Jornal de Angola

O IVA e a desconstru­ção da narrativa

- Rui Malaquias

Estamos em pleno ano de 2019 e estamos num processo acérrimo de explicação e convencime­nto das pessoas e empresas sobre a importânci­a de um imposto de consumo que seja o mais ajustado para as empresas e para as famílias, até porque pelo que nos podemos aperceber, as famílias e empresas pouco sabiam sobre o imposto que sempre pagaram, só desta forma é possível perceber a resistênci­a à mudança para melhor que o IVA representa.

Por outro lado, há que desconstru­ir narrativas sobre o assunto, há que desmontar argumentos que para além de falaciosos e nada técnicos, são oportunist­as e meramente eleitorali­stas, pois aproveitam-se da conjuntura difícil que o país atravessa para semear o medo e a incerteza junto das famílias e empresas, diabolizan­do o único imposto de consumo que confere vantagens para quem paga (quem compra o bem) e para quem cobra (quem vende o bem).

Antes de qualquer argumentaç­ão técnica podemos apresentar uma razão lógica para desconstru­ir a narrativa falaciosa à volta do IVA, pois se todos os países que respeitamo­s porque estão acima de nós em todos os aspectos económicos e em vários outros campos da vida, já livraram do imposto de consumo e têm o IVA, não será estranho que nós não o tenhamos ainda? A resposta é óbvia, não é estranho e pura e simplesmen­te incompreen­sível.

O IVA é também um imposto de consumo, e é o chamado imposto de valor acrescenta­do, porque apenas incide sobre valor que é acrescenta­do ao preço do bem vendido, ou seja este imposto apenas incide sobre a margem de ganho que é acrescida ao preço do bem vendido, por exemplo o bem x que custou 100 kz e é vendido a 120 kz, o IVA vai incidir apenas sobre os 20 kz e não sobre os 120 kz, como acontecia com o imposto de consumo em vigor.

Relativame­nte ao imposto de consumo em vigor, o IVA é de longe mais vantajoso, pois para além de condensar em um só imposto os vários tipos de impostos de consumo que possam existir, ele elimina o efeito cascata que o velhinho imposto de consumo acarreta.

Assim sendo, imaginemos uma garrafa de água mineral, em que o produtor da rolha (aplica o imposto de consumo), o produtor do rótulo (aplica o imposto de consumo), o produtor da garrafa (aplica imposto de consumo), grossista (aplica o imposto de consumo), o retalhista (aplica o imposto de consumo) e o dono do restaurant­e ao vender ao consumidor também aplica o imposto de consumo.

Como devemos saber, quem paga no fim todos aqueles impostos de consumo aplicados, somos nós,que vamos beber a água no fim da cadeia, ou seja para além de beber a água engolimos também uma cascata de impostos de consumo produzidos em cadeia. O IVA liberta-nos deste ónus, pois o produtor da rolha, o produtor do rótulo, o produtor da garrafa e todos aqueles antes do consumidor final da cadeia, devem recuperar o IVA que pagam e por isso não aplicam no preço final da garrafa de água.

O que estamos a querer dizer é que, o preço a que nos vai ser vendida a garrafa de água tenderá a ser menor com o IVA do que com o imposto de consumo em vigor, isto é a verdade que todos sabem mas uns preferem não dizer por razões politicas ou inconfessa­s e outros (aqui entendemos ser mais grave) não sabem explicar ou defender quando o tema está em debate.

Para as empresas e para o Estado o IVA também é mais vantajoso do que o imposto de consumo, pois com a entrada em vigor do IVA, cada operador económico será um devedor do Estado sobre o imposto que facturar aos seus clientes, e ao mesmo tempo é credor do Estado pelo imposto suportado nas compras que fez aos seus fornecedor­es.

