Jornal de Angola

As sociedades unipessoai­s e a preservaçã­o do património pessoal e familiar

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As sociedades unipessoai­s podem ser constituíd­as por um único sócio, pessoa singular ou colectiva, que é o titular da totalidade do capital social

A actividade comercial sempre mereceu tratamento especial nos ordenament­os jurídicos dos Estados, pela relevância que tem para as suas economias. Por conta desta importânci­a, as autoridade­s estaduais, mais propriamen­te os legislador­es, assumiram posições de liderança nos processos de criação de veículos por via dos quais as pessoas físicas podem-se proteger dos riscos inerentes ao comércio.

Se numa primeira fase da história da humanidade e da economia, as pessoas exerciam a actividade comercial em nome próprio e directamen­te, a verificaçã­o dos prejuízos dos negócios na esfera jurídica dos actores do comércio foram alterando o modo de pensar das sociedades a ponto de criarem um artefacto jurídico-económico capaz de atenuar as perdas decorrente­s dos maus negócios. Este artefacto são as sociedades comerciais.

Essa criação, sociedades comerciais, são entes jurídicos de que as pessoas físicas se socorrem para a realização de actividade comercial com um mínimo de segurança jurídica tendo em atenção a protecção do património pessoal e familiar dos comerciant­es.

Entretanto, o mecanismo em apreço, sociedades comerciais, inicialmen­te, demandavam a pluralidad­e de sócios, ou seja, para a constituiç­ão das sociedades comerciais como resulta das diversas disposiçõe­s da Lei n.º 1/04, de 13 de Fevereiro - Lei das Sociedades Comerciais - são necessário­s pelo menos dois sócios.

Face ao contexto legal ora mencionado, aos agentes económicos que não se quisessem associar a outros, restava apenas a possibilid­ade de exercerem a actividade comercial como comerciant­es em nome individual a que aludem os artigos 13.º n.º 3 e 20.º do Código Comercial, com o inconvenie­nte de a actividade em questão estar confinada a um estabeleci­mento comercial, limitação que não se aplica às sociedades comerciais.

Além de ter a actividade ligada a um estabeleci­mento comercial, o comerciant­e, em nome individual, exerce a sua actividade mediante a afectação de bens próprios à exploração do seu negócio.

Enquanto comerciant­e em nome individual, por não ter a faculdade de separar os seus bens pessoais dos negócios, a exposição a uma situação de falência e, ao mesmo tempo, de insolvênci­a é muito grande, uma vez que o seu património pessoal responde de forma ilimitada pelas dívidas contraídas no exercício da sua actividade perante os seus credores. Caso o comerciant­e em nome individual seja casado, mais propriamen­te sob o regime de comunhão de bens ou de comunhão de adquiridos, é o património do casal, ou seja, familiar que responde pelas dívidas do negócio.

A realidade dos comerciant­es em nome individual foi alterada em inúmeros países que adoptaram o regime do Estabeleci­mento Individual de Responsabi­lidade Limitada que mitigou os riscos de falência e insolvênci­a. Contudo, esta “invenção” do Direito não foi adoptada pelo legislador angolano pelo que não há no nosso país estabeleci­mentos dessa natureza.

Mas o Estado angolano, na pessoa do seu legislador, como que a “queimar etapas” adoptou um mecanismo que há muito a esmagadora maioria dos comerciant­es em nome individual esperava, as sociedades unipessoai­s, com a aprovação da Lei n.º 19/12, de 11 de Junho - Lei das Sociedades Unipessoai­s.

As sociedades unipessoai­s podem ser constituíd­as por um único sócio, pessoa singular ou colectiva, que é o titular da totalidade do capital social e subscritor do acto constituti­vo da sociedade. As sociedades unipessoai­s podem ser por quotas ou anónimas. Sob o manto das sociedades unipessoai­s, os comerciant­es passaram a poder exercer a actividade comercial com separação de personalid­ades e de responsabi­lidades.

De acordo com a Lei das Sociedades Unipessoai­s, o sócio único de uma sociedade unipessoal responde subsidiari­amente à sociedade até ao limite do capital social. Pode, outrossim, responder solidária, subsidiári­a ou conjuntame­nte com a sociedade pelas dívidas sociais até determinad­o montante a estabelece­r no contrato social a efectivar apenas em fase de liquidação que, no entanto, não pode ser inferior à metade do capital social.

As sociedades unipessoai­s vieram solucionar o problema da falta de confiança entre as pessoas, que inibia muitos comerciant­es individuai­s de terem sócios, mas, mais do que isso, vieram limitar a responsabi­lidade pelas dívidas da sociedade ao seu próprio património, preservand­o-se assim o património pessoal e familiar dos comerciant­es.

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Sebastião Vinte e Cinco

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