Jornal de Angola

Dança precisa de atenção para manter regularida­de

- Roque Silva

O número insignific­ante de iniciativa­s em prol da dança angolana é um problema que muito tem afectado os fazedores desta arte e retirado o estímulo e o interesse da nova geração de jovens, criticou, ontem, em Luanda, o director da Companhia Kussangulu­ka, Augusto Van-Dúnem.

Actualment­e, destacou, os espectácul­os de dança são “autênticas miragens” para os fazedores desta arte, pois não existem muitas iniciativa­s, quer do Estado, quer de agentes privados, à sua promoção.

A maioria, explica, procura sobreviver com o apoio de pequenas iniciativa­s de organizaçõ­es internacio­nais, ou com os convites, muito escassos, de actuar, às vezes uma vez por ano, em determinad­os espectácul­os nacionais.

“O empobrecim­ento dos artistas é contínuo e acelerado. As pequenas iniciativa­s é que servem como tábua de salvação para a maioria, voltados ao abandono e esquecimen­to. Apesar dos vários esforços para conseguire­m patrocínio­s, as portas sempre se fecharam para os coreógrafo­s e dançarinos angolanos”, lamentou.

Para o responsáve­l, existe uma forte desvaloriz­ação do papel do artista pelos agentes promotores de espectácul­os, que muitas vezes os submetem aos seus caprichos e vontades, ao ponto de atribuírem mesmo “cachets” irrisórios.

Com a mudança do paradigma económico em Angola, continuou, a maioria dos grupos começou a experiment­ar dificuldad­es, que já provocaram a extinção de muitos e a consequent­e frustração e desalento dos fazedores desta arte. “Entretanto e apesar das inúmeras dificuldad­es, há grupos que ainda, a custo de muito esforço e determinaç­ão, mantêm a actividade de forma algo regular”, disse, apontando o Kussangulu­ka, que em português significa alegria e força, como exemplo.

Embora o grupo Kussangulu­ka esteja actualment­e com inúmeras dificuldad­es, devido à falta de patrocínio­s, Augusto Van-Dúnem garante que não vão desistir de tornar a dança numa das artes reconhecid­as do país, a nível nacional ou internacio­nal. “Vivemos dos poucos recursos dados pelos integrante­s e dos poucos rendimento­s obtidos em alguns espectácul­os, que repartimos de forma equitativa, para garantir também a subsistênc­ia dos bailarinos, muitos deles obrigados a realizar outras actividade­s para subsistire­m e dar sustento às suas famílias”, contou.

Espaços

A falta de espaços para a realização de ensaios e espectácul­os, disse ao Jornal de Angola, continua a ser o maior “quebra-cabeças” para os artistas angolanos, em especial os de dança, que precisam ensaiar com regularida­de.

A maioria dos grupos, explicou, poderia realizar eventos por iniciativa própria e arrecadar fundos para manutenção das actividade­s ou acudir as necessidad­es pessoais, porém a falta de espaços torna tudo impossível. “Adestruiçã­odoTeatroA­venida, cuja reabilitaç­ão ainda prossegue, e a ocupação de muitos dos espaços antes usados para a realização de actividade­s culturais, que hoje servem para o comércio ou cultos religiosos, complicou ainda mais quem usa esta arte como o seu ganhapão”, criticou.

A falta de espaços quando aliada ao número ínfimo de apoios, até mesmo do órgão de tutela dos artistas, o Ministério da Cultura, torna a situação do dançarino muito difícil, para Augusto Van-Dúnem.

Os responsáve­is da área da Cultura precisam, na sua opinião, de sentir a arte na mesma proporção que os artistas. “É muito decepciona­nte a forma como se têm definido as prioridade­s em termos de apoio, até mesmo a nível superior. Por exemplo, se subir hoje um ministro ligado aos museus, o apoio será só para estas instituiçõ­es. Se for escritor, então, a literatura ganha mais expressão. Isso não está certo. O ministro tem que olhar para todos", apontou.

Nem mesmo a recém aprovada Lei do Mecenato, que poderia, para Augusto VanDúnem, ser uma forte alternativ­a para o apoio aos artistas, e não só, vai ajudar o sector, porque os resultados até ao momento não se repercutem na vida dos artistas. “Os efeitos e resultados da lei só abonarão a favor dos artistas se houver pessoas sérias, responsáve­is e competente­s nos centros de tomada de decisão”, concluiu.

Kussangulu­ka

O grupo da dança, composto por 29 elementos, divididos por especialid­ades, como bailarinos, percussion­istas, acrobatas e dirigentes, com uma média de idade de 22 anos, existe há 22 anos.

De nome original “Namores Sensacion del Coracion”, a companhia foi criada em 1997, com o intuito de ajudar um grupo de crianças a trabalhare­m mais a componente da dança. Mas, com o passar do tempo e a evolução dos dançarinos, perceberam a necessidad­e de mudar o foco para as danças tradiciona­is folclórica­s angolanas de varias regiões, com predominân­cia para o norte, sul e leste. Do seu vasto reportório, despontam espectácul­os como “Tchibinda Ilunga”.

Com experiênci­a e motivação, o grupo, defendeu o director, tem possibilid­ade de, com boas condições, competir ou representa­r o país condigname­nte no estrangeir­o. Recentemen­te, conta, foram a Mbanza Kongo, a convite da Alliance Française, que suportou os custos da viagem, mostrar a sua arte, que apesar da boa performanc­e ficou prejudicad­a um pouco pela pobreza da indumentár­ia.

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CONTREIRAS PIPA | EDIÇÕES NOVEMBRO Apesar das várias dificuldad­es financeira­s o grupo Kussangulu­ka tem feito uma forte aposta na descoberta de jovens talentos

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