“As 24 horas mais difíceis” de uma missionária
Numa paróquia da Igreja Católica, em Luanda, a reportagem do Jornal de Angola conversou com uma missionária, que, sob anonimato, descreveu as 24 horas mais difíceis da sua existência, devido a um erro médico que por pouco lhe tirava a vida.
Em 2012, foram-lhe detectados miomas uterinos, ainda em fase inicial. A recomendação da equipa médica de tomar os medicamentos para vencer os miomas não surtiu efeito. Dois anos depois, já em missão em São Tomé e Príncipe, durante uma consulta de rotina, uma médica informoulhe que não precisava de operar, porque muitas mulheres convivem com miomas.
Em 2015, depois de tratar de um problema no ouvido, em Portugal, a madre aproveitou a oportunidade para fazer outra consulta de rotina. O médico avaliou os resultados dos exames e sentenciou: “não te enganes a tomar a medicação, pois todo o mioma é um corpo estranho e tem de ser retirado”.
“Comecei a notar que havia opiniões diferentes”, contou a madre, que, no regresso a Angola, em 2016, trouxe também na memória a intenção de resolver o problema dos miomas que estavam em progressão.
Antes de fazer a cirurgia, foram-lhe recomendadas duas injecções, que custaram 250 mil kwanzas. “As ampolas eram muito caras, mas não tive outra saída”, avança. Aparentemente, os remédios, comprados numa farmácia na cidade do Lubango, Huíla, estavam prontos para lhe serem aplicados, até que a mãe da missionária, uma enfermeira, observou algo de errado nas ampolas.
“Já não me lembro do nome dessas ampolas, mas as que foram adquiridas destinavam-se a homens. A farmácia pediu desculpas pelo erro”.
Sexta-feira, 18 de Agosto de 2017, numa clínica no Lubango, cujo nome a mulher prefere não citar, as condições para a cirurgia estavam criadas. “Pareceu-me ser uma equipa boa. Já no Bloco Operatório, todos rezaram antes de começar a operação”, recorda. Depois da cirurgia, a missionária ardia de dores no abdómen. Dada a aflição, chamou a enfermeira, que disse serem as dores normais e passageiras. Contudo, intensificaram-se entre as 13 e as 16 horas. Conta que nem posição para dormir encontrava. O médico observou e corroborou com a enfermeira: “é normal essa dor, vai passar”.
A equipa médica só não adivinhava que as dores na zona da operação avolumavam-se a cada minuto. “Às 16 horas, notei que a barriga estava a ter um outro formato e fechavase no centro, como se tivesse um cinto apertado”.
A persistência da mãe da paciente forçou os médicos a realizarem uma ecografia. Parecia haver sangue acumulado. Ainda assim, o médico pediu 24 horas para avaliar a evolução. A madre conta que arfava e já não conseguia andar.
“Sentia uma vontade de ir à casa de banho. Não conseguia colocar-me em pé. Quando coloquei a cabeça no ombro da minha mãe, 'apaguei”, disse. Ao despertar, olhou para os lados, pois já não se lembrava do que sucedeu. “Um médico perguntoume como me sentia, eu disse-lhe que queria ter o mesmo descanso...”
No dia 19, sábado, voltou ao Bloco Operatório. “Despertei e já estava na unidade de cuidados intensivos. Um técnico do laboratório gritou: “ela acordou, ela acordou...”. Fezse um ligeiro silêncio. Ele voltou-se à missionária, sem dizer uma palavra.
À pergunta sobre o que aconteceu tem duas versões. A primeira: esqueceram-se de algum material de cirurgia no abdómen. A segunda: esqueceram-se de canalizar um órgão no abdómen.
“As enfermeiras disseram que tive sorte, porque a equipa médica ainda não tinha deixado o hospital”, afirma. “Quando vivemos momentos de perigo, percebemos que a vida é passageira. Por isso, é essencial fazermos sempre o bem”, diz a mulher, lamentando que os médicos não tenham admitido o erro.