Mangwana e Burity num muzonguê do kayaya
É a mais pura verdade. Passada uma semana depois da realização do Muzongué da Tradição, no Centro Cultural e Recreativo Kilamba, o clima festivo ainda paira no ar. Essa é uma unanimidade e não apenas entre os fiéis frequentadores da já considerada Catedra
O elenco musical não decepcionou, sem desprimor às outras duas apostas, os artistas Samangwana e Carlos Burity, reaparecidos no palco da casa de espectáculo mais reconhecida do bairro Nelito Soares. Todos fizeram uma actuação de grande nível. Suzanito, o primeiro artista individual a actuar, fez uma boa abertura e Augusto Chacaya, o kota, encerrou em grande as “hostilidades” da música ao vivo numa tarde que foi mesmo do kayaya. A Banda Movimento, que fez o suporte instrumental, mais uma vez demonstrou que melhor movimenta quando o assunto é a música angolana.
Samangwana e Carlos Burity proporcionaram uma retrospectiva dos principais temas que marcam as respectivas carreiras. Se no caso do primeiro a Rumba Congolesa esteve em peso, no segundo o Semba foi determinante. Ambos fizeram acreditar à Tia Joaquina que é possível “uma Pátria Querida”. Samangwana, o sobrinho do contratado que regressou à aldeia da Mucaba depois de várias chicotadas nas roças de café, começou com “Pátria Querida”, um tema com forte teor nacionalista, sem ser panfletário. Um outro sucesso, “Fatimata”, veio confirmar que o kota Mangwana estava com tudo. Uma sequência dos temas que consolidaram a aceitação do artista em África: “Suzana Kudibari”, “Georgete”, “Maria Tebo”, canções que marcaram a sua primeira actuação numa Angola Independente, que aconteceu na Tourada. Até ao final da sua actuação, uma outra canção patriótica esteve no alinhamento, “Cantos de Esperança”, antes de transformar a pista do Kilamba na festa da Mucaba, com a dançante “Tio António”. Samanwana, também conhecido como Pigeon Voyageur (Pombo Viajante), fez uma actuação de grande nível. Com uma vasta discografia, Samangwana destacou-se em formações como: African Fiesta de Tabu Ley Rochereau, African Fiesta National, Afrisa International e TP OK Jazz de Francó, assim como nos seus próprios grupos Festival des Maquisards e African All Stars.
O segundo homem do cartaz, Carlos Burity, também recorreu ao passado e começou com os temas da época da proclamação da Independência Nacional. Emocionou com “Caminhar África”, “Liberdade de África” e “Inveja”, temas que transportaram os entusiastas mais-velhos para os primeiros anos da República Popular de Angola. Para uma outra geração, “Tia Joaquina” e outros temas bem serviram na exibição que fechou ao som de “Malalanza”. Foi bom ver o artista sexagenário fazer esquecer a doença e, com uma forte
interacção com o público, bem patente no seu último tema cantado fora do palco e aos abraços de afecto com grande parte dos presentes.
Carlos Burity é um dos mais conceituados intérpretes do Semba, com sucessos que transcendem gerações, com discos impactantes na nossa cena musical. Com “Carolina” de 1991, “Angolaritmo”, “Wanga”, “Ginginda”, “Massemba”, “Zuela o Kidi”, “Paxi Iami” e “Malalanza” pode ser considerado um dos artistas mais produtivos da sua geração. Canções como “Especulação”, “Maria das Bichas” e “Zé da Graxa”, radiografias da sociedade angolana dos anos 80 que não estão distantes dos novos tempos, Burity tem o seu nome inscrito na história da música angolana.