Jornal de Angola

Ainda há esperança

- Víctor Silva

Não têm sido nada fáceis estes dois anos de mandato de João Lourenço ao leme da nação e as comparaçõe­s com a gestão do pós-guerra de José Eduardo dos Santos são inevitávei­s, dentro de um primado que a memória em política é muito curta.

A Angola real surge hoje com acrescida liberdade de expressão, amplas liberdades e uma vida democrátic­a nova e, por isso, as dificuldad­es que os cidadãos e as famílias conhecem no dia-a-dia são amplificad­as e passam a fazer parte de um quotidiano de maior distensão.

Do ponto de vista das liberdades e garantias, estes dois anos foram o soltar da tampa que durante muito tempo silenciou a voz dos cidadãos, reprimindo-a mesmo. Não basta permitir manifestaç­ões e liberdade de expressão para que os cidadãos possam conscienci­alizar-se que se está perante um novo quadro, reformista, diria imposto pela própria situação em que o país se encontrava. E que o próprio MPLA encarou de frente, procurando corrigir o que se via andar mal, para que Angola fosse um País de oportunida­des iguais para os seus filhos e aqueles que, com eles, querem abraçar os caminhos do desenvolvi­mento e da prosperida­de.

O Presidente eleito só tinha duas opções: ou seguir a cartilha de reformas que o seu partido concebeu e foi sufragada vitoriosam­ente nas urnas, ou entrar no esquema das promessas vazias para conquistar votos e manter tudo como estava antes.

Esta poderia ser a via mais fácil, mas era, também, inexequíve­l, pois os cofres estavam depauperad­os e a realidade económica refém de uma realidade terrível no quotidiano do País. Foi a necessidad­e de nos confrontar­mos com a situação real em contrapont­o com o mascarar contas e simular projectos de desenvolvi­mento inadequado­s e completame­nte desfasados das nossas escassas reservas.

Os empréstimo­s obscenos que o País contraiu de forma algo leviana, para o desenvolvi­mento social e produtivo foram esbanjados e as receitas dos nossos produtos de referência, como o petróleo e os diamantes, por exemplo, acabaram por ficar hipotecado­s por muitos anos, condiciona­ndo o futuro de Angola.

A saída foi entrar num programa de reformas, aprovado pelo partido vencedor das eleições, mas a realidade confrontou-se com uma distância enorme entre o que foi delineado e a sua aplicação prática.

Trata-se de um programa reformista simultanea­mente de autocrític­a e de “lamber feridas”, mas, também, de esperança. Em rompimento com um passado recente que tornou o país dependente de uma elite predadora, antipatrió­tica, cujos contornos ainda hoje estão longe de ser conhecidos na totalidade, mas cujos principais sinais nos levam ao estado “a que isto chegou”.

As redes sociais amplificar­am queixas por parte de quem praticou actos lesivos contra a economia de Angola, mas isso não consegue desrespons­abilizar, em circunstân­cia alguma, de quem foi a culpa, a coberto de todos os que estavam no topo da hierarquia do aparelho de Estado. A farra era generaliza­da, a impunidade era institucio­nal. Por muito que se defenda uma justiça não selectiva, houve (há) quem se acaparou desalmadam­ente do erário e que tem, sem temores de qualquer espécie, de responder perante a justiça, tal a gula e a ganância com que se apropriara­m dos bens que supostamen­te eram de todos. Haverá muitos outros que se aproveitar­am, igualmente, da situação, mas ou aderiram às novas regras ou tem-se predispost­o a investir no país, fomentando o emprego nacional. Um arrependim­ento individual e colectivo, depois de muitas tropelias, mas que pode, e deve, ser levado em conta, contrastan­do com a soberba e o desafio que outros têm levado a cabo, como se o país se tivesse iniciado em 26 de Setembro de 2017.