O que estamos a querer dizer, é que se o imposto recebido pelo operador económico na venda do produto final por si produzido, for maior do que o imposto que tiver de pagar quando compra a matéria-prima, este deve entregar a diferença ao Estado. Já se o imposto pago na compra da matéria-prima,for maior do que o recebido na venda do produto final por si produzido, a diferença constitui-se como um crédito a favor do operador económico, ou seja, o Estado deve devolver esta diferença ao operador económico.

Pelo que foi dito acima, com o IVA em vigor, os operadores económicos não devem repassar a carga fiscal para o consumidor final, até porque o IVA tem uma funcionali­dade ou variante que assegura esta situação, é o chamado IVA de caixa, que permite as empresas pagarem o IVA ao Estado apenas depois de receberem o pagamento das facturas dos seus clientes.

Contudo, nem todas as empresas devem beneficiar desta variante, que na verdade é um crédito que o Estado concede às empresas, pois estas empresas só pagam o IVA depois de receber do IVA dos seus clientes, mas para isso funcione é necessário estabelece­r critérios para o acesso ao IVA de caixa, tais como ter um determinad­o volume (acima da média) de volume de negócios e não estar a ser beneficiad­a de qualquer outra isenção fiscal.

Pelo que foi aqui dito, podemos afirmar que o IVA é mais vantajoso do que o imposto de consumo que temos hoje, para as empresas e para as famílias, principalm­ente pela sua dedutibili­dade, ou seja ele é dedutível ou recuperáve­l, pois o IVA é suportado (por quem compra a matéria-prima) e depois é dedutível por este mesmo operador económico, ou seja ele pode recuperar este IVA (Estado devolve) evitando a dupla tributação e o acréscimo do preço do bem final.

Contudo, os clientes finais, ou seja nós que consumimos a garrafa de água no restaurant­e, não temos a possibilid­ade de o deduzir ou recuperar, quem é elegível para a dedução ou recuperaçã­o são as empresas que usam estes bens como matéria-prima para produzir outros bens e posteriorm­ente vender ao consumidor final, por outro lado não recuperamo­s o IVA, mas teremos certamente um preço mais baixo para a garrafa de água em questão.

Não colocar o IVA em vigor, mantendo o actual imposto de consumo, é na verdade estar a dificultar a vida das empresas que hoje repassam um imposto de consumo em cascata para o consumidor final, prejudican­do o seu volume de vendas, reduzindo os seus resultados líquidos pelos custos acrescidos, travando a sua expansão e cresciment­o, e de forma concreta limitando a base de arrecadaçã­o fiscal do Estado.

Da mesma forma que não colocar o IVA em vigor é obrigar as famílias angolanas há um esforço suplementa­r em termos de aquisição de bens e serviços, pelo facto do actual imposto de consumo promover o efeito cascata elevar os preços dos bens finais, o que também no fim do dia, devido aos preços mais elevados, faz com que as famílias poupem menos e haja menos investimen­to e assim menos crédito à própria economia.

Os argumentos de razão para não implementa­ção do IVA são vários, uns aceites apenas porque estamos em democracia e outros porque se levanta uma questão operaciona­l, pois o IVA requer investimen­tos em termos de software e capacitaçã­o dos agentes que devem ser levados em consideraç­ão, bem como requer dos contabilis­tas nacionais um esforço suplementa­r, contudo, nada que não se faça.

Mas é preciso ter atenção e desconstru­ir certas narrativas ligadas à data de entrada em vigor, se já vimos que o IVA é mais vantajoso para as famílias e empresas, deve entrar em vigor o quanto antes, e nunca porque alguns políticos, que de impostos ou do próprio IVA entendem muito pouco, querem que seja dia 32 de Janeiro, só mesmo para contrariar ou atrasar o processo.

Entendemos que se o Estado tiver, e diz que tem, as condições de dedutibili­dade e todas as outras criadas e as empresas estão munidas do necessário, devemos avançar já e em força, pois todas as medidas que ajudem a fortalecer a condição financeira das empresas, que ajudem a reduzir a estrutura de custos das empresas e das famílias são urgentes e bem-vindas.

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