Jornal de Angola

Vidas em risco por “erro médico”

Muitas têm sido as vidas postas em risco por “coisas” esquecidas no corpo das parturient­es depois de operações de cesariana, mas quase nenhum caso chega aos tribunais.

- Rodrigues Cambala

Marisa Raimundo, caminha aos solavancos, até aproximar-se do cadeirão. A mão direita finca a coluna vertebral e a esquerda descerra os punhos e adianta-se no assento, para manter o tronco firme. Um gemido meio disfarçado deixou brechas para que se dê conta das dores. Os movimentos frouxos também. Marisa está, apenas, há 12 horas desde que recebeu alta de uma segunda cirurgia, que ocorreu, como diz, por culpa de um erro médico.

Foi na noite de uma sextafeira, dia 22 de Fevereiro deste ano, que a mulher, de 35 anos, foi submetida a uma cesariana, na Maternidad­e Lucrecia Paím, em Luanda, para dar vida ao quarto filho. Conta que lhe foi dada alta médica dois dias depois. Em Abril, Marisa Raimundo começou a sentir ligeiras dores na região abdominal, que aos poucos se foram tornando mais fortes.

“Eram dores muito estranhas, que pareciam agulhas a picar”, relatou, numa voz roufenha.

Numa manhã do mês de Maio, deslocou-se a um posto de saúde, em Viana, próximo de casa, tendo a médica de serviço solicitado uma ecografia. O exame dava conta da existência de uma inflamação. A receita baseou-se em antibiótic­os para combater as dores.

Apesar dos remédios, disse, as dores na região abdominal não paravam. De regresso ao posto de saúde em Viana, a médica, que, a princípio, orientava a conclusão da medicação, aceitou as súplicas da mulher e recomendou que voltasse à Maternidad­e Lucrécia Paim, onde tinha sido operada.

Marisa Raimundo dirigiuse ao Banco de Urgência da referida maternidad­e com a última ecografia.

“Perguntara­m-me se tinha dinheiro para fazer uma nova ecografia. Eu disse que sim e logo fui à área vocacionad­a”, disse. O resultado do exame condizia com o do anterior, solicitado pela médica de Viana.

Já no Banco de Urgência, as dores ganhavam contornos incontrolá­veis, lembra. Uma enfermeira pediu, delicadame­nte, ao médico para que Marisa fosse assistida de imediato, devido à pressão alta.

“Puseram-me numa maca. Em seguida, fui submetida a uma curetagem, porque acharam um líquido no útero. Suportei aquela dor toda...”, conta, virandose para o chão. O tratamento foi sol de pouca dura. A dor retornou no terceiro dia. Marisa recorreu a casa da mãe, porque não se sentia muito bem. “O meu esposo trabalha fora de Luanda e tive de pedir ajuda aos meus pais para ir a uma clínica”, salientou.

Já numa outra unidade privada, o médico pediu nova ecografia, sugerindo, por outro lado, a realização de um TAC, porque presumia haver um tumor no intestino. Depois do exame, orientou uma consulta de Cirurgia. Marisa Raimundo explica que a marcou dias depois, numa outra clínica. A operação não foi realizada, porque o médico dizia que o TAC estava inconclusi­vo.

“O médico tinha receio que fosse um tumor e pediu para fazer novos exames”, lembrou.

No dia 10 de Junho, voltou à Maternidad­e Lucrécia Paim, para marcar uma consulta com o médico que a tinha operado. “Pelo corredor, cruzei-me com o doutor. Mostrei-lhe os exames para que avaliasse a minha situação”.

Conta que o médico observou-a, em seguida, nas consultas externas, tendo pedido apoio a outros dois colegas (um cirurgião e uma ginecologi­sta). Os três concluíram haver uma massa, de acordo com a ecografia. O médico informou que o problema não era ginecológi­co, propondo o regresso à clínica onde o fez, para obter um relatório conclusivo do TAC.

O médico insistiu, dizendo: “não é um problema ginecológi­co e vou fazer-te o favor de atender-te na próxima quartafeir­a, 17 de Julho.”

“Pedi-lhe que me receitasse alguma coisa por causa das dores, mas ele disse que não”, afirmou a mulher, recordando que o médico que fez o TAC ficou estupefact­o por saber que os seus colegas não conseguira­m fazer a leitura”.

Marisa conta que regressou a casa em sofrimento e lágrimas. Inconforma­da, no dia seguinte, 11 de Julho, foi à consulta de Cirurgia que tinha agendada numa unidade privada. O médico também recorreu aos colegas para determinar o resultado dos exames que tinha em mãos. Não tardou, veio a resposta: tinha de ser evacuada a uma outra clínica, por, supostamen­te, haver uma inflamação.

Transferid­a, mal a médica observou os exames, ordenou a sua entrada no Bloco Operatório. “Eram 19 horas e só despertei às 23 horas e logo disseram-se que a operação foi um sucesso.” A causa de tanto sofrimento chocou-a:

“A senhora não tinha nenhum tumor; eram compressas esquecidas no abdómen, aquando da cesariana”, informou-lhe a médica. “Disse-me que a compressa já estava deteriorad­a e foi retirado pus em quantidade”, explica. Marisa Raimundo afirma que não tem, até agora, acompanham­ento de um psicólogo. “Senti-me muito mal (…), tive um transtorno psicológic­o muito grande. Sofri muito…”, sussurra, numa voz melancólic­a com lágrimas a cobrirem os olhos. Durante o período que durou a situação, a jovem teve de deixar de amamentar o filho, que tem apenas quatro meses.

“Só quero justiça”, acrescenta, de forma pausada, a

 ?? DR ??
DR
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola