yopo opa”, já que tenho o nome do irmão do meu pai, Sakanjo. Entrei na casa da velha prima do meu pai e fiquei impressionado com a ordem e limpeza lá dentro.
É que nisto tudo, o empresário Segunda Amões tinha um programa que preparava as pessoas para adaptarem-se de uma forma salutar à vida nas novas casas. Na Aldeia Camela Amões, há fiscais que garantem que o nível de vida se mantenha alto. Disseram-me que no tempo da Diamang no Dundo havia também fiscais. O caos que vi na centralidade do Dundo, como em várias localidades, poderá certamente ser resolvido não olhando para o passado, para o tempo do colono que findou há mais de quatro de décadas, mas olhando para o que está a ser feito no Planalto Central, na Aldeia Camela Amões. Lá, como já disse, está a surgir uma arquitectura angolana que, em muitos casos, é também bastante arrojada.