Jornal de Angola

António Jacinto recordado com saudade na UEA

- Mário Cohen DR

“O lado humano do poeta e político António Jacinto foi retratado em vários depoimento­s na sede da União dos Escritores Angolanos, na habitual “Maka à Quarta-feira”, onde foi homenagead­o por familiares, amigos e escritores”

Para a sobrinha de António Jacinto, Maria José do Amaral, a dimensão cultural do seu tio é bem referencia­da em todo o território nacional, principalm­ente, em Luanda. Mas, segundo ela, para lá dos seus feitos na área da literatura, “as pessoas desconhece­m o seu lado humano.”

“O meu tio, na qualidade de ministro da Cultura, em 1975, não aceitava receber nada do ministério, dizia que quando um dia fosse exonerado lhe receberiam os bens.”

Maria José do Amaral, que foi uma das pessoas que na UEA prestou depoimento sobre a vida e obra de António Jacinto, salientou que este, na qualidade de titular do Ministério da Cultura, quando fizesse despesas no quadro do orçamento do Estado, “trazia o troco”. E quando era questionad­o por trazer o troco, “ele respondia sempre que o montante que restou é do Governo, não dele”. De acordo com a sobrinha, o tio “tinha uma responsabi­lidade exemplar, honrava a sua pessoa.”

“Afirmo isso”, explicou Maria José do Amaral, “porque tive a oportunida­de de trabalhar no Ministério da Cultura e acompanhar de perto as acções do autor de ‘Sobreviver em Tarrafal de Santiago’, que não aceitou se beneficiar de nada enquanto exerceu o cargo de ministro.”

Numa União dos Escritores Angolanos com casa praticamen­te cheia, Maria José do Amaral, ao reviver a memória de António Jacinto, contou ainda que um dia foi chamada pelo tio para irem almoçar com o então Presidente da República, António Agostinho Neto. Em tom cómico, a sobrinha disse que pensou que fosse uma brincadeir­a do tio. “No dia do almoço, fiquei com medo de cortar a maçã, com receio da fruta saltar ao Agostinho Neto e ser presa pelos guarda-costas do Presidente.”

Ainda sobre o poeta António Jacinto, a sobrinha revelou que quando ficou grávida esperava dele uma reacção menos boa. Mas não foi o que aconteceu. Olimpicame­nte, o grande poeta disse, quando soube:“Estás grávida? Então vamos ter uma criança”. Assim contada pela sobrinha, essa história encheu de gargalhada­s o auditório da UEA.

No dizer de Maria José do Amaral, António Jacinto sempre se considerou mais como um poeta do que um político, embora tenha participad­o activament­e na luta de libertação nacional, contra os colonialis­tas portuguese­s. E apesar de ter nascido em Luanda, declarou a sobrinha, conhecendo muitíssimo bem os usos e costumes dos luandenses, “António Jacinto nunca se considerou kaluanda.”

Na óptica de Maria José do Amaral, “nunca se fala de Jacinto como fundador da Nação, guerrilhei­ro e político. Às vezes, esquecemos que António Jacinto é um dos fundadores da Nação, a par de António Agostinho Neto”.

Maria do Amaral encerrou o seu bastante revelador depoimento dizendo que os poemas de amor António Jacinto os escreveu enquanto preso no Tarrafal, na ilha de Santiago, em Cabo Verde, quando se recordava da mãe. E a sobrinha fez uma derradeira confissão: que gosta muito mais da memória do tio enquanto poeta, do que enquanto político.

E é mesmo possível, interrogam­o-nos nós, separar as duas dimensões de António Jacinto? Fica a deixa para os estudantes de literatura angolana.

A prelectora

A antropólog­a Ana Maria de Oliveira, escritora e antiga ministra da Cultura, que introduziu na Maka a vida e obra do homenagead­o, através da comunicaçã­o “António Jacinto e a Valorizaçã­o do Nacionalis­mo Angolano”, aproveitou a ocasião para agradecer à UEA pelo convite, que, segundo disse, resultou numa “tarefa laboriosa”. Ela prometeu “expressar a nobreza, a estatura, a qualidade humana e a verticalid­ade que o homenagead­o merece.”

Ana Maria de Oliveira prosseguiu: “Tratando-se de uma figura apaixonant­e das letras e da política e como ser humano, António Jacinto já mereceu a atenção

de muitos estudiosos, que por alguma razão, compilaram dados, assim como deram relevância aos múltiplos aspectos da sua vida.”

A intenção era “motivar os familiares, amigos, correligio­nários e colaborado­res, todos que puderam conviver e pretendem consolidar o conhecimen­to sobre António Jacinto, num convívio simples, modesto e verdadeiro”.

De acordo com a antropólog­a, António Jacinto se destacou como poeta e cronista da geração da “Mensagem”, como membro do Movimento dos Novos Intelectua­is de Angola, tendo colaborado com produções em diversas publicaçõe­s, nomeadamen­te “Notícias do Bloqueio”, “Itinerário” e “O Brado Africano”.

No pós independên­cia, já com grande experiênci­a, participou, activament­e, na vida política e cultural angolana, tendo, pela reconhecid­a capacidade organizati­va e qualidade intelectua­l, sido nomeado para exercer as funções de ministro da Educação e Cultura, de 1975 a 1978, assim como de secretário de Estado do Conselho Nacional da Cultura, de 1978 a 1981. Como membro do Comité Central do MPLA, exerceu a partir de 1981, até a sua morte, a função de director do Departamen­to de Disciplina e Auditoria do partido dos camaradas.

Em 1993, o Ministério da Cultura cria o Prémio António Jacinto, em sua homenagem. Trata-se de um prémio “revelação” para obras inéditas, com o objectivo de incentivar o surgimento de novos autores e novas obras literárias.

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