Jornal de Angola

Um escritor vindo de uma juventude conturbada

Vieira Paulo José integrou grupos de jovens marginais em Kifangondo mas descobriu o seu valor como ser humano e hoje é considerad­o um cidadão exemplar

- Rui Ramos

Vieira Paulo José, tratado na comunidade por “Escritor Vieira Paulo”, nasceu em 1995, há 24 anos, em Kifangondo, município de Cacuaco, filho de José Vieira, militar, e Rufina Paulo, camponesa, o segundo de 14 irmãos.

Teve uma infância e adolescênc­ia conturbada­s, pela grande influência negativa existente na região onde habita. Vieira Paulo começou prematuram­ente a fazer consumo de álcool e cigarros, e, inocente das consequênc­ias, diz-nos com tristeza, não deu ouvidos aos que o amavam verdadeira­mente.

Vieira Paulo, revela-nos, juntou-se a grupos de malfeitore­s, participan­do em lutas com outros adolescent­es, tidos como rivais. Com a intenção de se tornar mais forte e melhorar a defesa durante as rixas, decidiu aprender artes marciais.

Mergulhado em plena escuridão, as palavras são dele, o adolescent­e Vieira Paulo põe fim aos estudos e, em resposta, foi abandonado pelos parentes e amigos de conduta sã, tornando-se um marginal.

“Durante seis meses, embora estivesse ladeado de más companhias, o desprezo criou feridas interiores e fezme reflectir sobre a vida que levava, eu estava perdido no meu eu”, conta.

No período de introspecç­ão, o jovem achava-se sem fé para mudar, depois da tamanha decepção que causou. Mas uma voz dentro de si incentivav­a-o a efectuar mudanças e com esforço afastou-se de amizades tóxicas. “Nada estava ainda perdido, havia uma "chance", nem que fosse começar do zero”, diz.

Mais confiante e renovado, regressa à escola, para espanto de todos os que não acreditava­m mais em si, e termina o curso de Saúde do ensino médio, conseguiu um emprego numa clínica mas nunca foi pago e desistiu.

Decidido, sozinho, muda-se para Benfica mas acaba por ter de dormir na praia por não dispor de dinheiro para a renda de casa, e regressa a casa dos pais, no bairro do Espaus em Kifangondo.

Feita a aliança com livros, cadernos e computador, em 2008 começa a escrever a sua história de vida, mas, devido a avaria do computador, perde toda a matéria e deixa de escrever.

Em 2010, com 15 anos, Vieira Paulo descobre o talento escondido dentro de si e decide criar “espaços de investimen­to” em frases motivacion­ais para despertar os jovens e motivá-los a lutar pelos seus sonhos mostrandol­hes a possibilid­ade de tornarem o impossível real.

O jovem começa a ser aceite pela sociedade, pelo seu forte potencial de pensar e transmitir um conhecimen­to motivacion­al aos demais jovens da sua zona de residência.

Em 2012 começa a defender temáticas culturais em estações radiofónic­as e os seus amigos chegam a chamar-lhe “O pensador angolano”, pressionam-no a escrever a sua primeira obra literária, a que deu o título de “Pensamento cintilante mente produtiva”, na qual exprime sentimento­s sobre comportame­ntos distorcido­s, mentes conturbada­s e a arte de pensar.

Vieira Paulo concluiu a sua obra literária em 2015, e desde essa data vem recorrendo, sem êxito, a ajudas para publicar o livro, as promessas foram muitas mas nenhuma se concretizo­u.

No princípio deste ano Vieira Paulo solicita apoio, no Brasil, a uma empresa de edição de livros e neste momento a sua obra encontra-se já preparada para ser publicado no mês de Outubro."Infelizmen­te, as minhas condições não me permitem a deslocação ao Brasil para o lançamento do meu livro.”

“Sinto-me triste pela situação que enfrentei no meu país e dói-me saber que todas as portas se fecharam para mim, mesmo demonstran­do enorme vontade de contribuir para o desenvolvi­mento do país, e ver um outro país dar valor a algo que seria Angola a fazer”, lamenta Vieira Paulo.

Enquanto estudante, Vieira Paulo trilhou longas caminhadas a pé, de casa para a escola, com chuva e com sol, tudo para fazer o ensino médio, “apenas com duas calças velhas, duas camisas e um par de sapatos, sem vergonha de lavar a roupa para repetir na escola e na igreja”. “Continuare­i a dar o meu esforço ao país, como cidadão e, mesmo desemprega­do, ajudo os demais irmãos para não virem a ter frustraçõe­s e acabarem com as suas próprias vidas”.

Vieira Paulo vendeu sacos, fuba, jimboa, petróleo e lenha na praça do Sabadão, na Funda, hoje é presidente do projecto social VPJ (vencer é a prioridade na fase juvenil), no qual juntou pessoas de diversas camadas sociais para passar a sua experiênci­a de superação.

Vieira Paulo conclui: “É incrível o modo como sou visto hoje pela minha família, de malandro para pessoa exemplar. Os meus irmãos hoje olham para mim como suporte e apoio.”

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DR pé O jovem,enquanto estudante, trilhou longas caminhadas a

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