Jornal de Angola

MATATEU E VICENTE

Dois irmãos africanos que venceram na Europa

- Nuno Fernandes |* *Jornalista do Diário de Notícias

"Fomos à PIDE.

Eu, deixando o braço em baixo, disse que me esquecera de o levantar. Não houve mais problemas porque o Belenenses moveu influência­s. Nunca fui político, mas embirrava com aquelas coisas do fascismo. O Barreiro era foco de comunistas opositores ao regime e eu era amigo de muitos. Mas fiz aquilo sem premeditaç­ão, foi um acto natural", contou Quaresma, anos mais tarde, ele que morreu em Dezembro de 2011. Na revista “Stadium”, na altura, saiu uma fotografia retocada pela censura em que os jogadores apareciam com os dedos esticados.

Nas décadas de 1950 e 1960 actuaram no Belenenses as duas maiores figuras de sempre do clube. Matateu e o seu irmão Vicente Lucas. Começaram por brilhar nas Salésias, na Ajuda, mas depois mostraram-se no Estádio do Restelo, inaugurado a 23 de Setembro de 1956, no espaço de uma antiga pedreira cedida pela Câmara Municipal de Lisboa, com vista para o Tejo e para a Torre de Belém. A Oitava Maravilha do Mundo Nascido em Lourenço Marques, Moçambique, Matateu chegou ao clube de Belém em 1951, oriundo do Grupo Desportivo 1.º de Maio, filial do Belenenses - ganhou 30 contos de luvas e auferia 1600 escudos de salário por mês. Logo na estreia pelos azuis, nas Salésias, nesse mesmo ano, frente ao Sporting, deixou o seu cartão-de-visita: marcou dois golos na vitória do Belenenses por 4-3 e deixou o campo carregado em ombros.

"Os adeptos azuis, em completo delírio, invadiram o campo e levaram-no em ombros até à cabina. Disse-se então, e era verdade, que pela primeira vez em Portugal homens de raça branca levaram em ombros e em triunfo um homem de raça negra", pode ler-se num texto no site oficial do Clube de Futebol Os Belenenses.

O avançado, que além dos golos também se destacava pelas assistênci­as, nunca conseguiu ser campeão de Portugal (esteve perto, em 1955, ano em que o Belenenses perdeu o campeonato a quatro minutos do fim, ao consentir um empate com o Sporting), mas tornou-se uma figura da selecção portuguesa e um dos melhores jogadores a actuar em Portugal - apontou mais de 200 golos na carreira e foi o melhor marcador do campeonato por duas vezes (1952-53 e 1954-55).

Matateu brilhava no Belenenses, mas foi ao serviço da selecção portuguesa que ganhou projecção internacio­nal. Como num jogo em Maio de 1955, contra a Inglaterra, quando fez a assistênci­a para o primeiro golo marcado por José Águas e depois fez o 2-1 para Portugal (que venceu por 3-1), com um grande golo, depois de driblar vários adversário­s e bater o guardarede­s Williams.

"Um negro, sempre sorridente, natural de Moçambique, África Oriental Portuguesa, é esta noite o rei do futebol português. Em Moçambique foilhe dado o nome de Lucas da Fonseca, mas há muito tempo que já ninguém se preocupava com isso. Passaram a chamar-lhe Matateu - um cognome que significa a 'Oitava Maravilha do Mundo' - desde que começou a driblar como um mago e a chutar como um canhão. E foi essa Oitava Maravilha do Mundo do futebol que rebaixou e humilhou uma Inglaterra destroçada", podia ler-se à data no jornal inglês Daily Sketch.

Também a “France Footballe” rendeu-se ao talento de Matateu pelos grandes jogos que fez com a camisola do Belenenses na Taça Latina, diante dos colossos Real Madrid e AC Milan. "Alfredo Di Stefano cede o seu lugar de vedeta a Matateu, o extraordin­ário negro de Moçambique. Esperava-se Di Stefano e tivemos Matateu. Uma revelação!", lia-se na prestigiad­a revista francesa.

Matateu, que bebia várias cervejaspo­rdiaeaténo­intervalo dos jogos, foi brilhando com a camisola do Belenenses e de Portugal e na época 1963-64, com 37 anos, deixou os azuis, representa­ndo depois o Atlético, Amora, Desportivo de Gouveia e Chaves, antes de se radicar no Canadá, falecendo em Janeiro de 2000, aos 72 anos.

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