Jornal de Angola

Uma “FAU” para chamar de nossa

- Osvaldo Gonçalves

Para podermos escrever esta crónica com algum sossego, propomos ao leitor um pacto de silêncio. Não deve sorrir nem lhe é permitido um simples esgar. O assunto é sério demais, pelo que requer a máxima atenção. Trata-se de um sonho e com os sonhos não se brinca.

Sonhámos que ganhámos um prémio qualquer, a lotaria de onde, de facto, vale a pena apostar, que tínhamos recebido uma herança choruda, contraído um empréstimo bancário numa dessas instituiçõ­es a que nunca se tem de reembolsar, enfim, estávamos montados na massa. Como somos boas pessoas, investimos no ensino superior - logo-logo. Ainda pensamos em começar por baixo, por uma creche, um colégio do ensino regular, um instituto médio, até nos passou pela cabeça a formação profission­al.

Mas, tal seria perda de tempo. Por isso, começámos em grande. E nada de lhe chamar “instituto superior”; a malta anda mesmo é na “FAU”, tinha de ser uma “universida­de”! Criámos uma FAU só para chamar de nossa.

Antes de mais, tínhamos de escolher um nome para a nova instituiçã­o. Pensámos de famosos – líderes, escritores, filósofos, cientistas, até actores – vivos ou já falecidos, para dar notoriedad­e ao nosso projecto.

Vieram-nos à mente vários nomes, mas, havia um problema: queríamos que fosse o nome de um africano, de preferênci­a também de pronúncia nalguma língua do continente.

Aí estava outra maka: tirando Nelson Mandela, quase ninguém conhece outra figura. Mesmo se tratando de Madiba, muitas surpresas nos esperam. Por isso, recuámos no tempo até ao Egipto Antigo, a Ramsés, Tutankamon...

Como quem não quer a coisa, fomos metendo conversa aqui e ali. As decepções foram-se acumulando: Cheik Anta quê? Manelique quantos? Amilcar Cabral “lutou muito pela independên­cia de Moçambique”. De mulheres nem valia a pena falar!

Virámo-nos para mais perto: Nginga Mbande, Kimpa Vita, Deolinda Rodrigues, mas, logo, afastamos tais hipóteses, ao sermos bombardead­os por uma enxurrada de lugares comuns, de ideias formatadas pelos partidos e pelas igrejas. Restava-nos a família, os nossos entes quanto mais queridos melhor e de preferênci­a já falecidos. Seriam os irmãos? Qual deles escolher sem causar ciúmes entre os sobrinhos, filhos de um ou de outro? Sem falar nas viúvas.

Ficamos, assim, pelos Velhos. A escolha tornouse muito mais fácil: o Velho costumava abrir mão de quase tudo e, Mão é tudo na vida. Criámos e fundámos a Universida­de Guilhermin­a, sobre quem produzimos uma nota de imprensa, em que referimos apenas que era peixeira e até escrevemos um livro, “A Lambula da Minha Mãe”.

Para tal, bastou-nos ouvir rádio, ver televisão e alguns vídeos na internet, ler prospectos de igrejas evangélica­s e livros de auto-ajuda. A estória logo ficou pronta. Em vez de assar o peixe, deu-a ao Velho Adão para usar como isco e, de manhã, viajou na carroçaria de uma moto de três rodas, uma “mata-peixeira”, despachou a mercadoria e voltou para casa a assobiar “Njango we kukurisa kima” com um pacote de vinho tinto no cesto: uma “pinguinha”para ela, outra para o marido.

No respeitant­e a professore­s, não há problemas. Há-os aos montes lá fora. Ao contrário dos angolanos, que precisam de apresentar documento atrás de documento e ainda por cima ameaçam com os direitos trabalhist­as, mais os sindicatos, a OMA e o Partido, os estrangeir­os, ou dormem nos estaleiros ou mandam-se para os musseques, aprofilham uma criança qualquer, compram-lhe umas roupas nos fardos e levam-na a comer bitoque com mayonaise e ketchup, hambúrguer em vez de magoga e toda a gente bate palmas.

Em nossa opinião, os angolanos nada sabem e devem aprender com os estrangeir­os; um camone qualquer chega aqui contratado para apertar parafusos, vira fiel de armazém e depressa acaba por dar aulas.

O que importa é que lhe chamem “doutor” ou “senhor engenheiro”. Ninguém lhe pede papel reconhecid­o pelo INAGBE e o seu plano de formação não tem de passar pelo Ministério do Ensino Superior.

Criámos e fundámos a Universida­de Guilhermin­a, sobre quem produzimos uma nota de imprensa, em que referimos apenas que era peixeira e até escrevemos um livro, “A Lambula da Minha Mãe”

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CONTREIRAS PIPAS | EDIÇÕES NOVEMBRO
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