Rectificar para ratificar o Acordo Ortográfico
Poucos anos após a independência de Angola, o primeiro Presidente da República de Angola, Dr António Agostinho Neto, afirmou em 1977, na União dos Escritores Angolanos (UEA), que “o uso exclusivo da língua portuguesa, como língua oficial, veicular e utilizável actualmente na nossa literatura, não resolve os nossos problemas. E tanto no Ensino Primário, como provavelmente no Médio, será preciso utilizar as nossas línguas.”
Também a Declaração Constitutiva da CPLP, assinada em 1996, considera imperativo: “envidar esforços no sentido do estabelecimento em alguns Países Membros de formas concretas de cooperação entre a Língua Portuguesa e outras línguas nacionais nos domínios da investigação e da sua valorização”. O Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa de 1990 ignora totalmente este aspecto. Porém, o Brasil soube antecipadamente salvaguardar aspectos do seu património cultural, no que respeita às palavras de origem tupi-guarani. Será que a parte africana está, por ventura, a procurar salvaguardar os seus legítimos interesses, nomeadamente, a dupla consonância na linguística bantu?
Com o lançamento de três livros editados pela Mayamba, que se debruçam sobre o Acordo Ortográfico de 1990 (AO), passou a sociedade civil angolana a dispor de um conjunto de informações mais precisas sobre a posição oficial de Angola nesta matéria.
A “Oficina de Trabalhos sobre o Acordo Ortográfico de 1990”, refere-se à publicação das actas de um primeiro Encontro, realizado no Museu de História Natural, entre 28 e 30 de Julho de 2008, com linguistas, sociolinguistas, sociólogos, economistas, juristas, engenheiros informáticos e especialistas na área das Relações Internacionais, convidados pela Comissão Nacional do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (CNIILP), órgão dependente do Ministério da Educação. No anexo desta brochura, encontra-se também a seguinte documentação: “Acordo Ortográfico de 1945”; “Conclusões Complementares do Acordo de 1931”; “Bases Analíticas do Acordo de 1945”, “Protocolo de Encerramento da Conferência de Lisboa”, de 6 de Outubro de 1945; Lei brasileira nº 5.765 de 18 de Dezembro de 1971”; e “Decreto-Lei português nº 32/73 de 6 de Fevereiro”. Um conjunto de recomendações apresentadas naquela Oficina de Trabalho, não deixou de levantar legítimas preocupações de carácter económico, jurídico, diplomático, tecnológico, pedagógico, linguístico e cultural, numa incessante procura “do que somos e o que queremos construir”.
O “Parecer sobre o Acordo Ortográfico de 1990” foi o segundo livro editado. O mesmo apresenta um parecer técnico sobre os aspectos positivos do AO, as aporias (já que, cientificamente, há aspectos não explicados e outros não verificáveis) e os constrangimentos, face à perspectiva utópica de uma única grafia da língua portuguesa, ao elevado número de palavras com dupla grafia e à inexistência de um Vocabulário Ortográfico Comum.
Nas conclusões da VII Reunião dos Ministros da Educação da CPLP, realizada em Luanda, em Março de 2012, corroboradas pela VIII Reunião dos Ministros da Cultura da CPLP, em Abril desse mesmo ano, também em Luanda, há dois aspectos de capital importância que se tornam necessários implementar: o de se “proceder a um diagnóstico relativo aos constrangimentos e estrangulamentos na aplicação do Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa de 1990” e o de se proceder a “acções conducentes à apresentação de uma proposta de ajustamento do Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa de 1990, na sequência da apresentação do referido diagnóstico”. Face às aporias e constrangimentos já identificados, torna-se necessário “rectificar para ratificar”, salvaguardando, por outro lado, os aspectos relevantes do nosso acervo patrimonial, que incluem também a língua portuguesa como factor de identidade cultural e política e como propriedade dos países, nações e cidadãos que a utilizam.
Na realidade, as premissas do Acordo Ortográfico de 1900 assentam em três falsos pressupostos: não une a ortografia; pelo excesso de excepções à regra, não facilita a alfabetização (e no caso africano, a ausência de consoantes mudas, dificultará ainda mais as questões de dicção das palavras (localização dos acentos tónicos); não viabiliza a promoção e difusão da Língua Portuguesa nos fora internacionais, já que esse processo dependerá, tão-somente, do pagamento a tradutores.
“Nós queremos que a decisão que vier a ser tomada sobre este assunto seja um consenso criado à volta da intervenção de toda a população angolana, desde os intelectuais, políticos e cidadãos em geral”, afirmou o ex-ministro da Educação, Dr. Pinda Simão. Da minha parte acrescento que, um acordo desta natureza, não se aprova simplesmente por decreto, sem um consenso generalizado das sociedades envolvidas que o tenham de aplicar.
A “Oficina de Trabalhos sobre o Acordo Ortográfico de 1990”, refere-se à publicação das actas de um primeiro Encontro, realizado, no Museu de História Natural, entre 28 e 30 de Julho de 2008, com linguistas, sociolinguistas, sociólogos, economistas, juristas, engenheiros informáticos e especialistas na área das Relações Internacionais
* Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Interculturais