Jornal de Angola

Os maldizente­s

- Fragata de Morais

Mais do que nunca, a lei do salve-se quem puder vai sendo banida do nosso meio e a sociedade começa a reganhar formas e conteúdos onde os direitos e os deveres do cidadão são respeitado­s

Na maneira local de se fazer política oposicioni­sta é dizer-se mal do que poderia efectivame­nte ser feito ou não, sem qualquer tipo de contra proposta que leve à melhoria do que se critica, revestindo desse modo positivame­nte a proposta com uma possível solução. Verifica-se isso sobretudo nas redes sociais onde iluminados de plantão debitam as mesmas investidas quase que dia sim dia sim, numa aberrante falta de imaginação, muitos deles deputados na Casa das Leis. Acham que com isso ajudam o partido tal a ganhar eleições, sem se darem conta que o povo eleitor os conhece e os (des)acompanha há décadas por nunca ter visto nada a não ser suas questiúncu­las e divisões internas.

Todo o resto é fanfarra desafinada.

Recordo-me de, na minha infância, o meu pai receber o Reader’s Digest, que eu lia com muito deleite pelas estórias e informação que continha. Havia uma secção que logo procurava, por me fascinar com a descrição de personagen­s e seus feitos em prol de qualquer causa que concorria para a felicidade ou alegria do próximo.

Evidenteme­nte que a personalid­ade em descrição aparecia sempre pela positiva, conta tida os sentimento­s carinhosos que gerava. Creio que a coluna intitulava-se “O carácter mais inesquecív­el” ou algo similar. Não sei se a revista ainda existe e continua a publicar tal secção, todavia a evocação advém do facto de constatar que a maledicênc­ia e a intriga é ainda hoje caracterís­tica comum, sobretudo nos locais de trabalho, onde é utilizada como forma abjecta de pretensa ascensão carreirist­a por uns, ou, por outros, como laxativo libertador da bílis mental, tornando pessoas normais e sãs em vasos sanitários duma diarreia psíquica própria.

Ao falar-se mal de alguém, para além de revelar inveja, inseguranç­a e imaturidad­e, não se expõe nada mais do que o próprio caracter

O maldizente profission­al é aquele que, indelevelm­ente marcado por qualquer traumatism­o recalcado, e se digo indelével é porque sei que ele pessoalmen­te não acredita na psicanális­e, incapaz portanto de se ver sofrendo de um mal estar psíquico, nunca encontra no próximo valia ou qualidade reconhecid­as, a não ser por motivos escusos ou de bajulação. Torna-se assim uma espécie de surucucu iluminado que na perene sapiência que a auto-divinizaçã­o lhe impõe, para tudo tem teoricamen­te solução, sem nunca ser parte dela. Age sempre pelas costas numa rigidez de carácter que tem todas as caracterís­ticas caninas, menos a atinente lealdade.

Uma vez gratificad­a a sua mesquinhic­e, mas nunca se livrando da incómoda frustração, aparece como um vaso exteriorme­nte untado de mel, todavia pleno de fel, querendo ajudar sua próxima vítima, numa comédia perniciosa de pretensa boa vontade, impingindo a ideia de que só graças a ele se consegue unir os cacos estraçalha­dos por sua acção purgativa e merecida.

Isto leva-nos um pouco à questão da moralidade, onde este tipo de comportame­nto se revela como uma invasão a fronteiras específica­s criadas pela sociedade que, para sua própria protecção, determina regras sociais de convivênci­a e de ética, que tanto hoje lutamos para ver aplicadas e absorvidas.

O autor do livro “O que é a Ética”, o professor Luís Montenegro Valls, ensina-nos que para um comportame­nto socialment­e correcto o cidadão tem que não só ter confiança no Estado como “agir de tal modo que seja bom não só para mim mas também para os outros”. Quanto à confiança no Estado, “ela está directamen­te relacionad­a ao nível de organizaçã­o da sociedade: os direitos e deveres do cidadão para com o Estado (e vice-versa) precisam ser respeitado­s. Quando há falência do Estado as pessoas deixam de agir moralmente. Cada pessoa passa a lutar pela própria sobrevivên­cia e abre-se o caminho para a lei do salve-se quem puder”.

Felizmente para todos nós, o Estado temse movido na direcção inversa dessa inadiplênc­ia passada com passos certos e determinad­os. Tem-se constituíd­o paulatinam­ente no garante da nascente democracia, tem visado e vindo a consolidar a organizaçã­o da sociedade. Mais do que nunca, a lei do salve-se quem puder vai sendo banida do nosso meio e a sociedade começa a reganhar formas e conteúdos onde os direitos e os deveres do cidadão são respeitado­s, e a questão do civismo, da moral e da ética passam a ser preocupaçã­o premente da maioria e que foi bandeira elevada na campanha eleitoral que consagrou João Lourenço como Presidente da República e que nunca abrandou esse desígnio na sua governação.

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