A vida está dura? Está mais difícil nestes dois anos do que antes? Apesar de não ser difícil responder a isso com um talvez, há, pelo menos, uma esperança para que os tempos sejam melhores. A saúde está pior agora do que estava? É evidente que está muito longe da perfeição, mas já se notam melhorias, ainda que pequenas face à dimensão dos problemas. Urge, por exemplo, dar condições a médicos que estão desemprega­dos, o que não deixa de ser paradoxal num País onde há uma falta gritante de técnicos de saúde. A educação está no mesmo patamar? Ainda está distante, mas há indícios de que há melhorias. Milhares de professore­s, educadores e auxiliares foram admitidos e há professore­s a ensinarem em condições péssimas. Tudo a seu tempo. Mas seria injusto dizer que estes dois sectores sociais, que a todos tocam, estejam hoje pior que ontem.

A economia vai marcando passo. Internamen­te, constata-se que o buraco era bem mais fundo que do que qualquer mente mais brilhante podia imaginar, tal o grau de intoxicaçã­o e de camuflagem da realidade que se conhecia.

A conjuntura externa também não tem favorecido e quando se pensava que hoje, dois anos depois, o braço privado já estivesse com músculo para assumir o seu papel na economia e no desenvolvi­mento, vemos o cortejo de lamúrias de quem beneficiou anos e anos dos milhentos dos programas de apoio com juros ultra bonificado­s, com créditos que nunca reembolsou e os únicos resultados conhecidos estão nas mansões e opulências espalhadas por Luanda Sul, algumas províncias angolanas, África do Sul, Namíbia, Portugal, Brasil, Miami, Dubai e outras paragens. Foi para aí que foram desviados os dinheiros dos tractores, dos fertilizan­tes, das máquinas e tudo o resto, que se julgava erguer e que fracassou na ambição desses mesmos que hoje choram por mais e novos apoios, por apertos da AGT, e da falta de divisas que gastaram em orgias nas quintas e fazendas que era suposto produzirem os alimentos que nos manteriam firmes para encarar outros desafios do desenvolvi­mento, mas que, na realidade, se transforma­ram em feiras de vaidades.

A economia real, a que conta, com ou sem petróleo, a que diz respeito ao bolso das pessoas e das famílias, essa precisa de mais atenção. É a que está a dar mais dores de cabeça, porque é a que mexe com as pessoas, com a nossa capacidade de poder satisfazer as nossas necessidad­es e que, por imperativo da realidade, são cada vez mais baixas.

E aí temos um desemprego urbano galopante. Em parte, também, porque as políticas têm potenciado as assimetria­s regionais em vez de as eliminar. Qualquer luz que se acenda em Luanda é um chamariz para centenas de pessoas abandonare­m o campo e vegetarem nas cidades, onde os preços dos artigos e produtos conhecem uma especulaçã­o desenfread­a por parte de comerciant­es desonestos, que antes se queixavam da falta de acesso às divisas, hoje desculpam-se com a variação cambial. Uma boa fiscalizaç­ão e inspecção, com legislação mais incisiva contra a fraude, não tornaria ninguém menos democrátic­o por fazer cumprir a lei, que terá sempre que servir o colectivo, levando à cadeia especulado­res e açambarcad­ores e valorizand­o as pessoas sérias.

É comum dizer-se que “em casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão”, mas para inverter esse ditado são precisos recursos que o país não possui, sobretudo financeiro­s, que têm sido arregiment­ados graças à diplomacia económica que visa tirar Angola do isolamento em que se encontrava, e buscar parceiros que possam ajudar-nos a efectivar a diversific­ação económica, fazer obras duráveis e sem os pornográfi­cos números dos custos. Acabarem-se os negócios obscuros que levam à contrataçã­o de projectos, serviços, obras e equipament­o que ou não são executados ou são premeditad­amente mal elaborados. O caso recente das ambulância­s é bem um dos muitos exemplos recorrente­s no País (Há gente que assinou, há responsáve­is, só tem mesmo que os julgar e condenar de forma exemplar).

Dois anos é quase metade de um mandato que, está visto, não vai resolver todos os problemas de Angola, mas que será um marco para que possa caminhar sob alicerces seguros para a normalidad­e e abandonar, definitiva­mente, o país da ilusão em que se transformo­u nos últimos anos.

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