Os canibais devastam o Kongo
Indiferentes aos problemas teológicos, os congoleses aproveitam as rivalidades entre os brancos para obterem vantagens comerciais
Nos últimos três anos do seu reinado, D. Afonso I, o Rei do Kongo, conhecido como Apóstolo do Kongo, pela sua grande fé em Cristo, vê instalar-se a suspeição e a desconfiança entre os portugueses e o seu povo. Morre em 1543, deixando o reino à beira da crise. Crise que, aliás, acaba por rebentar na altura da eleição do sucessor: os portugueses são expulsos de S. Salvador por Diogo, filho de D.Afonso I. De1543 a 1641 vão suceder-se múltiplos soberanos, cada um deles mais insignificante do que os restantes. Alguns não reinaram mais do que dois ou três anos, outros um pouco mais, mas nenhum com estofo de grande monarca como D. Afonso I.
E, no entanto, o Kongo necessitava de soberanos à altura da sua missão, num século cheio de profundas modificações. Efectivamente, de 1543 em diante o Kongo vai sofrer assaltos repetidos por parte dos seus adversários africanos. Em 1568, o Reino é devastado pelo jagas, uma tribo ao que se diz canibal e nómada, originária de além Kubango. Os invasores destroem S.Salvador e expulsam a família real. Mas, três anos mais tarde, em 1571, um corpo expedicionário português de seiscentos homens derrota os jagas e restabelece no trono o soberano legítimo.
Em 1575, conquistadores portugueses instalam-se em S. Paolo de Loanda, na orla sul do Reno do Kongo. Este facto poderia parecer insignificante. Na realidade, revestese de uma importância capital, pois estes conquistadores não deixam de visar, pura e simplesmente, a conquista do Kongo. Eles constituem, por consequência, uma contínua ameaça para o Reino, já minado pela revolta das províncias sob sua jurisdição e pela instabilidade política.
Aproveitando-se desta conturbada situação, a província do Soyo conquista a sua independência, em 1636. O seu governador arroga-se o título de Conde do Soyo e o direito de participar na eleição do Rei do Kongo.
Entretanto, desde 1602, os holandeses ( corsários) tinham começado a navegar no Kongo e a fazer concorrência aos portugueses. Estes respondem denunciando os holandeses como hereges. Indiferentes aos problemas teológicos, os congoleses aproveitam as rivalidades entre os brancos para obterem vantagens comerciais. No entanto, o desejo de independência dos congoleses e as suas relações com os holandeses exasperam os conquistadores de São Paolo de Loanda. Preparam então uma intervenção militar que lhes permitiria apoderar-se do Kongo e, sobretudo, das minas de cobre exploradas no Bembe. Chegam até a encarar a hipótese de uma aliança com os jagas .
Mas, em 1641, no momento em que estão prestes a invadir o Kongo, Oscar holandeses intervêm: ocupam S. Paolo de Loanda e, durante sete anos, mantêm em estado de sítio os portugueses de Angola.
Às rivalidades que opõem os europeus entre si, acrescentam-se as desordens internas, as lutas incessantes entre as diferentes etnias existentes no Kongo: retalhado em diversas províncias, o reino agoniza lentamente.
O acesso ao trono, em 1641, de D. Garcia ll, o mais importante soberano congolês depois de D.Afonso I, oferece apenas um curto alívio antes do naufrágio total.
Tal como acontece no Kongo, também em todo o resto da África Negra a grande vaga europeia, que vai espalhar-se pelo continente nos finais do século XIX nada mais encontrará diante de si (excepção feita da Etiópia) a não ser um aglomerado de regulados. A partir desse momento, veremos apenas arder alguns vestígios dos antigos impérios negros da Idade Média, como no Benin, por vezes mais reanimados por alguns chefes militares como El- Hadj Omar e Amadou, no antigo império do Mali ; Samori, na faixa guineense; Raba' , mercador de escravos no antigo Canem - Bornu; Tchaca, o chefe zulu, a Sul do antigo Monomotapa, no actual Zimbabwe.
A África Negra, tendo deixado periclitar os seus impérios, receberá outros novos impérios provenientes do imperialismo branco, transição para um renascimento.
Urge resgatar o riquíssimo espólio, alguma arte e objectos de valor incomensurável que jazem em museus dalguns países colonizadores.
Finalmente, o mundo reconhece a cidade de Mbanza Kongo como Património Cultural da Humanidade, elevando à categoria global a antiga S.Salvador e capital do antigo Reino do Kongo, que era a sede dos actuais territórios dos dois Kongos, dos Camarões, do Gabão e do norte de Angola.