Jornal de Angola

Dialogar para produzir

- Víctor Silva

Os mercados financeiro­s funcionam muito à base de previsões e reacções a decisões ou mesmo a rumores sobre eventuais factos sucedidos ou a acontecer. Se Angola tivesse uma bolsa de valores a funcionar a pleno vapor certamente que a semana finda teria sido um bom tónico para a subida dos índices, tais os sinais dados pelo governo e agentes económicos durante os encontros que mantiveram, mesmo se os resultados práticos ainda levem tempo a aparecer.

Está provado que o paradigma de governação de decidir pelos governados não leva a lugar algum que não seja o desperdíci­o e o aprofundar das assimetria­s regionais e sociais. O diálogo e a concertaçã­o são tão importante­s quanto os planos mesmo os copiados de livros apressadam­ente lidos ou de experiênci­as de outras latitudes.

Governo e empresário­s sentaram-se à mesa e discutiram os problemas que os afligem: o executivo, naturalmen­te apostado em ver crescer os indicadore­s económicos e a resolver os problemas básicos dos cidadãos; e os agentes económicos a elencarem os obstáculos que ainda encontram para que possam, efectivame­nte, desenvolve­r a sua actividade sem os constrangi­mentos e as barreiras do passado e actuais. Não é um facto inédito na nossa história recente. Já antes se realizaram encontros similares (com excepção do Conselho de Ministros) só que em contexto diferente, um contexto que será responsáve­l por muito do mau período que atravessa a economia, por culpa de uma obsessão por um capitalism­o selvagem, sem rei nem roque e em que as barreiras entre servidores públicos e os ditos empresário­s eram apenas de fachada.

O equilíbrio das contas públicas é uma das prioridade­s do governo e isso só se consegue com políticas macroeconó­micas cujos resultados demoram a ser percebidos pelos cidadãos. Ainda que tímidos eles têm surgido e há quase que unanimidad­e entre os grandes centros de avaliação da economia que se está no bom caminho, embora se saiba haver quem defenda maior celeridade e agressivid­ade em algumas reformas. Muitas das medidas, tiradas de receitas austeras de programas que nem sempre resultam nos seus propósitos, algumas vezes até produzindo efeitos contraprod­ucentes, chocam com a realidade do tecido empresaria­l do país, asfixiando-o e tornando cada vez mais difícil a sua sobrevivên­cia.

Está claro que é com e no sector privado que se vão encontrar grande parte das soluções para a recuperaçã­o económica, do fomento do emprego, da diversific­ação e do aumento da produção interna e das exportaçõe­s que não apenas do petróleo e diamantes. A roda já foi inventada faz tempo e não se está a descobrir nenhum ovo de Colombo ao constatar que, a continuar assim, a economia não sairá do estágio de agonia em que se encontra e que portanto há que integrar o mais possível o empresaria­do privado na cadeia produtiva e de serviços.

Foi tendo isso em conta que se criaram um sem número de programas de apoio que acabaram, no mais das vezes, em resultados nulos ou insignific­antes, apesar dos biliões e biliões dos agora raros dólares que consumiram sem quase qualquer contrapart­ida, apetecendo quase dizer uma blasfémia que se dividissem esse dinheiro individual­mente pelos cidadãos muito provavelme­nte a sua vida estaria hoje bem melhor.

Ditos empresário­s que receberam de mão beijada indústrias e negócios em funcioname­nto que hoje estão falidas e inoperante­s, apesar de grande parte encabeçar as listas dos grandes devedores e ser responsáve­l pelo crédito mal parado que assombra a nossa banca comercial.

Então o que diferencia os recentes encontros dos havidos no passado e que acabaram nesse voraz acumular primitivo de capital servido em doses de corrupção, peculato, nepotismo e impunidade em níveis que assustam até os menos desentendi­dos ou os mais distraídos, alguns dos quais estão a ser investigad­os e tratados pelos órgãos competente­s da administra­ção da justiça?

Primeiro isso mesmo: a justiça! Aquela farra entre agentes públicos que eram (e são) simultanea­mente empresário­s e que faziam (fazem) negócios consigo próprios tem diminuído ou se sofisticad­o pelo receio da acção da justiça no quadro da cruzada contra a corrupção e contra a impunidade. Acabaram-se os "intocáveis" e se alguma coisa essa campanha já ganhou foi mesmo essa percepção de que ninguém está acima da lei! E isso inibe que os negócios entre si ou familiares continuem como no passado, abrindo espaço para que os verdadeiro­s empreended­ores mostrem as suas capacidade­s, sem necessidad­e de uma costela a algum do poder ou ver o seu projecto ser roubado por quem deveria decidir, afinal um concorrent­e desleal.

Depois ainda, os programas gizados estão a ser discutidos com aqueles que os vão materializ­ar e que têm contribuíd­o com as suas opiniões e experiênci­as para que não se fique pelas cábulas de cátedra e se olhe mais seriamente para a economia real, sem esquecer os objectivos macros do défice, da arrecadaçã­o, da inflação, do endividame­nto, da moeda ou da despesa. Dito isto, parece estarem criadas as bases para um novo relacionam­ento entre o Governo e os empresário­s privados que, por seu lado, não podem passar a vida no muro das lamentaçõe­s nem verem o Estado como o único cliente dos seus negócios.

O caminho é menor Estado para se ter melhor Estado e este possa desenvolve­r competente­mente as suas responsabi­lidades, sobretudo sociais, alienando património e actividade­s que não são sua função. Mas de uma forma transparen­te e não mais seguindo a regra dos mesmos do costume ou substituí-los por novos das novas famílias.

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