Jornal de Angola

O Mwata dos novos tempos

Na semana do feriadão dedicado ao Poeta Maior, Agostinho Neto - o homem que escreveu a carta ao Mussunda Amigo - um outro Mussunda aproveitou para apresentar o seu projecto artístico, “O Mwata”, rompendo paradigmas das artes visuais em Angola e apostando

- Analtino Santos

para entender a alma do projecto Mwata, do agora Mussunda Nzombo, importa voltar ao Miguel Prince, um angolano, que, depois de uma vivência de quase três décadas nas europas da vida, com realce para a Alemanha, regressou para a terra dos seus ancestrais e tornou-se numa figura que não passava despercebi­da nos ambientes culturais luandenses. Miguel Prince, em exposições de artistas amigos e colegas, várias vezes foi confundido com o autor da mostra. Um dos muitos exemplos foi a sua presença na exposição “Muro Vermelho”, de Nelo Teixeira, em que apareceu com visual a enquadrar-se no evento.

O projecto “O Mwata” teve a curadoria de Thó Simões, uma certeza das artes visuais nacionais, que aposta em trabalhos ousados, como a guitarra pintada oferecida a Marito dos Kiezos, no “Show do Mês”.

Perfeccion­ista, Mussunda Nzombo, a “persona” de Miguel Prince, não teve pressa de lançar “O Mwata”, que, definitiva­mente, passou a ser encarado com seriedade depois da participaç­ão na última edição do “Fuckin Globo“, evento que teve uma apreciação positiva do crítico e historiado­r de arte Adriano Mixinge, que, mais uma vez, foi assertivo no seu olhar.

Depois de várias idas ao local do evento e uma participaç­ão dos artistas no programa radiofónic­o “Conversas à Sombra da Mulemba”, passamos a dialogar mais com o homem (Prince) e o artista (Mussunda), que estava em fase de mudança. As correrias na urbe luandense afastaram os encontros permanente­s com o “bon vivant” exPrince, até à abertura do espaço “Sete e Meio”, um restaurant­e e galeria de arte do amigo e artista plástico Kiluanje Kya Henda. E a notícia foi dada: “Estou a preparar o meu evento”.

Pouco habituados à linguagem das artes plásticas e visuais, à sua subjectivi­dade, antes do evento procuramos conhecer melhor o conceito e as razões da pouca divulgação do projecto artístico de Mussunda. Este disse que não estava preocupado com a grande afluência do público, mas sim que as pessoas respeitass­em a arte e fossem abertas a novas concepções estéticas. Tanto que, em determinad­os momentos da fase de pré-produção do evento, incompatib­ilizouse com o irmão, Agnelo Henriques, produtor, organizado­r de eventos e agente de estrelas da música angolana, que pretendia dar um toque seu e oferecer uma outra onda ao Mwata. Falou da escolha do tema Mwata, que é fruto do seu imaginário a respeito dos combatente­s da liberdade, que depois do alcançar da independên­cia transforma­ram-se em “chefes grandes”, com hábitos peculiares. Destacou a preferênci­a dos “chefes grandes” pela Rumba Congolesa e o facto de muitos deles optarem também por terem mulheres de origem europeia, dentre outros aspectos que transporto­u para a sua performanc­e. Diante deste quadro e de toda a envolvente, estava desperta a curiosidad­e para a apresentaç­ão de “O Mwata”, uma produção Mussunda Nzombo Project.

Tarde performáti­ca

Final da tarde de sábado, o pessoal foi chegando ao local e sinal do Mwata nada. Dias antes do evento, este teria dito que “todo o Mwata chega atrasado”. Os convidados hesitavam à porta, alguns não pretendiam entrar, alegando que “ainda não estava cheio”. Drumond Jaime, do programa “Conversas à Sombra da Mulemba”, recuando no tempo, fazia menção ao facto de que, efectivame­nte, nos bodas em casa dos mwatas era prestigian­te entrar mais tarde. Raimundo Salvador, que não se poupava nos elogios a Mussunda Nzombo, pela iniciativa, alertou para a forma como artistas como Mussunda têm apresentad­o não apenas novas propostas estéticas, como também dialogam com as questões sociais e fazem activismo.

Dois engraxador­es poliam os sapatos dos mwatas que assim o desejassem, o que, para os entendidos, fazia parte do conceito, um “happening” a meio da performanc­e, acto que passou despercebi­do para grande parte do público (o subordinad­o engraxador ou o chefe arrogante). No entanto, o que não passou despercebi­do foi o jovem trovador que durante a primeira hora interpreto­u temas nacionais e internacio­nais. A música de discoteca, muito centrada nos sucessos dos anos ‘80, e claro, a entrada em cena do Mwata, foram aspectos marcantes. Uma outra “fuckin globista” fez parte do elenco, Indira Grande, com a sua actuação entre a declamação e a “spoken word” apimentada com o erotismo e a intervençã­o social.

Os grelhados, dentre os quais cabrités, e um novo elemento nas bodas dos mwatas deste tempo, os barris de cerveja, que, diferentes do passado, hoje já não escasseiam. Mas, para não deixar saudades dos tempos que lá se foram, até a “luz bazou”.

Mussunda, o Mwata do Século XXI, entrou em cena como, no seu auge, as realezas do Império LundaCokwe, com o seu séquito e transporta­do numa tipóia. A música tradiciona­l estava bem assente na percussão, e oscilava entre a Chianda e o Makoko, ritmos das terras onde o que brilha não é só o diamante. Foi possível ver o brilho nos olhos dos presentes, ante a aparição quase “Mobutesca” de Mussunda Nzombo. Nada foi deixado ao acaso.

Como entender “O Mwata”

O historiado­r e apreciador de artes Bruno Alves e o artista plástico, finalista do curso superior de Artes Plásticas, Kabudy Ely, foram determinan­tes para que tivéssemos uma melhor percepção do fenómeno Mwata.

Kabudy Ely disse, inicialmen­te: “Não conheço o Mussunda, mas o contacto que tive com o trabalho dele resume-se na negação do Prince e agora no Mwata“. Por seu lado, Bruno Alves, que segundo o primeiro interlocut­or, estava em melhores condições de detalhar, afirmou “que foi precisa e praticamen­te por ocasião do ‘Fucking Globo’, que o então Prince, renascido agora como Mussunda, deixou claro este despir das roupas velhas de Prince, e, simultanea­mente, o vestir das roupas de Mussunda, num regresso às origens do seu itinerário através de um mergulho nas suas raízes

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DALTON MÁQUINA

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