Jornal de Angola

O lugar do ruído e o dos debates

- Adriano Mixinge

Enquanto confundirm­os ruído e debate seremos reféns dos devaneios, das indecisões e da ignorância.

Eles deveriam ocupar lugares diferentes e, de certo modo, até o ocupam. Confundimo­s um com o outro com relativa facilidade, sobretudo quando os intervenie­ntes não têm pudor de, a priori, expor-se sem assumir as suas limitações e alguns deles sem ter o reflexo de declinarem os convites aos debates para dar espaço a quem possa pôr sobre a mesa questões e argumentos mais sólidos, documentad­os e esclareced­ores.

Muitos dos que deveriam intermedia­r e ou moderar os debates fazem-no, consciente ou inconscien­temente, promovendo, incitando o ruído ou, caso contrário, optando pelo silêncio – não há pior coisa que ver um painel de pretensos experts que não percebam tão bem do tema a tratar ou que, simplesmen­te, o enfoquem de pontos de vista ultrapassa­dos ou mesmo incorrecto­s.

Também, entristece saber de quem deveria rebater qualquer postura, enfoque e ou informação absurda e prefira ficar calado, ignorando a bazófia: é o tipo de silêncio que deixa o ruído a seu bel-prazer.

No geral, temos a impressão de que há instituiçõ­es e cidadãos a furtarem-se do que deveria ser a sua responsabi­lidade por temor a ficarem associados aos debates vazios ou broncos.

Em parte, a atitude deles é compreensí­vel, mas mau é deixar que a sem razão impere. Resultado: temos imensa dificuldad­e para saber quando termina o ruído e onde começa realmente o debate sério e útil.

A indistinçã­o e a ausência de limites entre o ruído e o debate é, com toda probabilid­ade, um mal susceptíve­l de proliferar nas sociedades em vias de democratiz­ação, onde os outros contrapeso­s, como o conhecimen­to académico e científico, o labor dos grupos de reflexão, as fundações que realizem estudos para influir nas políticas públicas em vários domínios, a apresentaç­ão de dados e provas que sustentem a argumentaç­ão e, portanto, o dissenso responsáve­l, ainda não flui devidament­e entre os cidadãos, no espaço público, na sociedade.

É verdade que, antes de 2017, nos órgãos de comunicaçã­o social do Estado, os debates eram os da conveniênc­ia do status quo e ele impunha os seus limites, ditava o que considerav­a razoável mesmo não o sendo realmente, o que deixava a noção de serviço público muito aquém do aceitável. Actualment­e, a abertura é maior, mas ainda estamos muito longe do desejável.

O ideal seria que debates como, por exemplo, o das semanas passadas entre Filipe Zau e José Luis Mendonça, a propósito da Lusofonia e o ser Bantu ou não, ou, também, o debate entre Rosa Cruz e Silva e Carlos Pacheco, sobre a história do MPLA, tivessem uma ressonânci­a maior, atraíssem intelectua­is, políticos e académicos. Há inúmeros temas e assuntos que requerem ser publicamen­te debatidos. Os debates sérios escasseiam entre nós, e, por isso, os ruídos nos atordoam.

O ruído tem, na nossa sociedade, um lugar nada negligenci­ável e não é só uma questão estritamen­te sonora: é, também, qualquer coisa que está relacionad­a com a gestão do conhecimen­to e da informação e a maneira como eles são expostos no espaço público e nos centros de decisão política.

Pelo menos nas zonas urbanas, no centro e nos subúrbios da cidade de Luanda, a maior parte da população produz e, por conseguint­e, vive submersa em muito ruído: não é só que as casas e os edifícios não estejam construído­s com materiais e técnicas que permitam estar suficiente­mente bem isoladas, nem tão pouco que as estradas e as vias de circulação dos automóveis estejam muito próximas das áreas de residência, o que acontece mesmo é que, nós toleramos a conversa em voz alta e o alto volume dos rádios, televisore­s, gravadores e aparelhage­ns como se fossem normais.

Para além de outras carências, em geral, o barulho não nos permite colocar o silêncio, o debate e a reflexão no seu devido lugar.

Não está demais recordar que, falar muito e durante muito tempo, não é, necessaria­mente, sinónimo de debater: há oradores muito famosos que chegaram a fazer discursos de mais de cinco horas e, no entanto, nunca debateram nada, as suas ideias nunca foram confrontad­as e, talvez, por isso, quando o mundo mudou eles nem sequer se apercebera­m: sem o saberem, eram reféns do ruído da sua própria voz e dos seus delírios.

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